Acórdão nº 2325/15.1T8OAZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Fevereiro de 2017
Magistrado Responsável | ANA LUÍSA GERALDES |
Data da Resolução | 22 de Fevereiro de 2017 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I – 1. AA apresentou, no dia 19/5/2015, participação de acidente que qualificou de trabalho, ocorrido em 03/07/2009, nas instalações da sua empregadora, em ..., contra: 1. BB, Lda.
– sua entidade emprega-dora; 2. SEGURO CC – Sucursal Portugal – entidade seguradora, para a qual a 1ª Ré tinha transferido a responsabilidade por acidentes de trabalho.
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Alegou em concreto, na referida participação, que: No dia 03/7/2009, pelas 19h00, na Secção BD, quando a Autora exercia as suas funções como montadora de peças na empresa “BB, Lda.”, sofreu um acidente, que qualifica de trabalho, que consistiu no seguinte: ao pegar numa peça e após a entregar ao colega DD, sentiu um estalido no pescoço, não conseguindo mais mover-se.
A sua entidade empregadora, por intermédio do encarregado, chamou o INEM que a transportou para a Urgência do Hospital de ..., onde lhe foi diagnosticada uma contractura e prescrito descanso.
No dia seguinte, como não se conseguisse mexer, foi a consultas particulares de ortopedia, tendo-lhe sido diagnosticada “uma fractura na cervical”.
A sua empregadora tinha transferido para a Seguradora “SEGURO CC”, através da apólice n.º 0000507, a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho sofridos pelos seus trabalhadores ao seu serviço, contudo, nunca participou tal acidente à Seguradora e nada lhe pagou.
Foi a própria Sinistrada quem procurou assistência médica, a título particular, tendo suportado todos os encargos correspondentes, tendo estado incapacitada de trabalhar nos seguintes períodos: de 09-07-2009 a 17-07-2009, 18-07-2009 a 01-08-2009, 2-08-2009 a 21-08-2009, 27-08-2009 a 07-09-2009, 08-09-2009 a 07-10-2009 e 08-10-2009 a 06-11-2009.
Só a Segurança Social subsidiou essa incapacidade e apenas durante dois meses.
Acontece que a Autora ainda não se encontra curada das lesões emergentes do aludido acidente, continuando a sofrer fortes dores na cervical, desconhecendo se padece de qualquer tipo de incapacidade.
Conclui pedindo que sejam ordenadas as diligências que se entender por convenientes e determinado que seja submetida a exame médico, por não se sentir curada, seguindo-se os ulteriores termos previstos nos arts. 99º e segts do CPT.
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Recebida a participação pelo Exmº Magistrado do Ministério Público, pronunciou-se o mesmo, em síntese, nos seguintes termos: “(…) Dúvidas não há de que, quando a Sinistrada participou o acidente – no dia 20-5-2015 – já há muito havia expirado o prazo legal de 1 ano de que dispunha para o fazer, pelo que o seu direito de acção se encontrava então caducado”.
“A caducidade é uma excepção dilatória de que o Tribunal pode conhecer, portanto, oficiosamente e inexoravelmente conduz à absolvição da instância” (…) “Nesta conformidade, conclua os autos ao MMº Juiz, a quem se promove que, em virtude de o direito de acção da sinistrada se mostrar caducado, se absolvam as RR. Seguradora e Empregadora da instância e se ordene, subsequentemente, o arquivamento dos autos” – (sublinhado nosso).
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De seguida, o Tribunal de primeira instância proferiu decisão declarando a caducidade dos direitos da Autora/Sinistrada emergentes do acidente relatado na participação, porquanto, “não havendo comunicação da entidade patronal à seguradora, o início da contagem do prazo inicia-se com a data do acidente”, que há muito decorreu, tendo caducado o direito de acção e, em consequência, “absolveu as Rés da instância e determinou o arquivamento dos autos”.
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Inconformada, a Autora: a) Arguiu a nulidade da decisão por falta de fundamentação; b) Apelou para o Tribunal da Relação invocando ter participado à sua entidade empregadora o acidente (que qualifica de trabalho), tendo sido esta quem depois não o participou à Seguradora, o que impediu a Sinistrada de receber qualquer assistência médica por parte da Seguradora, obrigando-a, assim, a ter de suportar todos os custos com a assistência médica decorrente desse acidente, por ainda não estar curada.
Mais invocou que, uma vez que ainda não tinha recebido alta médica e a lei prescreve que o prazo de caducidade se inicia com a alta clínica do sinistrado, facto não ocorrido, não pode dar-se por iniciada a contagem do prazo de um ano de caducidade e, por isso, está em tempo para efectuar a participação do acidente, pois não caducou o seu direito de acção.
E conclui nos seguintes termos: “Assim, a decisão do Tribunal devia ter sido no sentido de “ser julgada improcedente a excepção da caducidade do direito de acção, prosseguindo a acção os ulteriores termos previstos nos artigos 99º e ss do CPT.
” 6.
Contra-alegou a entidade empregadora sustentando que não se verificava a nulidade arguida pela Sinistrada e que o recurso de apelação deveria ser julgado improcedente.
