Acórdão nº 796/16.8YRLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução09 de Março de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU[1] Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO 1. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de ... promoveu o cumprimento do Mandado de Detenção Europeu ( doravante MDE), emitido em 12 de Janeiro de 2016 por autoridade judiciária de Espanha - Juiz do Juzgado Central de Instruccion n.º ... de Madrid – para procedimento criminal no âmbito do Processo n.º 64/2015, contra o agora recorrente, AA.

  1. O MDE foi igualmente inserido no Sistema de Informações de Schengen – SIS, tendo o procedimento criminal a correr termos em Espanha por objeto factos que, segundo a legislação espanhola, integram crimes de burla, participação em organização criminosa e branqueamento de capitais, puníveis com pena de prisão até 20 anos.

  2. Procedeu-se à audição do detido, ao abrigo do disposto no artigo 18.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, na sequência do que o mesmo declarou não consentir na execução do MDE e na consequente entrega às autoridades espanholas, nem renunciar ao benefício do princípio da especialidade. Requereu ainda a concessão de prazo 10 dias para apresentar a sua oposição, o que lhe foi concedido, nos termos do disposto no artigo 21.º, n.º 4, da Lei n.º 65/2003.

    Por despacho então proferido pela Ex.mº Srº Juiz Desembargador relator, a detenção efetuada foi validada.

    Foi ainda determinada que o requerido ficava a aguardar os ulteriores termos do processo mediante sujeição à prestação de TIR, a apresentações semanais junto da autoridade policial da área da residência, à proibição de se ausentar do território nacional e à obrigação de entregar os passaportes de que seja titular.

  3. O requerido deduziu oposição à execução do mandado, nos termos constantes do acórdão recorrido.

  4. Por acórdão do Tribunal da Relação de ...de 19 de janeiro de 2017, foi decidido julgar improcedentes os fundamentos à oposição e verificados os pressupostos legais deste MDE, e, consequentemente: « a) ordenar o cumprimento do mandado de detenção europeu (MDE) emitido pelo Juzgado Central de Instruccion nº... da Audiencia Nacional de Espanha contra AA nos termos solicitados; b) ordenar que sejam emitidos os mandados de detenção correspondentes».

  5. Deste acórdão, interpôs o requerido recurso para este Supremo Tribunal, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões que se transcrevem: « 1ª. O presente processo padece da nulidade insanável prevista no art. 119.º, al. a), do CPP por, não obstante ter sido realizado por três Juízes Desembargadores, o foi em conferência, não tendo o Presidente da Secção tido intervenção no julgamento, tendo tão só dirigido os trabalhos da conferência, em violação dos arts. 56.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26.08, ex vi art. 73.º da mesma lei, do art. 12.º, n.º 3, al. c), in fine, e n.º 4 do CPP e do art. 15.º, n.º 2, e 22.º, n.º 1, da Lei 65/2003, de 31.08.

    1. - O presente processo padece de nulidade nos termos do art. 120.º, n.º 2, al. a) e d), do CPP, ex vi art. 34.º da Lei 65/2003, de 23.08, por ter sido utilizado uma forma de processo (julgamento em conferência) quando a lei manda utilizar outra (julgamento em audiência oral) e assim omitido acto legalmente obrigatório, nulidade que expressamente se invoca.

    2. - A omissão da realização da audiência oral e das alegações orais previstas no art. 21.º da Lei 65/2003, de 23.08 integra ainda a nulidade prevista no art. 120.º, n.º 2, al.

      d), do CPP, ex vi art. 34.º da Lei 65/2003, de 23.08 que aqui também expressamente se invoca ex vi art. 34.º da Lei 65/2003, de 23.08.

    3. - Ainda que assim não se considerasse, sempre tal omissão seria uma irregularidade que aqui expressamente se invoca.

    4. - Tal irregularidade é susceptível de afectar o valor do acto da decisão sobre a execução do MDE, já que esta é proferida sem que os sujeitos processuais – pessoa procurada e Ministério Público – tenham podido alegar, de facto e de direito, sobre a matéria do pedido de entrega e da oposição, com isso influindo na decisão final a proferir.

    5. - As diligências referidas nos n.º 2 e 3 do requerimento probatório constante da oposição são relevantes para a aferição da causa de recusa invocada na sua oposição prevista no art. 12.º, n.º 1, al.

      b), da Lei 65/2003, de 23.08 (pontos 1 a 50 da oposição).

    6. - As diligências referidas no n.º 1 do requerimento probatório constante da oposição são relevantes para sanação da irregularidade do MDE invocada na oposição (pontos I a IV da oposição).

    7. - Ao contrário do que afirma a decisão recorrida, estes meios de prova são absolutamente relevantes para esclarecer cabalmente a verificação do pressuposto de aplicação da causa de recusa invocada, e, em particular, sobre se os factos em apreciação nos presentes autos e nos processos referidos são os mesmos para efeitos da referida causa de recusa.

    8. - Bem como para permitir sanar a irregularidade de que padece o MDE por não indicar o momento da prática dos factos imputados à pessoa procurada, o que é essencial para a garantia do princípio da especialidade, da qual a pessoa procurada não abdicou.

