Acórdão nº 736/14.9TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Março de 2017
Magistrado Responsável | LIMA GONÇALVES |
Data da Resolução | 14 de Março de 2017 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.
AA, BB e CC requereram, em 07.05.2014, na extinta 2ª Vara Cível de Lisboa, contra Caixa Geral de Depósitos, S.A.
, declaração de executoriedade de sentença estrangeira, pretendendo que «seja atribuído carácter executório à sentença proferida pelo Cour d´Appel du Grand-Duché de Luxemburgo, de 13.11.2013».
Para tanto alegaram, em resumo, que: — Por sentença proferida pelo Cour d´Appel du Grand-Duché de Luxemburgo, em 13 de novembro de 2013, a Requerida foi condenada, entre outros, a pagar aos Requerentes a quantia de €3.527.000,00, acrescida de juros legais desde 24 de maio de 2012 até integral pagamento; — A Requerida, interpelada pelos Requerentes para proceder ao pagamento voluntário, até à presente data, nada pagou; — A sentença que se pretende executar foi proferida por um Tribunal Superior de um Estado-membro da União Europeia (o Grão Ducado do Luxemburgo); — A Requerida foi citada no processo no qual veio a ser proferida a sentença, tendo aí exercido todos os direitos legais e processuais que lhe assistiam, nomeadamente o seu direito à defesa e contraditório; — A referida sentença, de que a Requerida foi notificada, não contraria a ordem pública portuguesa.
Juntaram cópia certificada da decisão estrangeira, bem como certidão emitida pelo Tribunal de origem a que alude o artigo 54º do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho de 22 de Dezembro de 2000.
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A extinta 2ª Vara Cível de Lisboa declarou-se incompetente para conhecer do presente procedimento especial e ordenou a remessa dos autos aos extintos Juízos Cíveis de Lisboa.
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No extinto 3º Juízo Cível de Lisboa, a 06.06.2014, foi então proferida a seguinte decisão: «Nos presentes autos de ação especial, em que são requerentes AA, BB e CC e requerida Caixa Geral de Depósitos, S.A., atentos os factos e o direito expendido, declaro a executoriedade da sentença proferida pela 7ª Secção, competente em matéria cível, do Cour d´Appel du Grand Duché de Luxemburgo, em 13/11/2013, no processo nº 39427, em que foram Recorrentes os aqui Requerentes e Recorrida a aqui Requerida».
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Não se conformando com esta decisão, a Requerida interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa.
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O Tribunal da Relação de Lisboa, negando provimento ao recurso, veio a «confirmar a declaração de executoriedade constante da sentença apelada» e a indeferir a requerida suspensão da instância.
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Mais uma vez inconformada, a Requerida veio interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões (procedendo-se à correção do lapso constante da respectiva numeração, decorrente da duplicação dos números 4 e 44): 1ª. Em 7.5.2014, os aqui Recorridos requereram a "declaração e executoriedade de sentença estrangeira", ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 44/2011.
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A sentença cuja executoriedade foi requerida foi assim identificada: sentença proferida pela Cour d'Apell du Grand-Duché de Luxemburgo, de 13.11.2013, em que a Requerida foi condenada "a pagar aos aqui Requerentes a quantia de €3.527.000,00 (três milhões quinhentos e vinte e sete mil euros) acrescida de juros legais desde o dia 24 de maio de 2012 até integral pagamento" (art. 1.º da p.i.) 3ª. Em face do pedido, a sentença em recurso, decretou a executoriedade da sentença proferida, sem qualquer restrição.
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Este é o primeiro erro da sentença, mantido no ac. recorrido, induzido pela forma como o requerimento é apresentado.
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De facto, a Requerida não foi pura e simplesmente condenada a pagar a quantia referida. E é este tipo de condenação, "par provision", provisória, ou cautelar, como melhor seria traduzido, que obrigaria à restrição do âmbito da executoriedade da sentença em causa, o que não aconteceu.
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Compreender a natureza da condenação, supõe a prévia apreensão do ato que lhe deu origem - o référé -, ato que vem igualmente omitido na petição inicial.
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Os arts. 34.º e 35.º do Regulamento definem as condições de reconhecimento por forma negativa, indicando os casos em que não pode haver reconhecimento.
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No entanto, há pressupostos de declaração de executoriedade que são impostos por outras normas do Regulamento, designadamente que o objeto da decisão caia no âmbito material de aplicação do Regulamento (art.1.º) e que a decisão tenha força executiva (art.38.º).
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Ora, não se verificam os dois últimos requisitos.
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Em 30.10.2012, foi proferida decisão, nos termos da qual o juiz das decisões provisórias do Luxemburgo indeferiu o pedido de decretamento de todas as solicitadas pelos aqui Requeridos.
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Desta decisão foi interposto recurso para a Cour d'Apell, que proferiu decisão parcialmente revogatória da anterior, decisão essa que foi objeto do pedido de declaração de executoriedade.
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A decisão cuja executoriedade foi requerida não havia transitado em julgado aquando do pedido apresentado pelos Recorridos, facto que foi omitido pelos Requerentes e não foi fiscalizado pelo tribunal.
