Acórdão nº 4614/14.3T8VIS.C2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelLEONES DANTAS
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc. n.º 4614/14.3T8VIS.C2.S1 (Revista) 4.ª Secção LD\ALG\RC Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I AA intentou a presente ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, manifestando, por via da apresentação do requerimento a que alude o artigo 98.º-C do Código de Processo do Trabalho, a sua oposição ao despedimento de que foi objeto promovido por BANCO BB, S.A., seu empregador.

Realizada a audiência de partes e frustrada a conciliação, veio o empregador apresentar o articulado mencionado no artigo 98.º-J do supra aludido código, invocando, em síntese, que a trabalhadora, enquanto gerente do seu balcão de ..., movimentou contas e realizou operações bancárias sem o necessário suporte documental, tendo efetuado levantamentos em dinheiro e transferências, algumas das quais para uma conta de sua titularidade, utilizando, para o efeito, terminais de computador e identificações eletrónicas referentes a colegas seus da mesma agência, causando ao empregador, um prejuízo de € 16.350,00. Mais refere que no âmbito do processo disciplinar ficou comprovado que a trabalhadora agiu em gravíssima violação dos princípios mais elementares à ética e deontologia profissionais e às normas de conduta ao movimentar abusivamente contas de clientes, apropriando-se de fundos, em manifesto abuso de confiança e conflito de interesses. Conclui, pedindo a sua absolvição, face à licitude do despedimento promovido e, no caso de assim não ocorrer, salienta que “devem ser deduzidas todas as importâncias recebidas a título de desemprego e / ou equivalente”.

A trabalhadora contestou, alegando, resumidamente, que apenas aceita que, enquanto gerente, era a representante do banco e a pessoa a quem competia a gestão do balcão, impugnando o demais alegado, admitindo, a realização de uma das operações bancárias documentadas no processo. Acrescenta que não era só ela quem preenchia a folha em que estavam apontados alguns dos movimentos de conta do cliente em causa, que os seus familiares ratificaram as operações realizadas nas suas contas e que não utilizou as passwords dos seus colegas. Conclui, pedindo a procedência da impugnação judicial e peticiona, em reconvenção, a declaração da ilicitude do despedimento e a condenação do empregador: a) a reintegrá-la, sem prejuízo da sua categoria profissional e antiguidade, com uma sanção pecuniária compulsória de € 500,00 por dia; b) a pagar à trabalhadora as retribuições que deixou de auferir desde 23 de setembro de 2014 até ao trânsito em julgado da decisão, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 a 3 do artigo 98.º-N do Código de Processo do Trabalho; c) a repor os créditos contratados entre o empregador e a trabalhadora no regime bonificado, bem como na compensação correspondente à sua passagem para o regime geral; d) a pagar-lhe a quantia de € 20.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais; e) a publicitar, por memorando interno, um pedido de desculpas sincero, assinado por todos os membros do Conselho de Administração, acompanhado de um resumo da sentença.

A ação prosseguiu seus termos e veio a ser decidida por sentença de 21 de maio de 2015 que a julgou parcialmente procedente e condenou o Réu em alguns dos pedidos formulados. Inconformado com o assim decidido, o Réu apelou para o Tribunal da Relação de …, que conheceu do recurso por acórdão de 12 de novembro de 2015, tendo anulado a decisão recorrida e determinado «o reenvio do processo à 1.ª instância que deverá suprir o apontado vício, se necessário, com a realização de novo julgamento restrito às questões em relação às quais a decisão da matéria de facto se mostra contraditória».

Reaberta a audiência de julgamento, produzidos os meios de prova que foram julgados oportunos, foi proferida nova sentença, esta datada de 9 de março de 2016, que integrou o seguinte dispositivo: «Julgo a presente ação de impugnação e a reconvenção parcialmente provadas e, nessa medida, procedentes, e assim declaro ilícito o despedimento da trabalhadora AA pelo empregador BANCO BB SA. Consequentemente, condeno o banco empregador a) a reintegrar a trabalhadora, sem prejuízo da sua categoria profissional e antiguidade; b) a pagar, à mesma trabalhadora, as retribuições que deixou de auferir, desde 23 de setembro de 2014 até ao trânsito em julgado da presente decisão, sem prejuízo do disposto no nº 2 do art.º 390º do código do trabalho e nos nºs 1 a 3 do art.º 98-N do código de processo do trabalho; c) a pagar, em partes iguais à trabalhadora e ao Estado, um total de € 33,33 por cada dia de atraso, após o trânsito da presente decisão, no cumprimento do determinado em a); d) a repor os créditos contratados com a trabalhadora no regime bonificado, com retroatividade desde a data em que passou os mesmos ao regime geral, realizando o correspondente acerto de contas; e) a pagar à trabalhadora a quantia de € 2.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais; f) a pagar, à trabalhadora, juros, à taxa de 5% ao ano, desde o seu vencimento e até integral pagamento, no cumprimento do referido em d) e e).

