Acórdão nº 460/11.4TVLSB.L1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Fevereiro de 2017
Magistrado Responsável | SILVA GONÇALVES |
Data da Resolução | 09 de Fevereiro de 2017 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça “Laboratórios AA, Lda" intentou contra "BB - Produtos Farmacêuticos, SA" a presente acção declarativa com processo comum e forma ordinária, pedindo: a) - O reconhecimento e a declaração de que a Autora é legitima proprietária do prédio urbano sito na Rua … n.º …. e ...-A, em Alvalade, Lisboa, descrito na CRP de Lisboa sob o n.º 94…, da freguesia do Campo Grande (com a anterior descrição em livro n.º 20.612), condenando-se a Ré a reconhecer tal direito; b) - A condenação da Ré a devolver tal prédio à Autora, livre e devoluto de pessoas e bens; c) - A condenação da Ré a pagar à Autora uma indemnização, a liquidar no decurso do processo ou em incidente subsequente à sentença pelos prejuízos decorrentes da ilegítima ocupação e recusa na entrega desse prédio, e até que a mesma ocorra, e que terão por base, no mínimo, o valor locativo de mercado, correspondente ao possível arrendamento do mesmo; d) - A condenação da Ré no pagamento da sanção pecuniária compulsória de € 1.500 por dia, a partir da data do trânsito em julgado da sentença e até ao seu efectivo cumprimento.
Fundamentando a sua pretensão, alegou, em síntese, ser proprietária do prédio mencionado, encontrando-se inscrita no registo a aquisição a seu favor, sendo que a Ré o ocupa, sem qualquer título, recusando-se a entregá-lo à Autora.
A Ré contestou, pronunciando-se pela improcedência da acção e, deduzindo reconvenção contra a Autora, pediu o reconhecimento e a declaração de ser ela a legítima possuidora e proprietária do prédio em causa, condenando-se a Autora a reconhecer esse direito.
Alega, para o efeito, que, desde 8/04/1988, está na posse do referido prédio, a qual se manteve ininterruptamente até à presente data, de forma pública, pacífica e de boa - fé, nunca tendo tal posse sido contestada até Janeiro de 2011, pelo que adquiriu a propriedade do referido prédio por usucapião.
As partes ainda replicaram e treplicaram, mantendo, contudo, as suas posições já defendidas nos seus anteriores articulados.
Oportunamente foi proferida sentença (cfr. fls. 1017 a 1033), tendo sido decidido: a) - Julgar a acção totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, absolver a Ré de todos os pedidos contra si formulados; b) - Julgar a reconvenção procedente, por provada, e, em consequência, reconhecer e condenar a Autora a reconhecer que a Ré é titular do direito de propriedade sobre o prédio urbano descrito na CRP de Lisboa sob o n.º 94… (anterior descrição n.º 20612, do Livro n.º 67), sito na Rua …, n.º … e …A, em Alvalade, freguesia do Campo Grande, Lisboa, inscrito na matriz predial da freguesia de S. João de Brito sob o artigo 97…, por o ter adquirido por usucapião: c) - Ordenar o cancelamento do registo de aquisição a favor da Autora que impende sobre o mesmo prédio.
Inconformada com esta sentença, dela recorreu a autora, pedindo a sua revogação e substituição por outra em que se dê corno improcedente o pedido reconvencional e procedentes os pedidos da acção, com o fundamento de que, tendo a Autora registado a seu favor a propriedade do prédio, se presume ser titular desse direito.
Por acórdão de 11/11/2014, o Tribunal da Relação, na procedência da apelação e improcedência da reconvenção, decidiu: 1.º - Revogar totalmente a sentença recorrida e, em sua substituição: a) - Declarou que a Autora é a legítima proprietária do prédio urbano, sito na Rua …, n.ºs … e …-A, em Alvalade, Lisboa, descrito na CRP de Lisboa sob o n.º 94…, da freguesia do Campo Grande (com a anterior descrição em livro n.º 20.612), condenando a Ré a reconhecer tal direito e a devolver esse prédio à Autora, livre e devoluto de pessoas e bens; b) - Condenou, ainda, a Ré a pagar à Autora: i - Uma indemnização, a liquidar em incidente a tramitar no processo de execução de sentença, pelos prejuízos decorrentes da ilegítima ocupação e recusa na entrega desse prédio, e até que a mesma ocorra; ii - Uma sanção pecuniária compulsória de € 500,00 por dia, a partir da data do trânsito em julgado desta decisão e até ao seu efectivo cumprimento; 2.º - Absolveu a Autora do pedido reconvencional que a Ré contra ela havia deduzido.
Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a ré “BB” para este Supremo Tribunal que, por acórdão de 28.05.2015 (cfr. fls. 1215 a 1299), anulou o acórdão recorrido, para que, sem prejuízo do disposto no artigo 662.º do NCPC, os mesmos Senhores Juízes Desembargadores, com a alteração das respostas dadas aos pontos 2.º e 5.º da Base instrutória, reanalisassem as questões que foram suscitadas no recurso de apelação e que se não considerem prejudicadas por esta decisão.
