Acórdão nº 2177/13.6TVLSB.L1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelSEBASTIÃO PÓVOAS
Data da Resolução14 de Fevereiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça A “AA, Limitada” e “BB, SA”, intentaram acção, com processo comum contra “SEGURO CC, SA”.

Pediram a condenação da Ré a pagar-lhes: - à A. “AA” a quantia de Euros 50.000; - à A. “BB” a quantia de Euros 35.338,83; acrescidas de custas de procuradoria e de todas as restantes despesas legais.

Alegaram, em síntese, que são sociedades comerciais com sede em Portugal, revendendo a empresas sediadas em Espanha compostos de policloreto de vinil, por elas adquiridos, também em Espanha, à sociedade “DD S.A.”, operações sujeitas a IVA, facturado às AA, e por elas pago.

Alegam ainda que, de acordo com as normas comunitárias têm direito ao reembolso do IVA, mediante pedido a apresentar às autoridades tributárias espanholas, que se inicia no trimestre seguinte àquele em que ocorreu o pagamento e termina a 30 de Setembro do ano seguinte; que ambas decidiram usar desta faculdade, o que era função dos seus TOCs, intervenientes nos autos, desde sempre exercidas por eles sem qualquer problema; que, no ano de 2010 a 1º A. tinha direito ao reembolso de IVA, relativo ao 4º Trimestre de 2010 no valor de € 181.748,80, incumbindo à Dr. EE a apresentação desse requerimento junto da AT Espanhola, o que esta, por lapso, não fez, nem informou a sua entidade patronal da necessidade de apresentação, ou a alertou para a existência de prazo para o efeito, só se apercebendo dessa situação quando, ao receber o deferimento dos pedidos de reembolso do 3º trimestre de 2010 e do l° de 2011, verificou a sua omissão; que a referida TOC intentou o pedido em Janeiro de 2012, recusado por extemporaneidade por aquela Autoridade Tributária.

Alega a 2º A. que tinha direito ao reembolso de IVA no 3º trimestre de 2010, no montante de € 5.570,31 e no 4º trimestre no montante de € 29.768,52 e que o seu TOC Dr. FF igualmente não apresentou esse pedido à AT Espanhola, igualmente nada tendo informado a sua entidade patronal, pelo que verificada essa omissão, em Janeiro de 2012, foi este indeferido, por extemporaneidade, por aquela Autoridade Espanhola.

Por último, alegam que o comportamento dos referidos TOCs constitui violação dos seus deveres deontológicos, pelo que se constituíram na obrigação de indemnizar as AA., transferida essa responsabilidade para a R.; que, participado o sinistro, recusou o seu ressarcimento, por entender que as condutas não se integravam nas funções cometidas aos TOCs.

* A Ré contestou por excepção, alegando a existência de litisconsórcio necessário entre a seguradora e os TOC devedores principais.

Alegou, ainda, que os actos praticados pelos TOC estão excluídos do âmbito da cobertura do seguro, uma vez que a elaboração e entrega do pedido de reembolso do IVA não é uma obrigação dos TOC, (não requerendo sequer a intervenção de qualquer TOC), sendo uma faculdade cometida aos seus órgãos de gestão, não tendo sido comunicado aos TOC a necessidade de requerer este reembolso.

Mais alegou que as AA. não comprovam que teriam direito ao reembolso de IVA e que, em todo o caso, os factos alegados poderiam consubstanciar um acto doloso dos TOC pelo que nunca se enquadrariam nas coberturas da apólice; que desconhece se estes TOC têm a sua inscrição em vigor, condição essencial para poder ser accionado o seguro, que e a inexistência de contrato escrito de prestação de serviços, determina a sua nulidade.

Deduziu ainda o pedido de intervenção principal provocada de EE e FF, por serem os TOC alegadamente responsáveis pela contabilidade das AA. e beneficiários do seguro.

Respondendo, as AA. alegaram que podem demandar directamente a seguradora, uma vez que se trata de seguro obrigatório de responsabilidade civil para o exercício da actividade dos TOC; que os referidos TOC estão ligados por contrato de trabalho que não depende de forma escrita e que a R. bem sabe que os TOC têm a sua inscrição em vigor, razão pela qual pediu a sua condenação em multa e indemnização como litigante de má fé.

A intervenção principal provocada (de EE e FF) foi admitida, contestando os chamados, invocando a incompetência em razão da matéria e do território, alegando ser competente o Tribunal de Trabalho de …, mais reconhecendo que, por lapso, não procederam à entrega das referidas declarações, devendo a R. seguradora proceder ao pagamento deste montante, deduzido do valor da franquia.

Foi indeferida a excepção de incompetência material suscitada.

A final foi proferida a sentença absolvendo os Réus do pedido e não condenando a Ré Seguradora como litigante de má fé.

As Autoras apelaram para a Relação de … que, dando provimento à apelação condenou a Ré “SEGURO CC, SA” a pagar à Autora “AA, Limitada” a quantia de € 50.000,00 e à Autora “BB, SA”, a quantia de € 35.338,83, “acrescidos de juros legais”.

A Ré pede revista.

