Acórdão nº 13847/10.0TDPRT.1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelMANUEL AUGUSTO DE MATOS
Data da Resolução01 de Fevereiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - RELATÓRIO 1.

O Tribunal Colectivo da Comarca de ... – Instância Central – Secção Cível e Criminal – ..., procedeu a julgamento para realização do cúmulo jurídico das penas aplicadas no Processo Comum Colectivo n.º 13847/10.0TDPRT (presentes autos) e nos Processos Comuns nºs 416/10.4JAFAR, 1/11.3GHLSB, 1936/10.6JAPRT e 1748/10.7PBFAR, tendo condenado o arguido AA, ..., ..., nascido a ..., preso em cumprimento de pena no Estabelecimento Prisional de ..., por acórdão depositado em 24 de Maio de 2016, na pena única de 15 (quinze) anos de prisão.

  1. Deste acórdão recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Évora, tendo rematado a respectiva motivação com as conclusões que se transcrevem: «CONCLUSÕES I. O presente recurso vem interposto do Acórdão proferido em sede de Cúmulo Jurídico que condenou o arguido na pena única de 15 anos de prisão; II. O Acórdão em crise está ao arrepio das disposições dos artigos 71.º e 77.º do Código Penal, violando-os frontalmente, revelando-se a pena aplicada desajustada, por excesso, em reporte às balizas legalmente impostas; III. A medida da pena única é determinada de igual forma à da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em conta um critério específico, constante do artigo 77.º, nº 1 do Código Penal, a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do arguido; IV. Relevando, sobretudo, saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, só no primeiro caso será concebível atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta; V. O acórdão a quo considera que foram compromissos económicos assumidos enquanto esteve no Porto e deteve estabelecimento comercial associada a relações de convivialidade de carácter desajustado os motivadores e promotores da adopção de conduta ilícita determinante da aplicação das várias condenações parcelares, denotando, igualmente, o arrependimento manifestado pelo arguido VI. Não se podendo daqui inferir uma tendência criminosa, mas antes várias ocorrências não radicadas na personalidade do arguido VII. Considerando os factores a ponderar pelo egrégio tribunal para determinação da medida da pena, e levando em linha de conta a jurisprudência e doutrina dominantes, seria adequada a fixação de uma pena única até um máximo de 10 anos de prisão; 3.

    O Ministério Público na 1.ª instância, em resposta dirigida ao Supremo Tribunal de Justiça, considera que: «(…).

    Salvo o devido respeito, não assiste razão ao recorrente.

    O Ministério Público vem responder ao recurso que o recorrente interpôs do Acórdão cumulatório que o condenou na pena única de 15 (quinze) anos de prisão.

    Decisão condenatória com a qual se concorda inteiramente pois que, da análise do acórdão recorrido, designadamente da aplicação do direito aos factos, não se indicia a existência dos vícios apontados pelo recorrente.

    Com efeito, o Tribunal “a quo” apreciou e ponderou todos os elementos necessários à decisão, expondo, de forma completa, os motivos, de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, fazendo uma apreciação conjunta dos factos e da personalidade do arguido, dando integral cumprimento ao disposto nos artigos 71.º, 77.º e 78.º do Código Penal.

    Vejamos o que, a propósito, se diz no douto acórdão recorrido: “Ora, no caso concreto dos autos, temos que os factos aqui apreciados e pelos quais o arguido foi condenado são anteriores à data da prolação de todas as decisões condenatórias supra referidas em II.A.1, pelo que é manifesto que nos encontramos numa situação de concurso de crimes. Assim, é claro que estamos perante uma situação em que há que proceder ao cúmulo jurídico da pena imposta nestes autos e aquelas impostas nos processos referido em II.A.1. (Processos nºs 416/10.4JAFAR, 1/11.3GHLSB, 1936/10.6JAPRT e 1748/10.7PBFAR).

    Aplicando ao caso dos autos as regras previstas no artigo 77.º, n.º 2 do Código Penal (aplicável ex vi do artigo 78.º, n.º 1 do mesmo diploma), obtemos uma moldura penal abstracta, relativa aos crimes por que foi condenado o arguido nestes autos e no referido processo com o limite mínimo de 5 (cinco) anos de prisão (pena mais elevada das concretamente aplicadas) e o máximo de 25 (vinte cinco) anos de prisão (soma de todas as penas concretamente aplicadas, com o limite máximo referido).

