Acórdão nº 4444/03.8TBVIS.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Revista nº 4444/03.8TBVIS.C1.S1 Acção com Processo Comum Comarca ... – ... – Inst. Central – Secção Cível – J3 Relação ... – 3ª Secção Cível Supremo Tribunal de Justiça – 1ª Secção Cível ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]: AA propôs a presente ação declarativa, com processo ordinário, contra o “HOSPITAL BB, SA”, pedindo que, na sua procedência, o réu seja condenado a pagar-lhe, a título de indemnização, o montante global de €291.357,29, acrescido de juros vincendos, à taxa legal de 4%, desde a citação e até efetivo e integral pagamento, alegando, em síntese, para fundamentar a sua pretensão, que, com a categoria de enfermeira graduada, exercia funções, no “HOSPITAL BB”, em ..., onde, no dia 12 de janeiro de 2001, foi vítima de um acidente, ocorrido na sala de operações.

Tal acidente verificou-se, após a autora ter elevado o estrado do eletrobisturi ali existente, que, então, caiu, repentinamente, atingindo-a sobre a cabeça.

Por força de tal acidente, a autora foi, de imediato, assistida nas urgências, tendo-se submetido, desde então, a inúmeros tratamentos, pois sofreu traumatismo axial da coluna cervical e cervicalgia com limite funcional.

Este acidente ficou a dever-se a culpa da sua entidade patronal que não lhe proporcionou todas as condições de segurança necessárias ao cabal exercício das suas funções, tendo incorrido em responsabilidade civil, nos termos do regime consagrado no artigo 483º, do Código Civil.

Acresce que, mesmo que assim se não entendesse, sempre o réu seria responsável, com base no regime da responsabilidade pelo risco.

Em consequência das lesões sofridas, ficou, temporariamente, incapacitada para o trabalho, sendo ainda afetada por uma incapacidade permanente parcial fixável em 25%, tendo sofrido dores, bem como um prejuízo de afirmação pessoal, com impossibilitada de auferir inúmeras remunerações acessórias, tendo suportado várias despesas, que justificam ser-lhe devido, a título de indemnização, o quantitativo peticionado, ou seja, a título de lucros cessantes, reportados a remunerações acessórias distribuídas por “programa de acesso”, “horas complementares”, “tempo acrescido” e “horas extraordinárias”, que deixará de auferir, o valor de €210.528,25, a título de incapacidade temporária total, a quantia de €13.779,25, a título de incapacidade temporária parcial, a quantia de €2.314,91, a título de incapacidade permanente parcial, fixável em 25%, a partir da data da consolidação das lesões, a quantia de € 63.318,42, a título de quantum doloris, a quantia de €3.000,00, e, a título de prejuízo da sua afirmação pessoal, a quantia de €20.000,00.

Na contestação, o réu concluiu pela procedência da exceção da sua ilegitimidade, e bem assim como pela improcedência da ação, defendendo ainda que nenhuma responsabilidade lhe pode ser assacada na produção do acidente em causa, pois não tinha sido informado de qualquer deficiência de funcionamento no eletrobisturi em causa, não podendo concluir-se que o acidente se tenha ficado a dever a uma deficiente organização dos serviços do réu, que tem vindo a celebrar sucessivos contratos de manutenção corretiva e preventiva com a “CC SA”, pelos quais esta se obriga a prestar todos os serviços de manutenção e de assistência técnica, designadamente, ao equipamento em causa nos autos, e que assumiu a responsabilidade pelos danos causados pelos equipamentos abrangidos por tais contratos de manutenção.

Defendeu ainda que a autora apenas tem direito à reparação dos danos, fundamentados no regime especial do DL 503/99, de 20 de novembro, tendo requerido, com base no seu eventual direito de regresso, a intervenção acessória provocada da “CC, SA”.

Na réplica, a autora defende a improcedência das exceções deduzidas, concluindo como na petição inicial.

Admitida a intervenção acessória provocada da “CC, SA”, esta contestou, excecionando a prescrição, considerando que, tendo o acidente ocorrido, em 12 de janeiro de 2001, e tendo sido citada, em 8 de março de 2006, o direito de que a autora se arroga já se mostra prescrito, alegando ainda que sempre procedeu à manutenção do aparelho, de acordo com a melhor técnica, sendo certo que, na reparação, por si executada, no dia 15 de janeiro de 2001, verificou que o amortecedor existente, no interior do braço, estava deslocado da concavidade que o retém, o que, apenas, se pode ficar a dever a um movimento brusco ou a um embate, realidade esta que evidencia que o acidente foi devido a um manuseamento descuidado do equipamento, por parte da autora.

Concluiu pela improcedência da ação e requereu a intervenção acessória da fabricante do aparelho, “DD”, para o caso de se verificar que o mesmo padece de defeito de fabrico, bem como da “EE, SA”, para quem alegou ter transferido a sua responsabilidade civil, a fim de que possam intervir nos autos como suas auxiliares e para que sobre ambas venha a ser admitido exercer o direito de regresso.

