Acórdão nº 992/15.5T8PTM.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelFERREIRA PINTO
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 992/15-5T8PTM.E1.S1 (Revista) – 4ª Secção[1] Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I Na presente ação de condenação, com processo especial, de impugnação judicial da regularidade e licitude de despedimento a instância iniciou-se em 05 de abril de 2015, data em que a trabalhadora AA apresentou na Comarca de ... – ... – Instância Central – 2º Secção do Trabalho - J2, o formulário a que aludem os artigos 387º, n.º 2, do Código do Trabalho [doravante CT] e 98º-C, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho [doravante CPT] por ter sido despedida pela sua empregadora ”BB, Lda.”.

Realizada a audiência de partes, não se obteve conciliação.

Notificada a empregadora, nos termos e para os efeitos do artigo 98º-I, n.º 4, alínea a), do CPT, apresentou articulado no qual motivou o despedimento e com ele juntou o respetivo procedimento disciplinar.

Alegou, em síntese, que a trabalhadora, exercendo as funções de chefe de secção e sendo responsável pela tesouraria, estava autorizada a movimentar as contas bancárias da sociedade, designadamente, procedendo a depósitos e transferências.

Acontece que em maio de 2014, no exercício dessas funções, a trabalhadora abriu uma conta bancária, quando a deveria ter aberto somente em agosto seguinte, e do facto e dos movimentos nela realizados não deu conhecimento à gerência da sua empregadora.

Esta, a empregadora, só em outubro desse mesmo ano é que veio a ter conhecimento da sua existência.

Mais alegou que, achando estranho o comportamento da trabalhadora, no mês de julho exigiu que ela lhe apresentasse relatórios diários relativos aos pagamentos e recebimentos efetuados.

Apesar desta solicitação, a trabalhadora não apresentou relatórios diariamente e a partir de 29 de julho deixou de os apresentar, sendo que nos mapas que lhe foram apresentados haviam sido ocultados alguns movimentos bancários.

Alegou ainda que a trabalhadora não conseguiu justificar o destino de € 186,00, que terão sido recebidos no dia 06.06.2014, que em maio e em julho ambos de 2014 procedeu injustificada e respetivamente a duas transferências, uma para a sua conta bancária pessoal, no valor de € 875,00, e a outra para a conta do funcionário CC, no valor de € 2.500,00.

Por fim, aumentou o seu salário em € 85,50, sem autorização ou conhecimento da empregadora.

Segundo ela, esses comportamentos configuravam justa causa de despedimento pelo que procedeu ao seu despedimento com justa causa por se ter verificado uma grave quebra de confiança na trabalhadora, tendo em conta que era a responsável pela área financeira da empresa, quebra essa que tornou imediatamente impossível a manutenção da relação laboral existente.

A trabalhadora respondeu a esse articulado, impugnou os factos e deduziu reconvenção.

Resumidamente alegou que todos os atos por si praticados foram executados em conformidade com as instruções recebidas da gerência e de acordo com a prática habitual da empresa.

Aliás, articulou ela, todas as operações por si realizadas encontram-se documentadas e disponíveis na contabilidade da empresa, não podendo, por isso, serem desconhecidas do respetivo gerente, e que nunca ocultou à empregadora o que quer que fosse.

Concluiu, por isso, que as imputações, vagas e genéricas, que lhe eram feitas na decisão de despedimento, eram falsas pelo que o mesmo é injustificado e deve ser reconhecida a respetiva ilicitude.

Afirma que esses factos não podem, assim, fundamentar a decisão de despedimento.

Em reconvenção, pediu que a sua empregadora seja condenada a pagar-lhe as retribuições dos meses janeiro, fevereiro e março de 2015, no valor de € 5 130.00; a quantia de € 789,23, correspondente a 10 dias de férias vencidas em 01.01.2014 e não gozadas; o valor de € 1 710 correspondente à retribuição das férias vencidas em 01.01.2015 e não gozadas; o valor de € 1 710,00 correspondente ao subsídio de férias vencido em 01.01.2015; o montante de € 427,50 correspondente a proporcionais de férias não gozadas, vencidas em 31.03.2015; a quantia de € 427,50 correspondente a proporcionais do subsídio de férias, vencido em 31.03.2015; e a quantia de € 427,50 relativa a proporcionais do subsídio de Natal vencidos em 31.03.2015.

Pediu, também, que a sua empregadora seja condenada a pagar-lhe € 60.000, a título de danos não patrimoniais, das retribuições intercalares que deixou de auferir, desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, bem como em indemnização em substituição da reintegração e, ainda, por litigância de má-fé.

A empregadora respondeu à reconvenção pugnando pela sua improcedência e dizendo que já tinha pago à trabalhadora as retribuições de janeiro, fevereiro e março de 2015.

II Efetuada a audiência de julgamento, fixou-se a matéria de facto e proferiu-se sentença na qual: a.

