Acórdão nº 945/13.8T2AMD-A.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução25 de Maio de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. AA instaurou, em 01/08/2013, contra BB, por apenso a um processo de divórcio litigioso, então pendente, o presente processo de jurisdição voluntária a pedir que lhe fosse atribuída a casa de morada da família, a título de arrendamento para habitação, pelo prazo de dez anos, mediante a renda mensal de € 150,00, alegando, em síntese, que: .

Requerente e Requerido casaram reciprocamente em 05/06/2004, sob o regime de separação de bens, existindo dois filhos menores desse casamento; .

A casa de morada da família pertence à Requerente e ao Requerido, no regime de compropriedade; .

A Requerente saiu de casa em 2013, mas encontra-se desempregada, não possuindo outra casa, enquanto que o Requerido aufere mais de € 6.000,00 por mês.

2.

O Requerido deduziu oposição, sustentando que: .

A pretensão da Requerente não é o interesse dos filhos menores do casal nem corresponde à necessidade daquela, já que ela vive em casa dos pais e tem uma remuneração que lhe permite arrendar ou adquirir um imóvel para o efeito; .

A referida casa foi paga integralmente pelo Requerido. Concluiu pela improcedência do pedido.

3.

Na 1.ª instância, foi proferida a sentença de fls. 501-512, datada de 10/02/2016, a julgar a pretensão improcedente com a consequente absolvição do Requerido do pedido.

4.

Inconformada com tal decisão, a Requerente apelou daquela decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa, em sede de impugnação de facto e de direito, tendo sido proferido o acórdão de fls. 595-607, datado de 15/ 09/2016, em que, por unanimidade, foi julgada improcedente a apelação com a integral confirmação da sentença recorrida. 5.

Mais uma vez inconformada, a Requerente vem pedir revista, alegadamente ao abrigo do disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC e ainda, por via subsidiária, a título de revista excecional nos termos do disposto nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 672.º do mesmo Código, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - “Em 2013, motivado por um grande desgaste na relação e consequente afastamento entre o casal, a mãe saiu de casa com os dois filhos” (Relatório a fls. 235). Os menores "Provavelmente pelo que presenciaram, associam a aproximação entre os pais a situações de animosidade e conflito constantes pelo que preferem que estes não se vejam" (Idem fls. 237).

  1. - Em 23-5-2013, a A. saiu da casa de morada da família (facto 13), mas não foi por sua exclusiva vontade, foi porque nem ela nem os seus filhos estavam lá bem por vários atos cometidos; não foi por sua livre e exclusiva vontade; 3.ª - Tomou a decisão de sair uma vez que o ambiente entre os progenitores era de grande tensão com repercussões muito negativas sobre os filhos. O R. sentiu, com a separação, algum alívio e confirmou que o ambiente em casa era de muita tensão (Relatório a fls. 244). Acresce que não releva a culpa na rutura. O R. disse “ter sentido, com a separação, algum alívio uma vez que - confirmando - o ambiente em casa era de muita tensão” (Relatório a fls.

    244).

  2. - Se a A. então desempregada, em julho de 2013, estivesse na rua, se então não tivesse onde dar mínima guarida aos filhos não podia ter a guarda única nem a partilhada. Consta do documento de fls. 72 que a permanência em casa dos pais da A. seria por “todo o tempo que precisarem e for necessário”. Dois dias depois - em 1-8-2013 - a A. pediu a presente atribuição da casa de morada da família, por dela necessitar, que é compropriedade dela e do R., em partes iguais. A A. não podia ter a guarda única nem partilhada se não tivesse onde - a casa dos pais - se abrigar e aos dois filhos, então de 8 e 6 anos (Cfr. supracitado Ac. do STJ de 6-2-1992 – Ricardo da Velha).

  3. - Permanecerem a A. e os menores em casa dos pais daquela “enquanto precisarem e foi necessário” era até eles (o ex-casal) resolverem os problemas deles - até ser decidido o presente processo - porque um ex-casal tem problemas a resolver.

  4. - No ano fiscal de 2012, para efeitos de IRS, a A. declarou o rendimento bruto anual de € 27.638,68 e o R.

    o rendimento bruto anual de € 119.543,83 - ou € 9.961,99 mensais - facto 16. No ano de 2014 o R. declarou, para efeitos de IRS, o rendimento anual bruto de € 64.500,00 (€ 5.375,00 mensais) - facto 43. Nos meses de maio a outubro de 2015 o R. auferiu a remuneração líquida mensal de € 906,63, € 5.135,00, € 4.029,96, € 4.116,37, € 2.906,63 e € 4.116,3-, respetivamente - facto 44. Deve porém notar-se que à remuneração líquida de maio (€ 906,63), corresponde a ilíquida de € 6.628,20.

