Acórdão nº 5384/15.3T8GMR.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelCHAMBEL MOURISCO
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 5384/15.3T8GMR.G1.S1 (Revista) - 4ª Secção CM/PH/GR Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Após a receção da participação da Autoridade para as Condições do Trabalho, prevista no n.º 3, do art.º 15.º-A, da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, o Ministério Público intentou ação declarativa especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho contra Massa Insolvente da AA, SA. (R.), relativamente à trabalhadora BB.

Para o efeito, em síntese, alegou a existência de um contrato de trabalho, na medida em que a referida trabalhadora, desde junho de 2011, desempenha as funções de enfermeira nas instalações da R., utilizando os instrumentos de trabalho desta, tendo um horário pré-definido, controle das horas de início e termo da prestação de serviço, tendo formação de integração e recebendo ordens e instruções da beneficiária da prestação de trabalho.

A R. contestou, alegando que a ação deveria ser intentada e correr por apenso ao seu processo de insolvência (3576/14.1T8 GMR), uma vez que decisão poderá alterar o montante total das dívidas da massa insolvente e consequentemente a diminuição das garantias dos respetivos credores, verificando-se a incompetência material do tribunal, tendo ainda impugnado os factos alegados pelo Ministério Público, invocando que o contrato que a vinculava à referida trabalhadora era de prestação de serviço.

Foi cumprido o disposto no art.º 186º-L, n.º 4, do Código de Processo do Trabalho.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedente a invocada incompetência material do tribunal e decidiu julgar a ação procedente por provada e, em consequência, reconhecer que a relação contratual que existe desde junho de 2011 entre a R.“ AA, SA” (declarada insolvente) e a trabalhadora BB, consiste num contrato de trabalho enquadrável no conceito definido no art.º 12.º, do Código do Trabalho”.

  1. A R. interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de …, que através de acórdão, julgou extemporâneo o recurso e, consequentemente, não conheceu o seu objeto considerando extinta a instância.

    Esta decisão estribou-se na argumentação de que a prova testemunhal foi gravada sem que as partes o tivessem requerido ou sem que o tribunal o tivesse determinado, o que impede a reapreciação da prova testemunhal. Logo, ao não ser admissível o recurso da matéria de facto, não podia a recorrente beneficiar do acréscimo de 10 dias ao prazo normal de 20 dias para interpor recurso.

    3.

    Inconformada com esta decisão, a R. interpôs recurso de revista, tendo formulado as seguintes conclusões: 1- O Novo Código de Processo Civil, no seu artigo 655.º, n.º 1, tem como redação “Se entender que não pode conhecer do objeto do recurso, o relator, antes de proferir a decisão, ouvirá cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias.” 2- O Tribunal da Relação não cumpriu o preceituado no art.º 655.º, n.º 1, do Novo Código de Processo Civil, e decidiu julgar extemporâneo o recurso sem que para esse efeito tenha dado às partes a possibilidade de exercer o contraditório, violando claramente o disposto art.º 3.º, n.º 3, do Novo Código de Processo Civil.

    3- A omissão de tal notificação negou às partes o direito assegurado pelo art.º 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, a um processo equitativo e leal, designadamente por violação do princípio do contraditório, princípio este que vem sendo considerado pela jurisprudência ínsito no direito fundamental de acesso aos tribunais, consagrado no n.º 1, desse mesmo art.º 20.º, da Lei Fundamental.

    4- A violação do disposto no n.º 3, do artigo 3.º, do Código de Processo Civil, integrando a violação do princípio do contraditório, é suscetível de consubstanciar a prática de uma nulidade processual, quando a subjacente irregularidade cometida se mostre capaz de influir no exame ou decisão da causa.

    5- No acórdão de que aqui se recorre foi proferido o seguinte sumário, da única responsabilidade do relator: “7 - Não sendo requerida ou ordenada oficiosamente a gravação da prova produzida em audiência de julgamento, nos termos do art.º 68.º, do Código de Processo do Trabalho, não pode ser considerado e valorado pelo tribunal de recurso o registo-áudio efetuado na audiência.

    2 - Se a impugnação sobre a decisão da matéria de facto é ineficaz pela impossibilidade da sua apreciação e a parte não tendo ab initio esse direito, a mesma só poderia utilizar o prazo de 20 dias para interpor o recurso.” 6 - Decidiram os juízes da Relação julgar extemporâneo o recurso e, consequentemente, não conhecer do objeto considerando extinta a instância.

    7- 0 Tribunal da Relação fez uma interpretação errada do art.º 68.º, n.º 4, do Código de Processo do Trabalho, violando o princípio do Estado de Direito que se concretiza através de elementos retirados de outros princípios, designadamente, o da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos, expressamente consagrados no art.º 2.º, da Constituição da República Portuguesa, bem como violando o princípio de acesso ao direito, constitucionalmente consagrado no art.º 20.º. A este propósito ver Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 24/05 de 18 de janeiro de 2005, relatora Maria Fernanda Palma.

