Acórdão nº 110/14.7JASTB.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelHELENA MONIZ
Data da Resolução04 de Maio de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório 1.

No Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal (Inst. Central — Secção Criminal), o arguido AA foi condenado, em concurso real, pela prática: - de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo art. 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal (CP), na pena de prisão de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses, e - de um crime abuso sexual de menores dependentes, previsto e punido pelos arts. 172.º, n.º 1, do CP, na pena de prisão de 3 (três) anos e 6 (seis) meses.

- e, em cúmulo jurídico da penas parcelares aplicadas, na pena única de 7 (sete) anos de prisão.

Foi determinada a recolha de amostra biológica e inserção do perfil de ADN, obtido a partir daquela, na base de dados de perfis de ADN para fins de identificação civil e criminal, ao abrigo do disposto na Lei n.º 5/2008, de 12.02.

  1. Inconformado com a decisão proferida, o arguido interpôs recurso direto para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto no art. 432.º, n.º 1, al. c), do CPP, tendo apresentado as seguintes conclusões: «1. O ora recorrente vinha acusado como autor material, na forma consumada e em concurso real de um crime de abuso sexual de crianças agravado, p. p. pelos artigos 171º, n.ºs 1 e 2 e 177º, n.º 1, alíneas a) do Código Penal, um crime de abuso sexual de menor dependente agravado, p. p. pelos artigos 172º, n.º 1 e 177º, n.º 1, alíneas a) do Código Penal e um crime de violação p. e p. pelo artigo 164º, n.º 2, alínea a), do C.Penal.

  2. Pelo acórdão de que ora se recorre foi o arguido, ora recorrente condenado pela prática em autoria material, e em concurso efectivo de um crime de abuso sexual de crianças, p. p. pelos artigos 171º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal e um crime de abuso sexual de menores dependentes, p. p. pelos artigos 172º, n.º 1 n do Código Penal, nas penas de prisão, respectivamente de cinco anos e seis meses e de três anos e seis meses e, em cúmulo jurídico de tais penas parcelares, condenar ao arguido na pena única de 7 (sete) anos de prisão.

  3. O ora recorrente não pode conformar-se com o Douto Acórdão do Tribunal a quo no tocante à fixação do quantum das penas parcelares, considerando as mesmas manifestamente excessivas, assim como a medida da pena única concretamente aplicada, de modo a permitir a suspensão da pena aplicada, sujeita a regime de prova e acompanhamento psicológico ou psiquiátrico do arguido.

  4. O mui douto Tribunal a quo menciona no Aresto a necessidade de aplicação do dispositivo legal inserto no art.º 71º do C.P. para a determinação da medida concreta da pena, considerando o grau de ilicitude do facto, a intensidade do dolo, as necessidades de prevenção geral e especial no caso concreto, mas acabou por, aquando da aplicação da medida concreta da pena dar pouca importância dar a estas últimas (prevenção especial), a limitar-se a dar como reproduzidas as condições pessoais do arguido e a sua situação económica, sem as valorizar, e a desvalorizar o facto do arguido não ter antecedentes criminais.

  5. Tal como decorre dos factos provados, da fundamentação do acórdão e do relatório social, o arguido não tem quaisquer antecedentes criminais, é pessoa social, profissional e familiarmente inserido, não lhe são conhecidos comportamentos de natureza idêntica em data posterior aos factos constantes da acusação (sobre os quais já decorreram cerca de dois anos), reconhece o impacto do abuso sexual na vida das crianças e mesmo não tendo lhe tendo sido identificado qualquer tipo de desajuste relativamente ao seu desenvolvimento e orientação sexual, manifestou disponibilidade para se sujeitar a acompanhamento psiquiátrico ou psicológico.

  6. Tais circunstâncias deveriam ter sido valoradas, na determinação da medida da pena a seu favor, o que não aconteceu! 7. É certo que o julgador se deve orientar na determinação da medida concreta da pena, pela culpa do agente, que impõe uma retribuição justa; pelas exigências decorrentes do fim preventivo geral, ligadas à contenção da criminalidade e à defesa da sociedade, mas não poderá olvidar as exigências decorrentes do fim preventivo especial ligadas à reinserção social do delinquente.