    Estabelecida que está a moldura penal do concurso, cabe agora determinar, dentro dos limites referidos, a medida da pena conjunta do concurso, em função das exigências gerais de culpa e de prevenção. Para tanto há que atender não só aos critérios gerais da medida da pena ínsitos no artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, mas também ao critério especial fixado no n.º 1, do artigo 77.º, do mesmo código – na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

    O ilícito global apresenta-se com uma gravidade acima da média, atenta a circunstância do arguido ter cometido trinta e cinco crimes.

    Relativamente à personalidade do arguido, há a realçar que este revela desconformidade com o Direito e desrespeito pelas regras básicas de vida em sociedade, atento o número de condenações que já sofreu ao longo da sua vida e bem como o tipo de crimes cometidos.

    De realçar que relativamente aos factores problemáticos associados à sua prática criminal, o arguido assume hoje uma postura de arrependimento, embora não acompanhada de qualquer proactividade.

    Analisando globalmente a conduta do arguido, verifica-se que as necessidades de prevenção geral são elevadas, relativamente a todos os ilícitos em causa. Tendo em conta que a culpa do arguido manifestada no facto se situa ao nível das necessidades de prevenção geral, e que existem especiais razões de prevenção especial, entende o Tribunal adequado aplicar ao arguido a pena única de 15 (quinze) anos de prisão.” Ora, apesar da clara fundamentação do acórdão, o recorrente entende que o tribunal colectivo o deveria ter condenado numa pena única até ao máximo de 10 anos de prisão.

    Sem razão, a nosso ver.

    Vejamos.

    Estatui o artigo 40º do Código Penal, no seu n.º 1, que “ A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, ou seja, a reinserção social do agente do crime, o seu retorno ao tecido social lesado.

    O legislador oferece aos tribunais critérios seguros e objectivos de individualização da pena, quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa, dispondo o n.º 2 que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

    Em consonância com estes princípios dispõe o artigo 71.º, n.º 1, do referido diploma legal, que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”; o n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, dispondo o n.º 3, que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.

    Está subjacente ao artigo 40.º uma concepção preventivo-ética da pena. Preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa.

    Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena que vai constar da decisão o juiz serve-se do critério global contido no referido artigo 71.º do Código Penal.

    No que concerne às exigências de prevenção estas variam em função do tipo de criminalidade em causa.

    As penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime, e, em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal.

    No caso concreto, o Tribunal, dando cumprimento ao disposto nos artigos 70.º, 71.º, 77.º e 78.º do Código Penal, condenou o arguido AA, em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas nestes autos e nos processos n.ºs 416/10.4JAFAR, 1/11.3GHLSB, 1936/10.6JAPRT e 1748/10.7PBFAR, na pena única de 15 (quinze) anos de prisão.

    Pena única que se julga justa e adequada, pena que não ultrapassa a culpa do recorrente e que está de acordo com os interesses da prevenção, geral e especial, sendo certo que a pena aplicável ao cúmulo jurídico, e relativamente ao arguido, tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas e como limite mínimo a mais elevada concretamente aplicada, ou seja, a pena a aplicar ao arguido AA deverá ser fixada entre 5 anos de prisão (pena mais elevada das concretamente aplicáveis) e 25 anos de prisão (soma de todas as penas concretamente aplicadas com o limite máximo a que alude o artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal).

    De acordo com a jurisprudência vertida no acórdão do STJ de 22-09-2004, no processo n.º 1636/04-3ª, in ASTJ, n.º 83: “a pena, no mínimo, deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva; no máximo, não deve exceder a medida da culpa, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do agente; e, em concreto, situando-se entre aquele mínimo e este máximo, deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível”.

    Ora, seguindo tal entendimento jurisprudencial, o Tribunal Colectivo, para a determinação da referida pena única, ponderou as especiais razões de prevenção especial, as elevadas necessidades de prevenção geral, a gravidade acima da média apresentada pelo ilícito global, atenta a circunstância do arguido ter cometido trinta e cinco crimes, a personalidade do arguido reveladora de desconformidade com o Direito e desrespeito pelas regras básicas de vida em...

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