Acórdão nº 6/14.2GBILH.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

* Acordam no Supremo Tribunal de Justiça No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo supra referenciado da Comarca de ..., Instância Central, ... Secção Criminal, ..., a arguida AA, com os sinais dos autos, foi condenada nas seguintes penas conjuntas: - 2 anos e 6 meses de prisão, resultante de cúmulo de penas parcelares impostas nos processos n.ºs 749/13.8PBAVR, 1585/13.7PBAVR e nos presentes autos; - 7 anos e 6 meses de prisão, resultante de cúmulo de penas singulares aplicadas no processo n.º 14/14.3JAAVR e nos presentes autos.

A arguida interpôs recurso para este Supremo Tribunal.

É do seguinte teor o segmento conclusivo da respectiva motivação[1]: 1.º - O Tribunal “a quo” errou manifestamente, quanto à determinação das penas aplicadas, que se afiguram completamente desajustadas aos factos perpetrados, à personalidade da agente e às necessidades de prevenção geral e especial e desrespeitou, na sua aplicação, as penas únicas anteriormente aplicadas em cúmulo, designadamente nos processos 14/14.3JAAVR e 6/14.3JAAVR, violando assim os artigos 77.º e 78.º do C.P.

  1. - Ora, mesmo desconsiderando, à luz da jurisprudência dominante, a aplicação do cúmulo por arrastamento, não deveria o Tribunal a quo ter feito “tábua rasa”, na determinação da medida da pena, das penas aplicadas em cúmulo nos processos 14/14.3JAAVR e 6/14.3JAAVR, e primacialmente, no primeiro.

  2. - Assim, para aferir as penas mínimas e máximas aplicadas o Tribunal a quo somou as penas parcelares aplicáveis a cada um dos cúmulos efectuados e, ponderando, decidiu aplicar penas de prisão de 2 anos e 6 meses e de 7 anos e seis meses, a aplicar sucessivamente, o que perfaz um valor total de 10 anos de prisão efectiva.

  3. - Ora, se considerarmos que a recorrente foi condenada anteriormente nas penas de 6 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, 5 anos de prisão, 2 anos de prisão e 2 anos de prisão, facilmente se conclui que não terão sido respeitados os princípios da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta.

  4. - Efectivamente, na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que significa que o cúmulo jurídico das penas não é uma operação aritmética de adição, nem se destina, tão-só, a quantificar a pena conjunta a partir das penas parcelares cominadas.

  5. - Ao aplicar as penas de 2 anos e meio e de 7 anos e meio de prisão o tribunal a quo ignorou, em absoluto, designadamente, a pena de 5 anos aplicada no processo 14/14.3JAAVR, violando o próprio princípio constitucional “ne bis in idem” consagrado no art. 29.º, n.º 5 da C.R.P., que proibe o duplo julgamento por forma a evitar que alguém seja condenado duas vezes pelo mesmo crime.

  6. - Ora, aqui sucedeu precisamente isso, isto é, por força do desdobramento das penas parcelares aplicadas no processo 14/14.3JAAVR, a aplicação à arguida, de uma pena substancialmente superior à que foi fixada em cúmulo no supra referido processo.

  7. - Sublinhe-se que a soma das penas únicas aplicadas nos quatro processos perfaz 10 anos de prisão, que acaba por correSponder ao conjunto das penas ora aplicadas à arguida. Demasiado oneroso, portanto.

  8. - Acresce que, na aplicação concreta da medida da pena, se considera que o tribunal “a quo” não considerou a envolvente fáctica imprescindível para quantificar a pena a aplicar e, na ponderação que faz, baseia-se num relatório social de 25-05-2015, ou seja, desconsiderando a vivência de mais um ano de reclusão por parte da arguida e a repercussão que isso teve na sua perspectiva de futuro.

    Ademais, 10.º - A arguida praticou os factos em consideração ao longo do ano de 2013 e Janeiro de 2014, ou seja, há 2 anos e meio desde a data da audiência de cúmulo jurídico; 11.º - À data da prática dos crimes era completamente dependente de estupefacientes, designadamente de drogas duras, heroína e cocaína; 12.º - A arguida deixou de consumir estupefacientes desde que se encontra detida e, a data dos factos, corresponde a um período da vida da arguida marcado pela dependência de estupefacientes de intenso poder aditivo, em que o seu quotidiano se estruturou em torno daquela problemática e que hoje abandonou por completo, a saber, cocaína e heroína; 13.º - A forma e o “modus operandi” subjacentes à generalidade dos crimes cometidos, designadamente os de roubo e furto, revelam um absoluto alheamento e respeito pelo seu corpo e identidade, subjacente à necessidade de realização de dinheiro para fazer face ao seu comportamento aditivo; 14.º - A tentativa de aproveitamento sexual por parte das “vítimas” desses crimes de roubo e furto, do estado de dependência da arguida deverão importar para diminuir consideravelmente a culpa da arguida; 15.º - Encontra-se a trabalhar no Estabelecimento Prisional desde, praticamente, a sua reclusão e motivada para a reintegração no mercado de trabalho quando sair do estabelecimento prisional, conforme o disse em sede de audiência de cúmulo jurídico; 16.º - Revelou alguma interiorização da noção de ilicitude associada à prática dos delitos que a conduziram às condenações e à aplicação das medidas em análise, conforme revelou em declarações prestadas em audiência de cúmulo jurídico; 17.º - Tem um desejo genuíno de reintegrar o agregado da avó, auxiliá-la no quotidiano atenta a sua idade avançada e desta forma recompensá-la pelo sofrimento que a sua desviância lhe causou, conforme resulta de suas declarações em sede de audiência de cúmulo jurídico; 18.º - A avó revela a manutenção de laços afectivos significativos, pelo que mantém-se disponível para a acolher e apoiar.