A autora apresentou réplica, pronunciando-se sobre a exceção da prescrição, invocada pela “CC, SA”, concluindo pela sua improcedência.

Foi admitida a intervenção acessória de “DD” e de “EE, SA”, tendo esta contestado, confirmando a celebração do contrato de seguro que fundamentou a sua intervenção, defendendo-se, por exceção, com a invocação da prescrição do direito de que se arroga a autora por, na data da citação da “CC SA”, terem já decorrido mais de três anos sobre o conhecimento dos factos que fundamentam o direito indemnizatório que a mesma reclama, alegando ainda que não decorrem dos factos invocados pela autora os pressupostos da responsabilidade civil imputável à sua segurada, e que procedeu à manutenção do equipamento, no cumprimento das indicações do fabricante, pelo que, na sua perspetiva, o acidente ficou a dever-se ou, a um errado manuseamento do material, por parte da autora, ou a um defeito de fabrico, concluindo pela procedência da exceção e pela improcedência da ação.

A autora pronunciou-se pela aplicabilidade, ao caso, do prazo de prescrição de cinco anos, previsto no artigo 498º, nº 3, do Código Civil, para as hipóteses em que o facto ilícito constitui crime, alegando ainda constarem dos autos documentos que comprovam o exercício tempestivo do direito.

A interveniente “DD” apresentou contestação, na qual arguiu a incompetência internacional do Tribunal Português, considerando ainda que a tal incompetência absoluta acresce a relativa, por violação de pacto privativo e atributivo de jurisdição existente, pelo qual foi atribuída competência exclusiva ao Tribunal alemão, em ..., para dirimir qualquer conflito decorrente do contrato celebrado entre ambas as partes, tendo ainda sido convencionado que a lei aplicável a tais obrigações seria a alemã.

Arguiu, igualmente, a caducidade do prazo de garantia, a prescrição, e, defendendo-se por impugnação, concluiu pela improcedência da ação.

A autora replicou, defendendo a improcedência das exceções.

Respondendo ao convite que lhe foi formulado pelo tribunal, a autora requereu a intervenção principal provocada passiva da “Caixa Geral de Aposentações”, que foi admitida.

No despacho saneador, foram julgadas improcedentes as exceções da prescrição e da incompetência territorial e internacional arguidas, e foi relegado, para momento ulterior, o conhecimento das exceções da “exclusão de indemnização por lucros cessantes”, e da “caducidade da garantia”, invocadas pela chamada “DD”.

A sentença julgou a ação improcedente e, em consequência, absolveu o réu “HOSPITAL BB, SA” e a interveniente “Caixa Geral de Aposentações” do pedido formulado pela autora AA.

Desta sentença, a autora interpôs recurso de apelação, com subsequente apresentação de alegações, tendo o Tribunal da Relação julgado, parcialmente, procedente o recurso e, em consequência, revogou a decisão impugnada e, em sua substituição, “julgou a ação, parcialmente, procedente, condenando o réu a pagar à autora a quantia já liquidada de €26.413,66, acrescida das quantias a liquidar, posteriormente, em incidente próprio, nos termos do disposto pelo artigo 609º, nº 2, do Código de Processo Civil, relativas ao dano das despesas com deslocações (subtraídas do valor já recebido de €264,65), ao dano do esforço acrescido que a autora teve e tem de desenvolver, na sua atividade profissional, em resultado de incapacidade temporária e permanente para o trabalho, resultante das lesões sofridas, e ao dano da impossibilidade de prestar serviços pelos quais a autora auferia suplementos remuneratórios, subtraída da quantia de €39.206,80, e acrescida de juros de mora, sobre o montante final da indemnização em dívida, calculados desde 17 de Dezembro de 2003 até integral pagamento desse montante, à taxa anual definida por lei, que tem sido de 4% ao ano, mas absolvendo o réu do demais peticionado”.

Deste acórdão da Relação de ..., o réu, agora com a denominação de “FF, E.P.E.”, interpôs recurso de revista, para este Supremo Tribunal de Justiça, concluindo as alegações com o pedido da sua revogação e a sua absolvição, formulando as seguintes conclusões que, integralmente, se transcrevem:

  1. O art. 493º nº 1 do CC estabelece uma presunção de culpa do proprietário ou possuidor da coisa ou da pessoa a quem incumba o dever de a vigiar, incumbindo ao agente a quem é imputada a responsabilidade demonstrar que não houve qualquer culpa da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que agisse com a diligência devida.

  2. A precaução a ter e o dever de vigilância a cumprir têm um conteúdo indeterminado e dependente das circunstâncias do caso e integram-se num dever geral de prevenção do perigo.

  3. A presunção legal de culpa em questão pode ser afastada mediante prova da ausência de culpa ou prova que os danos se teriam igualmente verificado, mesmo sem culpa (art. 493.º, nº 1, in fine).

  4. Discorda-se do douto acórdão recorrido ao julgar que o acidente ocorreu num foco de perigo situado em espaço e sob o poder de controle do Recorrente, pois resulta dos pontos 3...

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