E assim conclui, no essencial, a sua alegação: I. A questão objecto do presente recurso, que também já foi objecto de discussão em sede de 1ª instância bem como na Apelação, reside em saber se a elaboração do pedido de reembolso de IVA à Autoridade Tributária estrangeira, se inclui nos deveres e funções legalmente atribuídas aos Técnicos Oficiais de Contas.

II. Em suma, e em sede de 1ª instância, entendeu-se que o pedido de reembolso de IVA é uma faculdade conferida ao contribuinte, no âmbito comunitário, cuja execução não obriga nem à intervenção de um TOC, nem se enquadra nos seus deveres legais, tratando-se, por esse motivo, de uma faculdade conferida ao contribuinte, ou seja, ao sujeito passivo de imposto.

  1. A Relação de …, em sede de apelação, sustentou a sua argumentação tendo por base os conceitos de "planificar, organizar e coordenar a execução da contabilidade", previstos na al. a) do n° 1 do artigo 6º do DL 452/99, de 5/11, os quais, sendo funções dos Técnicos Oficiais de Contas enquanto interlocutores privilegiados junto da administração fiscal, sempre requererão uma interpretação extensiva neles se incluindo as funções de consultadoria como-seja a função de informação sobre o direito de requerer o reembolso de IVA. A ora recorrente concorda com este entendimento nada tendo a acrescentar no que a esta matéria respeita.

  2. Já no que respeita à elaboração do pedido de reembolso à AT. entendeu o Tribunal da Relação que, por maioria de razão, também tal função se encontra abrangida nas funções legais do TOC, principalmente nas situações em que, como é o caso, já existem orientações por parte das empresas (enquanto entidades patronais desses TOC) no sentido de serem apresentados tais pedidos.

  3. Nos termos em que se encontra provado nos autos e que, naturalmente não se coloca em causa pelas presentes alegações de recurso de revista, estão em causa a análise e respectivo enquadramento de duas funções atribuídas aos TOC (EE e FF) que não foram devidamente enquadradas pela Relação de … nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 6º do DL 310/2009, de 26/10, aplicável à data dos factos.

    VI. Tais funções são: (i) a que recai sobre o TOC de informar o sujeito passivo de imposto do seu direito de requerer o reembolso de IVA; (ii) a que recaí sobre estes TOC em concreto, nomeadamente sobre a TOC EE e sobre o TOC FF, de elaborarem tais pedidos de reembolso junto da AT espanhola na sequência das instruções que lhe haviam sido dadas pelas suas entidades patronais, no caso, as autoras “AA, Lda.” e “BB, S.A.”, funções essas que os mesmos acataram para si e que, nessa medida, têm vindo a cumprir desde 2005.

  4. Pese embora a Relação, para análise e respectivo enquadramento das funções dos Técnicos Oficiais de Contas no exercício da sua profissão, se tenha socorrido do disposto no artigo 6º do DL 452/99, de 5/11, que aprovou o Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, à data da prática dos actos, a legislação aplicável já não era, o DL 452/99, de 5/11, mas antes a versão dada pelo DL 310/2009, de 26/10 que veio aprovar o então Estatuto da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, actualmente denominada por Ordem dos Contabilistas Certificados.

  5. O Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas, na redacção dada pelo DL 310/2009, de 26/10, define no seu preâmbulo os Técnicos Oficiais de Contas como os "interlocutores privilegiados da administração pública" (artigo 3°), impondo às "entidades sujeitas aos impostos sobre o rendimento que possuam ou devam possuir contabilidade organizada" a obrigação de disporem de um técnico oficial de contas, o qual, por sua vez, fica adstrito ao dever de assumir a responsabilidade pela regularidade técnica contabilística e fiscal das entidades para as quais prestem os seus serviços em cumprimento das boas regras contabilísticas e fiscais.

    IX. Resulta, assim, de tal artigo 6º, que compete aos técnicos oficiais de contas proceder ao desempenho das seguintes funções:

    1. Planificar, organizar e coordenar a execução da contabilidade das entidades sujeitas aos impostos sobre o rendimento que possuam ou devam possuir contabilidade regularmente organizada; b) assumir a responsabilidade pela regularidade técnica, nas áreas contabilística e fiscal; e c) assinar, conjuntamente com o representante legal das entidades referidas na alínea a), as respectivas declarações fiscais, as demonstrações financeiras e seus anexos, fazendo prova da sua qualidade.

  6. Tem sido entendido pela jurisprudência que apenas se incluem nos deveres legais dos TOC, razão de subscrição do contrato de seguro, aqueles de natureza publicista, estando deles afastados todos os que não assumem esta qualidade, como os pagamentos de impostos.

  7. Os Tribunais Superiores têm interpretado esta função de execução da contabilidade de forma lata entendendo que «não é apenas (...) "só tudo o que tem a ver com organização e arquivo de documentos contabilísticos e fiscais, classificação de documentos e seu lançamento nos respectivos livros contabilísticos e no sistema informático e apuramento de impostos a pagar", mas também, sem dúvida projectar e estabelecer medidas que não só assegurem que as entidades sujeitas aos impostos sobre o...

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