Absolvo o banco empregador de tudo o demais contra ele pedido.

Custas pelos sujeitos processuais, na razão de 10% para a trabalhadora e os restantes 90% para o banco empregador.

Valor: € 30.000,10».

Inconformado com esta decisão, dela apelou, de novo, o Banco Réu para o Tribunal da Relação de …, que veio a conhecer do recurso interposto por acórdão de 15 de setembro de 2016, nos seguintes termos: «Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de … em julgar procedente o recurso e, consequentemente, revogam a sentença recorrida, declarando lícito o despedimento da trabalhadora e em conformidade absolve-se o réu do pedido.

Custas pela trabalhadora.

Notifique.» Irresignada com o assim decidido, veio a Autora recorrer de revista para este Supremo Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: «1. O Acórdão recorrido viola concretamente o art. 351° do Código do Trabalho e a cláusula 117.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do setor bancário, publicado no n° 4 da I série do Boletim do Trabalho e Emprego de 29 de janeiro de 2005 (texto consolidado).

  1. Nos termos do n.° 3 do art.º 351° do CT "na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao caráter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes." 3. No resumo que faz do "núcleo essencial de factos para se analisar se o comportamento apurado da trabalhadora constitui ou não justa causa de despedimento ...", o Acórdão recorrido limita drasticamente o que foi dado como provado e não provado, não apreciando o essencial, isto é, que não houve qualquer prejuízo do empregador; que da reintegração da trabalhadora não pode resultar qualquer inconveniente, já que esta não terá sequer qualquer contacto com os anteriores colegas (cfr. Facto provado 73); nem entrou em linha de conta com "as demais circunstâncias que no caso sejam relevantes", designadamente, não olhou sequer para a "fundamentação de facto" da Sentença da 1.ª Instância, esquecendo o "mundo" e o enquadramento em que devem ser apreciados os factos assentes - de profunda crise no setor, de diminuição drástica de recursos humanos, dos usos da profissão, do tratamento que é dispensado aos clientes mais importantes, de perda de confiança dos clientes.

  2. Limitada e erradamente o Acórdão recorrido apenas considera como "relevantes" os factos provados n°s 4, 5, 6, 8, 10, 12, 16, 17, 18, 24, 30, 31, 33, 34, 36, 37, 39, 43 e 87, sumariando-‑o da seguinte forma: "constitui justa causa de despedimento o comportamento reiterado, durante vários anos, de uma gerente bancária que violou normas internas do banco empregador que proibiam que movimentasse contas de familiares e utilizasse credenciais (user e password) dos seus colegas e subordinados do balcão, sem que tivesse ainda, tido o cuidado de obter a assinatura prévia dos documentos dos titulares das contas dos clientes do banco que movimentou".

  3. Daquele elenco dos factos provados não é possível concluir por um "... comportamento reiterado, durante vários anos...".

  4. Dos factos provados 5, 6, 8, 10, 24, 30, 33, 36, 37 e 39, não é possível concluir "que", "quantas", "quando" ou "quais" foram realmente as operações realizadas pela trabalhadora recorrente nas contas dos seus familiares ou na conta do cliente CC, pelo que não é possível definir ou divisar um padrão comportamental que permita a conclusão expressa no sumário do Acórdão recorrido.

  5. O que se pode retirar de todos aqueles factos provados é que "algumas" daquelas operações foram realizadas pela trabalhadora".

  6. Isso mesmo resulta e é reforçado pelos factos não provados n°s 3, 6, 7, 20, 23, 26, 27, 32, 33, 36, 37 e 38; 9. O Acórdão recorrido também não entra em consideração, como ordena a parte final do n.° 3 do art. 351° do CT, com o passado impoluto e com a carreira admirável da trabalhadora recorrente, designadamente com os factos provados 68, 69, 70, 71, 72, 73 e 79 e os factos não provados 52 e 53.

  7. Também desconsidera a parte inicial do mesmo normativo, já que o banco recorrido, não obstante as "infrações da trabalhadora", não sofreu qualquer prejuízo, como decorre dos factos não provados 31 e 45; 11. De igual passo, desconsidera que as operações não foram feitas à revelia dos clientes ou que inexistisse qualquer propósito ilegal da trabalhadora recorrente, como decorre dos factos não provados 4, 10, 11,12, 13, 14, 17, 19, 23, 25, 26, 27, 29 a 33, 36 a 38, 41, 43, 45, 49 a 57, 82 e 83.

  8. O Acórdão recorrido revela um completo desconhecimento do dia a dia do funcionamento duma agência bancária, não se preocupando, sequer, em averiguar a fundamentação de facto feita na Sentença da Ia Instância, quanto à partilha de password's decorrente de "imperativos de operacionalidade": "Obviamente que a...

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