  9. - No caso em apreço, contudo, o Acórdão recorrido, erradamente, escusou-se de valorizar todas as circunstâncias favoráveis à arguida, já invocadas e, com isso, atenuar-lhe a pena de prisão.

  10. - Todavia, a aplicação do art.º 77º do CP não pode conduzir a punições desproporcionadas ou iníquas, como é a dos presentes autos, porque a diminuição sensível da culpa já haveria de intervir no sentido de diminuir consideravelmente a pena aplicada.

  11. - Deste modo, a decisão recorrida viola, necessariamente, o preceituado nos artigos 77.º e 78.º do C.P.

  12. - Assim se entende que deveria o tribunal a quo ter aplicado penas bem mais próximas do seu limite mínimo, ao contrário do fixado.

  13. - Por fim, de referir que a detenção sofrida pela arguida ao abrigo do processo 14/14.3JAAVR deverá ser descontada na pena que vier ser fixada a final, nos termos do art. 80.º do C.P., o que também não foi referido no acórdão ora em crise.

    Na contra-motivação o Ministério Público formulou as seguintes conclusões: 1º É inexistente a violação de qualquer norma por parte do Acórdão recorrido; 2º Da análise das condenações sofridas pela arguida e das circunstâncias a estas relativas resulta evidente a impossibilidade de encontrar uma pena única, em cúmulo jurídico, para todas as condenações, isto porque vários dos crimes foram praticados posteriormente ao trânsito em julgado doutras decisões. Assim, existe relação de sucessão de crimes que obsta à inclusão de todas as penas numa pena única, sob pena de realização de cúmulo por arrastamento.

  14. É infundamentada a alegação de que o Tribunal não tomou em conta diversos fatores favoráveis à arguida na determinação da escolha e medida das penas – sendo que a generalidade dos fatores invocados pela arguida são, precisamente, transcritos da factualidade dada como provada no Acórdão.

  15. As penas aplicadas encontram-se no limite médio inferior das respetivas molduras penais – pelo que resulta inegável que o tribunal, avaliando em conjunto os factos e a personalidade do agente, não poderia ter fixado penas inferiores, sob pena de defraudar as finalidades da punição tal como definidas pelo artº 40º do C.P.

  16. A substituição da pena de 10 meses de prisão por qualquer outra não satisfaz as exigências da punição.

    A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer: A arguida AA, nascida em ..., vem recorrer do acórdão proferido e depositado em 15.07.2016, no ...ª secção Criminal, Inst. Central de ..., Comarca de ..., que por autoria de diversos crimes, designadamente de extorsão, coação, roubos e furtos, a que estava condenada por sentenças transitadas em julgado, a condenou em dois cúmulos superveniente nas penas únicas de 2 anos e 6 meses de prisão e 7 anos e 6 meses de prisão.

    A arguida/recorrente nas conclusões da sua motivação vem defender essencialmente que as penas únicas aplicadas proporcionalmente são demasiado onerosas, as somas de todas as penas aplicadas é igual à soma das penas únicas, que num dos processos não deviam de ter sido desdobradas as penas e por fim invoca o tempo em que cometeu os crimes e as considerações pessoais, especialmente, o ser toxicodependente e dependente de droga nos dois anos em que se verificaram os crimes, bem como as demais circunstâncias em que ocorreram os factos e o já não ser consumidora para além de estar a trabalhar na prisão.

    Acaba por defender que nos termos do art. 77º do CP as penas únicas de prisão ser mais próximas do seu limite mínimo.

    O MP respondeu, através da srª. Procuradora da República e nas suas conclusões admite como possível apenas as alterações da pena do 2º cúmulo efectuado, podendo ser diminuída de 1 ano de prisão.

    Os acórdãos em que a arguida/recorrente foi condenada incluindo o do processo principal onde foram integradas/cumuladas as condenações são as seguintes.

    1 - Proc. nº 794/13.8PBAVR, da Comarca do Baixo Vouga, ..., sec. genérica da Inst. Local de ..., por sentença de 01.10.2013, transitado em 18.11.2013, - 6 meses de prisão, por um crime de extorsão (art. 223º nº 1 do CP), por factos ocorridos em 20.05.2013.

    2 - Proc. nº 14/14.3JAAVR, do ... sec. Criminal - Inst. Central de ..., Comarca de ..., por sentença de 27.10.2014, transitada em...

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