  7. Sendo a concretização da sanção resultado do jogo de todos os referidos factores, embora não podendo esquecer-se que a função primordial da pena consiste na protecção dos bens jurídicos (prevenção geral positiva), entendida como tutela e confiança da comunidade na sua ordem jurídico-penal, respeitado que seja o princípio da culpa, segundo o qual, a medida da pena nunca pode ultrapassar a medida da culpa, e que a sanção concreta há-de corresponder às expectativas comunitárias na validade da norma violada, não poderia o tribunal a quo deixar de olvidar que “deve fixar-se em princípio a pena no ponto de escala correspondente à culpa que melhor sirva as exigências de prevenção especial”.

  8. Com efeito, “A sociedade não é apenas responsável pela protecção dos seus membros perante o criminoso, tem também uma responsabilidade perante este último, de contribuir para a sua possível recuperação”, nem que para isso se torne necessário desistir de uma parte da pena correspondente à culpa para respeitar a norma legal que impõe que se tenha em conta a prevenção especial.

  9. Atendendo a que o arguido não tem antecedentes criminais, está integrado social, profissionalmente familiarmente e não será a convivência com o mundo prisional que resolverá os eventuais distúrbios de personalidade apresentados pelo arguido e que conduziram à eventual prática dos factos descritos no Acórdão, mas sim o acompanhamento e tratamento médico especializado, tais factos deveriam ter sido determinantes na determinação da medida da pena.

  10. A determinação da medida concreta da pena há-de ter presente a necessidade de satisfazer as finalidades de protecção do bem jurídico afectado e de reintegração do delinquente na sociedade, sem ultrapassar a medida da culpa, e, dentro dos limites da moldura estabelecida na lei, há-de fixar-se, em função da culpa e das exigências de prevenção, ponderando todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem favor do arguido ou contra ele, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, o motivos do crime, as condições pessoais e a situação económica, bem como a sua conduta anterior e posterior.

  11. A pena, situada entre um máximo ditado pela culpa e um mínimo exigido pela prevenção geral positiva, resultará da ponderação das funções que o pensamento de prevenção especial realiza.

  12. Ponderando todas as referidas circunstâncias, e tal qual se mostra a prova, afigura-se-nos que a punição ajustada à satisfação das finalidades consignadas no artigo 40.º do Código Penal, impõe a aplicação de penas parcelares mais próximas do mínimo legal previsto por lei, e bem assim numa pena única, nunca superior a 5 anos de prisão.

  13. Tais penas realizariam de forma adequada e suficiente o objectivo de prevenir a prática de futuros crimes da mesma natureza pelo arguido.

  14. Nos termos do art.º 50º, n.º 1 do C. Penal “O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

  15. A suspensão da execução da pena insere-se num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes, pelo que, embora funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois constituem autenticas medidas de tratamento bem definido com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos a suspensão da execução da pena, com ou sem regime de prova, é substitutivo particularmente adequado das penas privativas da liberdade que importa tornar maleável na sua utilização, libertando-a, na medida do possível, de limites formais, de modo a com ele cobrir uma apreciável gama de infracções puníveis com pena de prisão.

  16. Esta medida de carácter pedagógico e reeducativo deve ser decretada quando se concluir que, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida e outras circunstâncias, é uma medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para realizar as finalidades da punição, por existir um juízo de prognose social favorável ao mesmo, e “In casu”, e tendo em conta o já expendido supra, o comportamento do arguido posterior à prática dos factos, a sua situação pessoal descrita no relatório social junto aos autos, bem como a sua aceitação expressa da sujeição a tratamento médico especializado, tudo indica que, agora, a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para satisfazer as finalidades da punição, desde que acompanhado da aplicação de um regime de prova em ordem a permitir o acompanhamento psicológico ou psiquiátrico do arguido, já aceite pelo mesmo.

  17. Assim, ao não decidir pela condenação em duas penas parcelares fixadas muito próximo do mínimo das respectivas molduras penais, cuja pena única (resultante do cúmulo jurídico), se situe nos 5 anos de prisão, e seja suspensa na sua execução com regime de prova e acompanhamento/tratamento psicológico ou psiquiátrico, o Douto Tribunal ora recorrido violou os dispositivos insertos nos art.ºs n.ºs 40º, 50º, 70º, 71º, 73º, 74º do C. Penal e foi bastante além do necessário, quer para punir, quer para prevenir.

  18. Afastada a violação de tais normativos, não poderia ser aplicada ao arguido pena superior a cinco anos de prisão, suspensa na sua execução sujeita a regime de prova e sujeição do arguido a acompanhamento psiquiátrico ou psicológico, o que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
6 temas prácticos
6 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT