Acórdão nº 470/08.9GALSD.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelNUNO GOMES DA SILVA
Data da Resolução01 de Fevereiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. – No âmbito do processo nº 470/08.9GALSD do então ... Juízo do Tribunal de ... AA foi pronunciada pela prática de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo artigo 137º, nº 1, do Código Penal, por referência aos arts 24°, nº 1 e 25°, nº 1, ambos do Código da Estrada e art. 69°, nº 1 do Regulamento de Sinalização de Trânsito, aprovado pelo Decreto Regulamentar nº 22-A/98, de 1/10.

    Os demandantes BB e CC, respectivamente marido e filho da vítima DD deduziram pedido de indemnização cível contra “EE, SA”, pedindo a sua condenação no pagamento de € 175.000,00 a título de danos não patrimoniais sofridos em consequência da morte daquela.

    Foi ainda deduzido pedido de indemnização contra a demandada “EE …” pelo Instituto de Segurança Social, IP pedindo o pagamento de €14.206,86, a título de reembolso de subsídio por morte da vítima e pensões de sobrevivência no período de Julho/2008 a Abril de 2012.

    Efectuado o julgamento a arguida foi absolvida e os pedidos cíveis julgados improcedentes.

    O demandante e também assistente BB interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto que lhe deu provimento decidindo: - Condenar a arguida AA como autora de um crime de homicídio por negligência dos arts 137º, nº 1 e 15º, al. b) do C. Penal, com referência ao art. 103º do Código da Estrada na pena de 1 ano e 3 meses de prisão com a respectiva execução suspensa; - Condenar a demandada “EE …” a pagar ao demandante Instituto de Segurança Social, IP a quantia de € 14.206,86 respeitante a pensões de sobrevivência vencidas desde Maio de 2012 e ainda o valor de prestações vincendas até ao trânsito da decisão condenatória acrescidos de juros à taxa legal; - Condenar a demandada “EE …” a pagar aos demandantes BB e CC € 40.000,00 por dano não patrimonial «perda de vida» mais € 10.000,00 por dano não patrimonial «sofrimento da percepção da iminência do embate até à morte»; mais € 20.000,00 por dano não patrimonial «sofrimento próprio da perda do cônjuge»; mais €20.000,00 por dano não patrimonial «sofrimento próprio da perda da progenitora», importâncias estas acrescidas de juros à taxa legal com dedução do valor que a “EE …” pagar ao ISS IP.

    A demandada “EE Portugal – Companhia de Seguros, SA” interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça formulando na motivação respectiva as seguintes conclusões (transcrição):

    1. Pretende-se, com o presente recurso, ver reapreciada a valoração feita pelo Venerando Tribunal a quo sobre a contribuição de ambos os intervenientes – arguida e vítima mortal – na produção do acidente, que aquele Tribunal entendeu dever fixar em 2/3 pra a condutora do veículo seguro na Recorrente e em 1/3 para a infeliz vitima, fazendo-o com apelo a critérios de "comportamento médio" que justificariam a adopção de conduta diversa por parte da arguida, condutora do veículo seguro na Recorrente.

    2. Dos factos provados resulta imediatamente evidenciado que o comportamento causal do acidente foi a iniciativa de travessia da via pela infeliz vítima, apesar de estar acesa a luz vermelha para a travessia dos peões, sendo certo que aquele local, como resulta provado sob o n° 56 se "caracteriza por ter grande intensidade de trânsito".

    3. Nestas condições, dificilmente conseguiria, a infeliz vitima, proceder à travessia da passadeira sem que se aproximasse um veículo que a poderia – como infelizmente viria a suceder – atropelar.

    4. Foi assim, pelo menos, o comportamento da infeliz vítima, decisivo e determinante para o acidente, não se podendo, como parece ter feito o Venerando Tribunal a quo, recorrer ao intitulo de responsabilidade pelo risco, ou sem culpa, repartindo a contribuição dos intervenientes pela medida do respectivo risco na circulação.

    5. A haver concorrência de culpas – o que não se aceita mas deve admitir-se como hipótese de raciocínio – sempre deveria fixar-se como determinante o comportamento da infeliz vítima, graduando em, pelo menos 75% a sua contribuição para o acidente que a viria a vitimar.

    6. Não pode, no entanto, a Recorrente, deixar de pugnar pela justeza de uma decisão de Absolvição da Recorrente, pois tal como fez o M° Juiz de 1ª Instância, se considera nada se ter provado que permita formular um juízo de censura sobre o comportamento da condutora do veículo seguro.

    7. Do mesmo modo, não se provou que lhe seria exigível que previsse a persistência de tal comportamento pela vítima, devendo admitir-se que um condutor médio sempre pensaria que o peão o deixasse passar pela sua frente, não insistindo no atravessamento de modo a tornar inevitável o acidente, pelo que não se poderá dizer que fosse exigível a adopção de comportamento diferente.

    8. Seria este, muito provavelmente, o comportamento de um "homem médio”, também adoptado pela infeliz vítima, não fora a elevadíssima quantidade de álcool que tinha ingerido e que terá influenciado decisivamente a infeliz vitima, que não estaria, muito provavelmente, em condições de discernir um veículo em aproximação de um veículo parado ...

      1) O desconhecimento pela condutora do veículo seguro desta afectação pelo álcool por parte da infeliz vítima reforça a conclusão de que não lhe seria exigível – se é que o pudesse ter adoptado, o que, manifestamente, se considera não ter resultado provado – comportamento diverso, impondo-se concluir não lhe poder ser assacada qualquer parcela de responsabilidade no acidente, que ocorreu por falta exclusiva da infeliz vitima.

    9. O douto acórdão proferido violou, por errada interpretação os comandos insertos nos artigos 483° e 487°, ambos do Código.

      O demandante BB interpôs recurso subordinado formulando nele as seguintes conclusões (transcrição): I. O Assistente interpõe recurso subordinado do douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido nos presentes autos que, no seu entender, incorreu em erro notório na apreciação da prova (cfr. art. 410", n.° 2, alínea e) do C.P.Penal).

      1. Nomeadamente, desde logo não se pode conformar o Assistente com o facto do Tribunal se ter socorrido de um conceito indeterminado usado pela testemunha FF - velocidade regular - para concluir que a Arguida circulava a velocidade inferior a 50km/ h.

        Não se pode, ainda, conformar o Assistente com o facto do douto Acórdão recorrido ter colocado no ponto 9 dos Factos Provados uma expressão que neles não existia, a saber "consideravelmente", o que, no entender do Assistente, foi feito sem suporte fálico ou jurídico algum.

      2. Também não se pode conformar o Assistente com a não valoração dada pelo Tribunal à confissão da Arguida no que respeita à velocidade com que circulava no cruzamento imediatamente anterior à passadeira onde se deu o acidente dos autos, cfr. fls. 790 do Acórdão recorrido.

      3. Isto, quando a propósito dos factos provados sob n.°s 9, 2.a parte e 13, consta da Fundamentação de Facto da sentença proferida a quo e que o Tribunal ad quem não questionou: "O Tribunal acreditou nas declarações da arguida (cfr. Acórdão fís. 789) sendo que esta as prestou de forma clara e verosímil sendo que a própria relatou que, quando passou o semáforo, seguia a cerca de 60/65 km/hora".

      4. Ainda menos se conformando o Assistente quando, a tal confissão se junta a Matéria de Facto Provada sob n.° 14 "A Arguida avistou uma pessoa do sexo feminino (a vítima) que se fazia acompanhar por uma criança, parados na berma da estrada a uma distância de cerca de 60 metros". Os quais ao abeirarem-se da passadeira situada na berma direita da estrada pararam porque o semáforo para peões estava ainda vermelho - Factos Provados sob n.°s 6 e 7.

      5. Pois, se a Arguida avistou a vítima / peã a cerca de 60 metros antes do embate (ponto 14 dos factos provados), daqui resultaria indiscutivelmente que, caso a arguida circulasse a menos de 50km/hora, como resulta do Douto Acórdão recorrido, esta sempre poderia ter abrandado de forma a deixar a peã concluir a travessia da passadeira e até parar o seu veículo, no espaço livre e visível à sua frente - cfr. art. 24.° n.° 1 do C.E. - o que de todo não sucedeu, malogradamente.

      6. Assim como, o ter-se provado que a arguida apenas conseguiu imobilizar o seu veículo cerca de 4 ou 5 metros (fls. 790 do Acórdão recorrido) após a passadeira e após o embate na inditosa vítima também leva a concluir, obrigatoriamente, pela velocidade excessiva e inadequada a que a arguida circulava.

      7. Pois, não obstante, o Acórdão recorrido não se ter pronunciado sobre os factos alegados pelo Assistente nas suas conclusões XXIII e XXIV do respectivo recurso para o Tribunal ad quem, porquanto não levou em conta que, não obstante a velocidade na altura permitida para o local fosse de 50km/hora - a arguida deveria especialmente moderar a velocidade que imprimia ao seu veículo nos termos do disposto no art. 25.°, n.° 1 alínea a) do C. Estrada - à aproximação de passadeiras assinaladas na faixa de rodagem para travessia de peões - Facto Provado sob o n.° 15 do Douto Acórdão; art. 25.° n.° alínea f) do mesmo Código - nos cruzamentos, Facto Provado n.° 5; art. 25.°, n ° 1 alínea j) do C. Estrada - sempre que exista grande intensidade de trânsito - factos provados sob n.°s 5 e 16.

      8. A arguida percorreu, desde que avistou a vítima, cerca de 64/65 metros e, só após estes, conseguiu imobilizar a sua viatura!! Por isso, ou circulava a arguida em excesso de velocidade ou então completamente desatenta ao trânsito de veículos e de peões que se fazia sentir no momento do acidente.

      9. Ainda não se conforma o Assistente com o facto do Tribunal recorrido se ter socorrido de factos que nem sequer constam da Matéria de Facto Provada para assim sustentar que a Arguida seguia a velocidade inferior a 50km/h - vidé a título de exemplo fls. 787 e 788 do Acórdão recorrido.

      10. Se não resulta dos Factos Provados que a arguida tenha travado, a que título teria que haver rastos de travagem marcados no pavimento? Ora, a ser assim, e fazendo apelo ao normal acontecer e juízos de experiência comum nem sequer se pode concluir que a arguida tenha abrandado, dado que tal também...

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