    9. - Sendo relevantes para tais efeitos, deveriam as mesmas ter sido ordenadas por não ser aplicável qualquer dos motivos de indeferimento previstos no art. 340.º, n.º 3 e 4, do CPP, aplicável ex vi art. 34.º da Lei 65/2003, de 23.08 e requer a V. Exas. se dignem revogar a decisão recorrida neste ponto e determinar a realização daquelas diligências.

    10. - Na parte em que indefere o requerimento probatório, o acórdão recorrido padece da nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, al.

      a), do CPP, por omissão da indicação “tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão”, prevista no art. 374.º, n.º 2, do mesmo diploma, aplicável ex vi art. 34.º da Lei 65/2003, de 23.08.

    11. - Em qualquer caso, a omissão da realização das diligências requeridas nos n.º 1, 2 e 3 , já que não podem ser indeferidas ao abrigo do art. 340.º, n.º 3 e 4, do CPP, aplicável ex vi art. 34.º da Lei 65/2003, de 23.08, é legalmente obrigatória e, como tal, a sua omissão consubstancia também a nulidade prevista no art. 120.º, n.º 2, al.

      d), do CPP, ex vi art. 34.º da Lei 65/2003, de 23.08, que aqui também expressamente se invoca ex vi art. 34.º da Lei 65/2003, de 23.08.

    12. - A omissão de notificação à pessoa procurada do despacho que se pronuncia sobre a admissibilidade da prova requerida em momento prévio às alegações e à decisão sobre a execução do Mandado de Detenção Europeu consubstancia a nulidade prevista no art. 120.º, n.º 2, al.

      d), do CPP, ex vi art. 34.º da Lei 65/2003, de 23.08, que aqui também expressamente se invoca ex vi art. 34.º da Lei 65/2003, de 23.08.

    13. - Ainda que assim não se considerasse, sempre tal omissão seria uma irregularidade que aqui expressamente se invoca.

    14. - Tal irregularidade é susceptível de afectar o valor do acto da decisão sobre a admissibilidade dos meios de prova e da própria decisão sobre a execução do MDE, já que não permite à pessoa procurada esgrimir os seus argumentos ou arguir vício contra a decisão sindicada e vê-la, se necessário, revogada ou anulada no momento próprio – a decisão final sobre a entrega.

    15. - O acórdão recorrido é ainda nulo por falta de fundamentação quanto à não aplicabilidade da causa de recusa invocada (art. 12.º, n.º 1, al.

      b), da Lei 65/2003, de 23.08), nos termos conjugados do art. 379.º, n.º 1, al.

      a), e 374.º, n.º 2, do CPP.

    16. - Ou no limite irregular por violação do art. 97.º, n.º 1, al.

      b), e n.º 5 do CPP, irregularidade que aqui se invoca e que evidentemente afecta o valor da decisão recorrida, por não permitir compreender o seu teor.

    17. - Os elementos documentais carreados para os autos pelo recorrente impunham que se tivesse considerado provado que o recorrente é alvo de processo em Portugal pelos mesmos factos constantes do MDE.

    18. - A decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que, reconhecendo a identidade dos factos, decrete a aplicação da causa de recusa invocada, nos termos invocados na oposição e com pronúncia sobre as questões esgrimidas a esse propósito na oposição.

    19. - No limite, deve ser revogada a decisão recorrida e ordenada a produção das diligências requeridas com vista ao esclarecimento e prova do invocado pelo recorrente na sua oposição no que respeita à causa de recusa do art. 12.º, n.º 1, al.

      b), da Lei 65/2003, de 23.08, e, após coligidos esses elementos, ser proferida nova decisão.

    20. - Reitera-se que a omissão destas diligências constitui, como referido supra, a nulidade prevista no art. 120.º, n.º 1, al.

      d), do CPP, por ser omissão de diligências necessárias à descoberta da verdade e que se enquadram no objecto dos presentes autos.

    21. - A decisão recorrida é completamente omissa quanto à factualidade provada e não provada com relevo para a decisão, não obstante o ora recorrente ter elencado de forma circunstanciada a factualidade que deveria ser objecto de prova, factualidade essa com relevância para a decisão das questões invocadas (cf. pontos V a XXVIIII da oposição).

    22. - A decisão recorrida padece assim, neste ponto, da nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, conjugado com o art. 374.º, n.º 2, do mesmo diploma, ex vi art. 34.º da Lei 65/2003, de 23.08 (“fundamentação que consta da enumeração dos factos e não provados”).

    23. - Compulsado o teor dos MDE não é possível concordar com a decisão recorrida quanto à inexistência da irregularidade suscitada por falta de indicação do momento da prática da infracção pelo recorrente.

    24. - Essas circunstâncias, pelo menos no terminus a quo têm de estar concretizadas, sem o que não será possível, posteriormente, aferir o cumprimento da garantia da especialidade.

    25. - O MDE está sujeito ao princípio da especialidade, cuja operatividade é delimitada pelo conjunto de factos históricos juridicamente enquadrados enunciados no MDE, bem como pelo momento da prática do facto, não podendo estes ser precisados por referência à actuação de outras pessoas e de forma indeterminada.

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