Se declarou a ilicitude do despedimento da trabalhadora; b. Se condenou a empregadora “BB, Lda.“ no pagamento à trabalhadora das retribuições vencidas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, sem prejuízo do eventual desconto das quantias a que se refere o artigo 390.º n.º 2, alínea c), do Código do Trabalho, a liquidar no respetivo incidente; c. Se condenou a empregadora no pagamento à trabalhadora de uma indemnização, em valor equivalente a quarenta dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano ou fração de antiguidade até à data do trânsito em julgado da decisão, a liquidar no respetivo incidente, e, ainda, de € 20.000,00, a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial; d. Tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença e até integral pagamento.

III Inconformada com esta decisão, a empregadora “BB, Lda.” interpôs recurso de apelação da sentença, nomeadamente, impugnando a decisão proferida sobre a matéria de facto que incidiu sobre os pontos n.ºs 46º, 11º, 54º, 56º e 57º.

Por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de … de 07 de julho de 2015 decidiu-se julgar a apelação parcialmente procedente, na parte respeitante à reapreciação e alteração da matéria de facto, e totalmente procedente, quanto ao demais, declarando que o despedimento da trabalhadora/autora promovido pela empregadora/apelante foi lícito, pelo que revogou a sentença recorrida e absolveu a empregadora/apelante do pagamento da indemnização de antiguidade, retribuições intercalares, indemnização de antiguidade e compensação pelos danos não patrimoniais.

III Inconformada com o teor da decisão proferida neste acórdão ficou, agora, a trabalhadora AA que dele interpôs recurso de revista.

Por despacho de 29 de setembro de 2016 convidou-se a recorrente AA a sintetizar as conclusões, ao abrigo do artigo 639º, n.º 3, do Código de Processo Civil, reduzindo-as e sintetizando-as, sob pena de não se conhecer do presente recurso.

O que ela fez.

Concluiu, agora, a sua alegação desta forma: a) “Vem o presente recurso interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de … que considerou parcialmente procedente a apelação na parte respeitante à reapreciação da matéria de facto e totalmente procedente a apelação quanto ao mais e declarar que o despedimento da recorrente promovido pela recorrida foi lícito.

  1. Ao Supremo Tribunal de Justiça, em regra, apenas está cometida a reapreciação de questões de direito, nos termos do artigo 682º/1, do novo Código de Processo Civil (NCPQ), assim se distinguindo da «1ª e 2ª» instância encarregadas também da delimitação da matéria de facto e da modificabilidade da decisão sobre tal matéria.

  2. Contudo, esta restrição não é absoluta, como decorre da remissão que o artigo 682o/2 faz para o artigo 674º/3, ambos do NCPC, norma que atribui ao Supremo a competência para fiscalizar o desrespeito de lei no que concerne à violação de norma expressa que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou à inatendibilidade de meio de prova dotado de força vinculada e é precisamente neste âmbito que reside o presente recurso de revista.

  3. Pretende a recorrente colocar à apreciação deste Tribunal as seguintes questões: 1. Erro na modificação da matéria de facto (ponto 54 da sentença); 2. Erro de aplicação do direito à matéria de facto provada e que deve ser considerada como provada.

    Do erro na modificação da matéria de facto (ponto 54 da sentença)

  4. O Acórdão de que se recorre, resulta claramente não se ter respeitado o que se estabelece no artigo 376º/1 do Código Civil (CC), quanto à força probatória dos documentos particulares, conjugado com a prova testemunhal, essencial no âmbito deste processo.

  5. O Tribunal de 1ª instância proferiu a decisão, e bem, com base no depoimento da ora recorrente e das testemunhas CC e DD, assim como no modo de proceder da empresa, considerando como provado o ponto 54 da sentença.

  6. O Tribunal de 1ª instância, que analisou toda a prova documental e presenciou o depoimento de cada testemunha decidiu, e bem, os factos controvertidos que julgou provados e não provados, por referência às peças processuais, e explanou a sua motivação, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do despedimento ilícito promovido pela recorrida.

  7. A "dúvida" que o Tribunal da Relação alega para suporte da alteração da matéria dada como provada para não provada, quanto ao ponto 54 da sentença não tem suporte legal, uma vez que, e tal como ficou provado na sentença de 1a instância, era prática comum transferências sem suporte para vários pagamentos, nomeadamente do jardineiro, como foi o caso.

  8. Esta alteração viola de forma clara o disposto nos artigos 342º e 376º/1 do CC, uma vez que a ora recorrente logrou provar as suas alegações e prova, ao contrário da recorrida.

  9. Conforme consta da decisão quanto à matéria de facto provada e não provada ficou claro que: «Quanto à concreta questão relativa à transferência de € 2.500,00 para a conta bancária de CC (...), a constelação de depoimentos recolhidos não é de molde a excluir a versão apresentada pela autora quanto a esta matéria - sendo certo...

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