A Relação de Lisboa, dando cumprimento ao que este Supremo Tribunal, por acórdão de 28/06/2016 (cfr. fls. 1293 a 1312) proferiu a seguinte deliberação: Com os fundamentos enunciados nos pontos 4.1. e 4.2. do presente acórdão, julga-se, no essencial, procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se totalmente a sentença recorrida, decretando-se em sua substituição que, por se julgar procedente a acção e improcedente a reconvenção: i) se declara que a Autora é a legítima proprietária do prédio urbano sito na Rua …, n.ºs … e …-A, em Alvalade, Lisboa, descrito na CRP de Lisboa sob o n.º 94..., da freguesia do Campo Grande (com a anterior descrição em livro n.º 20.612), condenando-se a Ré a reconhecer tal direito e a devolver esse prédio à Autora, livre e devoluto de pessoas e bens: ii) vai a Ré condenada a pagar à Autora: - uma indemnização, a liquidar em incidente a tramitar no processo de execução de sentença, pelos prejuízos decorrentes da ilegítima ocupação e recusa na entrega desse prédio, e até que a mesma ocorra, - uma sanção pecuniária compulsória de € 500,00 por dia, a partir da data do trânsito em julgado do presente decreto judicial e até ao seu efectivo cumprimento: iii) vai a Autora absolvida do pedido reconvencional contra ela deduzido pela Ré.
Irresignada, deste acórdão recorre a ré "BB - Produtos Farmacêuticos, SA" para este Supremo Tribunal, alegando e concluindo pela forma seguinte: 1.
O presente recurso de revista tem por objecto o Acórdão proferido nos autos a fls. 1293 a 1312, o qual julgou, "no essencial", procedente a apelação e revogou totalmente a sentença recorrida, decretando a sua substituição por uma outra que julgue procedente a acção e improcedente a reconvenção. 2.
O acórdão recorrido responde a duas questões: "- a sentença recorrida viola o caso julgado formado pela decisão de 25 de Março de 2003, referida na alínea AA) dos «Factos Assentes»? - a sentença recorrida viola o estatuído nos artigos 1253.º,1257.º e seguintes do Código Civil?".
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Andou bem o Venerando Tribunal a quo ao responder à primeira das questões enunciadas declarando "que o caso julgado formado com o trânsito em julgado da decisão transcrita na alínea AA) dos "Factos Assentes" não é operante para efeitos de gerar contradição entre esse decreto judicial e o proferido através da sentença recorrida".
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O mesmo não se podendo afirmar quanto à resposta dada à questão remanescente, não se podendo a Recorrente confirmar com tal decisão em face da manifesta falta de razão que lhe subjaz, como se evidenciará e que determina, por conseguinte, a procedência do presente Recurso in totum.
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A Recorrente não pode conformar-se com o Acórdão recorrido, porquanto o mesmo consagra uma solução jurídica aberrante, atento o caso concreto, violando as mais elementares garantias decorrentes da lei, assim como as suas legítimas expectativas quanto à aquisição do imóvel.
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Mais, o Acórdão ora recorrido enferma de nulidade ao fazer tábua rasa do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça que anulou o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que lhe precedeu e que circunscreveu o juízo que cabia ao Venerando Tribunal a quo às "questões que foram suscitadas no recurso de apelação e que não se considerem prejudicadas por esta decisão". Igualmente por esta via não pode a Recorrente conformar-se com a decisão vertida no Acórdão de que ora se recorre.
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A Recorrente adquiriu o imóvel, pagou o respectivo preço e procedeu ao seu registo, para além de ter exercido ininterruptamente actos materiais sobre o mesmo e actuado como sua legítima proprietária desde 1988, procedeu a obras de manutenção e outras benfeitorias no imóvel, para além de ter pago os respectivos impostos do imóvel ao longo dos anos - comprovando ter permanecido ininterrupta e publicamente no mesmo, tendo sediado aí a sua actividade em 1992.
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A anulação dos actos processuais do processo de falência em nada influi na prática reiterada de actos materiais que se consubstanciam no exercício continuado da posse, os quais conduziram a uma nova aquisição do imóvel por usucapião.
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O entendimento vertido no acórdão recorrido - ao considerar que a Recorrente tenha passado de uma situação de proprietária para possuidora titulada e de boa fé para possuidora não titulada e de má fé e, a posteriori, mera detentora - subtrai todos os efeitos garantísticos advenientes do direito de propriedade e da própria posse, subvertendo as prerrogativas conferidas pela lei nesta matéria, além de frustrar as legítimas expectativas da ora Recorrente de ter adquirido e registado o imóvel em 1988 e, posteriormente, adquirido o imóvel por usucapião em 1998, uma vez decorridos dez anos da sua posse titulada e de boa-fé.
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Andou mal o Venerando Tribunal a quo ao aplicar erroneamente a lei substantiva aos respectivos factos.
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Resulta provado nos autos que a Recorrente tem a posse continuada do imóvel desde 08.04.1988, data em que foi lavrado o termo de entrega daquele imóvel, tendo sido registada a aquisição em 05.07.1988.
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Tal posse tem sido mantida, ininterruptamente, pela Recorrente, desde essa data.
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A Recorrida só viria a contestar tal posse em Janeiro de 2011, volvidos mais de vinte anos desde que a Recorrente exercia a posse sobre o imóvel em disputa nos presentes autos.
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Ficou amplamente demonstrado e provado na sentença da...
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