    8- A interpretação jurídica realiza-se através de elementos, meios, fatores ou critérios que devem utilizar-se harmónica e não isoladamente.

    9- Assim, se o Tribunal da Relação recorresse à conjugação dos art.º 68.º, n.º 4, do Código de Processo do Trabalho, art.º 2.º, n.º 2, da Lei Preambular, art.º 1.º, do Código de Processo do Trabalho e art.º 155.º, do Novo Código de Processo Civil, chegaria à conclusão de que o art.º 68.º, n.º 4, do Código de Processo do Trabalho, não pode viver isoladamente e que ao prazo de recurso de 20 dias, teria de se acrescer o prazo de 10 dias, face à reapreciação da prova gravada requerida pela Ré/recorrente.

    10 - Da leitura conjugada dos art.º 68.º, n.º 4, do Código de Processo do Trabalho, art.º 2.º, n.º 2, da Lei Preambular, art.º 1º, do Código de Processo do Trabalho e art.º 155.º, do Novo Código de Processo Civil, a redação do art.º 68.º, n.º 4, do Código de Processo do Trabalho, deve ser interpretada no sentido de que as audiências são todas gravadas, sem necessidade de ser requeridas ou determinadas oficiosamente.

    11- Seria de todo insensato às partes e ao juiz terem necessidade de solicitar a gravação de algo que já decorre de uma obrigatoriedade legal.

    12- Se assim não fosse, da própria notificação do Tribunal à parte contrária, no caso o Ministério Público, não constaria a possibilidade de o mesmo beneficiar de um prazo de 20 dias, acrescido de 10 dias, caso o recurso tivesse por objeto a reapreciação da prova gravada.

    13- Permitir ao Ministério Público beneficiar de um prazo superior àquele que o Tribunal da Relação no Acórdão recorrido entendeu ter a Ré, aqui recorrente, constitui uma clara violação ao estatuído no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa.

    14- Os mandatários da ré/recorrente tendo sido notificados da sentença em 11/01/2016, via eletrónica, o prazo de 20 dias, acrescidos de 10 para recorrer, começou a contar a 15/01/2016 e terminou em 15/02/2016.

    15- Logo, tendo o recurso apresentado pela Ré/Recorrente versado sobre a reapreciação da prova gravada, e tendo sido apresentado dentro do prazo, 13/02/2016, o mesmo deveria ter sido apreciado pela Relação e nunca ter sido julgado extemporâneo como o foi.

    O Ministério Público contra-alegou defendendo a manutenção do acórdão recorrido, tendo formulado as seguintes conclusões: 1.

    a- Da factualidade revelada nos autos verifica-se que, não obstante o Exmo. Sr. Desembargador Relator ter decidido não poder conhecer-se do objeto do recurso de apelação interposto pela Recorrente, em razão da sua extemporaneidade, não foi dado cumprimento ao prescrito no art.º 655.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

  2. a- Tal omissão e consequente violação do princípio do contraditório - cfr. n.º 3, do art.º 3.º, do Código de Processo Civil - é suscetível de consubstanciar a prática de uma nulidade processual prevista no art.º 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

  3. a- As nulidades processuais devem, em regra, ser suscitadas perante o tribunal em que as mesmas foram cometidas e, caso o requerente se não conforme com a decisão proferida sobre o requerimento de arguição de nulidade, desta caberá recurso, nos termos gerais.

  4. a- A Recorrente em lugar de ter arguido pelo meio processual adequado a aludida nulidade processual perante o tribunal em que foi cometida, i.e., Tribunal da Relação de …, vem apenas agora em sede de recurso de revista arguir tal nulidade, o que determina necessariamente a impossibilidade do seu conhecimento pelo tribunal ad quem.

    5ª.- Mesmo a entender-se que no caso sub judice se estava perante uma violação suscetível de consubstanciar uma nulidade do acórdão em si mesmo considerado, ainda assim estava o tribunal ad quem impossibilitado de conhecer de tal nulidade, uma vez que por força do disposto no art.º 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, necessário se tornaria que a Recorrente tivesse arguido tal nulidade, expressa e separadamente, no requerimento de interposição de recurso, o que não fez, tendo apenas formulado a respetiva arguição no corpo das suas alegações e correspondentes conclusões recursórias.

    6-a- Nos termos das disposições conjugadas dos n.

    os 2 a 4, do art.º 68.º, do Código de Processo do Trabalho, a gravação da audiência de julgamento no âmbito do processo do trabalho está consagrada em termos facultativos, sendo necessário para que a mesma ocorra que qualquer das partes a requeira ou que o tribunal oficiosamente a determine.

  5. a- No âmbito do processo civil comum o regime é diverso, uma vez que a gravação da audiência está atualmente e desde a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil consagrada em termos obrigatórios - cfr. art.º 155.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

  6. a- Tendo em consideração o princípio geral...

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