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Tal é, aliás, reconhecido no Acórdão recorrido, que igualmente reconhece que a decisão de tal recurso apenas veio a ocorrer em 10/7/2014 (p. 10).
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Conforme decidiu o Tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão de 26/5/2011, Proc. 848/8.8TBPTL.G1: "A declaração de executoriedade de sentença estrangeira só poderá ser requerida, após o respectivo trânsito em julgado. Este requisito terá de se verificar na altura da apresentação do requerimento de executoriedade." 15ª. Se os arts.38.º e 53.º do Regulamento exigem que a decisão tenha "força executiva" e se tal força executiva não existe no estado de origem, não se verifica o requisito em causa.
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Para além da falta de trânsito em julgado, é essencialmente a natureza da decisão cuja executoriedade vem requerida que está em causa, atendendo ao tipo de decisão em que se suporta o pedido dos Requerentes.
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De facto, os Requerentes omitem no seu requerimento que a decisão cuja atribuição de executoriedade solicitam provém de um processo denominado de "référé", com um âmbito de eficácia bem restrito.
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Assim, induzem em erro o julgador, que atribui ao acórdão uma executoriedade sem limites, como se, com base no mesmo, os Requerentes pudessem instaurar uma normal ação executiva, e nele penhorar e fazer vender bens da Requerida.
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Por aplicação do regulamento 44/2001, o reconhecimento do acórdão da "Cour d'appel" não pode conferir mais direitos, mais meios de execução, do que a execução por meios apenas cautelares.
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De facto, se no país de origem uma determinada sentença tem uma executoriedade com determinado âmbito - no caso apenas provisória, ou seja, para efeitos conservatórios -, não pode o "exequatur" do tribunal português alterar tal âmbito.
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Atendendo ao pedido, sem restrições, e à decisão, tomada por simples referência para tal pedido, parece manifesto que o âmbito da executoriedade atribuído à sentença viola flagrantemente o artigo 38.º do Regulamento, por violação do art. 933.º, al. 2 do NCPC do Luxemburgo.
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A provisoriedade da decisão cuja executoriedade foi requerida resulta ainda de outra questão, igualmente omitida ao tribunal pelos aqui Recorridos.
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Caso fosse negado provimento ao recurso, como aconteceu, o processo terá que voltar à 1.ª instância, para que o juiz decida o processo na sua totalidade.
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Com efeito, o tribunal tinha ordenado a apensação ao référé do pedido apresentado pela CGD contra a sua seguradora DD S.A., pedindo que esta se substitua ao banco no pagamento de qualquer indemnização em que aquele pudesse vir a ser condenado ainda que provisoriamente, até ao montante do seguro - 2.500.000,00€.
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Na medida em que o despacho de 30 de outubro de 2012 não tinha condenado o banco no pagamento do aludido montante aos requerentes, tinha sobrestado a decisão sobre a condenação da seguradora em lugar e substituição do banco.
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Ou seja, mesmo tendo entretanto a Cour de Cassation revogado o acórdão da "Cour d'appel", de 13 de Novembro de 2013, sempre o "Tribunal d'arrondissement" terá ainda que decidir se a seguradora deve pagar ou não em lugar do banco, mesmo que apenas até ao montante máximo segurado.
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Ora, esta decisão encontra-se suspensa, como foi provado e vem reconhecido no acórdão em recurso.
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Se, a final, se decidir favoravelmente a pretensão da CGD, esta apenas terá que pagar, e a título provisório, repita-se, cerca de 1 milhão de euros em vez de 3,5 milhões.
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Um processo de execução imediata em Portugal pela totalidade do valor em causa é, pois, contrário à real situação existente no país de origem, levando a que se possa afirmar, com inteira propriedade, que a sentença que condenou no pagamento de 3,5 milhões de euros não é título executivo no país de origem, nem sequer a título provisório, assim saindo violado o art. 38.º do Regulamento.
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Defender-se o contrário equivaleria a algo de equivalente à violação do princípio da proibição da reformatio in pejus.
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Esta é outra das razões que impedem a executoriedade da sentença, tal como foi requerida e veio a ser decidida, ainda que por completa omissão de elementos trazidos até ao julgador pelos ora Recorridos.
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Sem dúvida que o art. 31.º do Regulamento prevê que "(a)s medidas provisórias ou cautelares previstas na lei de um Estado-Membro podem ser requeridas às autoridades judiciais desse Estado, mesmo que, por força do presente regulamento, um tribunal de outro Estado-Membro seja competente para conhecer da questão e fundo".
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O que sejam "medidas provisórias ou cautelares" não é, porém, pacífico.
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Como salienta, Luís Lima Pinheiro, ob. cit, págs., 228/229, "Das diversas formulações ressalta a inclusão neste conceito das providências provisórias conservatórias.
Não é tão claro até que ponto podem ser abrangidas providências provisórias antecipatórias.
No caso Van Uden, o TCE decidiu que 'o pagamento a título provisório de uma contraprestação contratual não constitui uma medida provisória na aceção desta disposição a menos que, por um lado, o reembolso ao demandado da soma atribuída esteja...
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