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O Tribunal da Relação do … decidiu nos seguintes termos: a) Não se verifica a nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação, pelo que improcede a arguida nulidade; b) O acto impeditivo da caducidade é a participação do acidente no Tribunal de Trabalho competente, participação essa que podia e deveria ter sido efectuada pela Sinistrada; e não o tendo sido, dentro do prazo legal, caducou o direito de acção emergente do alegado acidente.
Nessa medida, proferiu Acórdão com o seguinte decisório: “Acordam os Juízes que integram esta Secção Social do Tribunal da Relação do … no sentido de julgar a apelação improcedente, confirmando-se[1] a decisão recorrida.” Contudo, a decisão não foi unânime tendo sido exarado um voto de vencido com o conteúdo que se passa a transcrever: “Declaração de voto: Vencido. Daria provimento ao recurso.
Considero que a expressa previsão legal do início da contagem do prazo de caducidade, a partir do dia seguinte ao da comunicação do boletim de alta, não só exclui a aplicação da lei geral, como não autoriza a interpretação restritiva aos casos em que tenha sido emitido boletim de alta pela seguradora, por lhe ter sido devidamente participado o acidente pelo empregador.
Com efeito, não só o intérprete não está autorizado a distinguir onde a lei não distingue, como tal interpretação viola, em última análise, o direito constitucionalmente garantido da justa reparação infortunística laboral, como além do mais introduz uma aplicação casuística da lei.
Por outro lado, ao retirar da faculdade de participação do próprio sinistrado o argumento de que este deve presumir, na passagem do tempo, que o empregador não cumpriu o seu dever de participar obrigatoriamente, e através dessa presunção onerar o sinistrado com as consequências do omissão do comportamento devido do empregador – ou seja, com a preclusão do seu direito à reparação das consequências do acidente sofrido – viola o equilíbrio de interesses plasmado pelo legislador ordinário e constitucional, acarretando um ónus injusto e excessivo sobre o sinistrado, pois a solução adoptada nem sequer obedece ao princípio geral da contagem do prazo de caducidade – exercício do direito a partir do momento em que ele é possível – e pelo contrário, acaba a redundar na criação de uma outra norma: contagem do prazo de caducidade a partir da data do acidente. Ora, como a caducidade não se suspende nem interrompe, a norma assim criada não acautela a posição dos sinistrados que hajam, a partir do dia do acidente, sofrido períodos, mais ou menos longos, de incapacidade temporária absoluta, onerando-os, mesmo nessa condição de impossibilidade, com o dever de participarem eles mesmos o acidente, quando, voltamos a repetir, a participação prevista na lei é meramente facultativa“.
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A Sinistrada, irresignada com tal Acórdão, interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo formulado as seguintes conclusões: 1.
“Recorre-se do douto acórdão de 23-05-2016, que julgou a apelação improcedente e julgou verificada a excepção da caducidade do direito de acção declarada pelo Tribunal recorrido.
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Em consonância com a tese defendida pela recorrente, na decisão recorrida houve um voto de vencido que daria provimento ao recurso.
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E, no mesmo sentido sustentado pela ora recorrente, a Jurisprudência seguinte: "Não se verifica a caducidade de quaisquer direitos do sinistrado se a participação do acidente a juízo ocorreu antes da sua cura clínica" (Ac. RC, de 26.5.2004: CJ, 2004, 3º - 56) e "Se o sinistrado não recebeu assistência clínica através duma seguradora, mas apenas em hospitais do Estado, sem o acompanhamento ou a supervisão duma companhia de seguros, e se somente lhe foi comunicada a alta clínica aquando da notificação do resultado do exame médico efectuado no Tribunal não se verifica a caducidade do direito de acção respeitante às prestações legais resultantes do acidente (Ac. RE, de 7.3.2006: CJ, 2006, 2º - 247).
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A ora recorrente apresentou participação de acidente de trabalho em 19-05-2015, porquanto, em 03-07-2009, no local e tempo do trabalho, sofreu um acidente ao serviço da empresa BB LDA.
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A entidade patronal não efectuou a devida participação desse acidente à SEGURO CC, para a qual tinha a responsabilidade por acidentes de trabalho transferida através da apólice n.º 0000507.
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A recorrente, desde então até ao presente, tem sido acompanhada por serviços médicos à sua conta e não recebeu alta médica desses serviços.
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O Tribunal entendeu que se verificou a caducidade do direito de acção por o acidente de trabalho ter sido participado pela Sinistrada mais de um ano depois da ocorrência do acidente.
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Sustenta que o prazo de caducidade começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido, por aplicação do artigo 329° do Código Civil.
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Entende que nas situações de ausência de tratamento médico por parte da entidade responsável decorrente de lhe não ter sido participado o acidente, o termo inicial do prazo de caducidade deve fazer-se coincidir com o dia do próprio acidente de trabalho.
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A recorrente, por seu lado, considera estar em prazo para efectuar a participação do acidente em juízo, ao abrigo do disposto...
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