  5. - O R. ganha 4 a 5 vezes mais do que a A., que ganha só 20 a 25% do que ganha o R.. Se o R. pagar por uma casa para si e os filhos o correspondente a tudo quanto a Requerente ganha sobeja ainda ao R. - limpo ou líquido - 3 a 4 vezes mais do que aquilo que a A. ganha.

  6. - Por outro lado, ainda considerando a muito elevada situação económica do R. não faz sentido que os avós maternos sofram por parte do R. um confisco da sua casa, dela sendo ilegalmente expulsos e – com a agravante - sem que o R. dê às crianças as condições de habitabilidade e bem estar de que elas precisam para o seu normal desenvolvimento e que nenhuma razão há para que – sacrificando-as - lhas não conceda. É esta uma necessidade premente da A. e dos filhos.

  7. - Os factos descritos na conclusão 1.ª da apelação foram apurados e verificados nos depoimentos transcritos no ponto II, págs. 5 a 15 dessas alegações resultantes da instrução da causa – matéria nela averiguada, descoberta - com a maior relevância para a sua decisão e que o tribunal não pode desconsiderar, atento o disposto nos artigos 986.º, n.º 2, 990.º, n.º 3, e 5.º, n.º 2, do CPC. A A. cumpriu com rigor o art.º 640.º, procedendo no ponto II, págs. 5 a 15 das alegações de apelação à transcrição, com indicação exata das passagens da gravação, dos depoimentos de instrução donde esses factos resultam.

  8. - Nos processos de jurisdição voluntária, o princípio do inquisitório é assumido em toda a sua plenitude, sobrelevando ao princípio do dispositivo. O princípio do inquisitório onera o juiz com um poder vinculado ou poder-dever, que não um poder discricionário. Por consequência com uma operatividade que a não existir viola a lei; que o juiz está obrigado a conhecer destes factos, mesmo espontaneamente, está à margem de qualquer dúvida. O poder-dever existe e é vinculado; se o juiz não considerar estes factos assim revelados, não está a cumprir a lei.

  9. - Se o juiz não atende ao facto essencial não alegado e a parte não reage, não vindo ele a ser adquirido para a sentença (com a consequente improcedência da ação ou da exceção), só a apelação desta será passível de retificar a falta e suprir o erro (que o juiz cometeu). Nesta hipótese, o suprimento da falha operará por via de uma ampliação da matéria de facto, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. c), segmento final ou mediante a aquisição pelo próprio tribunal de recurso, nos termos do n.º 1, do mesmo artigo 662.º.

  10. - Trata-se de um poder-dever vinculado, quer aquele que adstringe o tribunal a adquirir factos essenciais não alegados, em certas circunstâncias, quer aquele que o adstringe a determinar as diligências necessárias à justa composição do litígio quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer. Como tal, salvo situações limite não aceitáveis, salvaguardadas pelo dispositivo e pela auto-responsabilidade, as situações vinculadas do inquisitório hão-de comportar, por princípio e para o interessado postergado, a apreciação recursória e o respetivo suprimento pelo tribunal da Relação.

    " 13.ª - A alegação da violação de normas de direito processual como fundamento do recurso de revista, nos termos do art.º 674.º, n.º 1, al. b), do NCPC justifica a interposição deste recurso de revista em que a Relação não cumpriu os deveres de reapreciação da decisão da matéria de facto nos termos previstos no art.º 662.º. A não ser assim, fulminar-se-ia um grau de jurisdição em situações, como a refletida nos autos, que são tão ou até mais relevantes do que as contidas numa mera leitura literal do último segmento do n.º 1 do art.º 671.º do NCPC; 14.ª - Atentos os princípios que regem o processo de jurisdição voluntária, pode e deve considerar-se na decisão da causa o constante dos Relatórios de fls. 232 a 249: “Em 2013, motivado por um grande desgaste na relação e consequente afastamento entre o casal, a mãe saiu de casa com os dois filhos” (Relatório a fls 235).

    Os menores “Provavelmente pelo que presenciaram, associam a aproximação entre os pais a situações de animosidade e conflito constantes pelo que preferem que estes não se vejam” (Idem fls 237) “decorridos 2 anos sobre a separação, mantém-se uma total falta de comunicação entre as progenitores condicionando e prejudicando o que são as suas responsabilidades parentais" (Idem fls 240).

  11. – Consta, designadamente da sentença transitada de divórcio que: «8. A A. saiu de casa no dia 23/05/2013; 9. Foi esta a segunda vez que saiu de casa; 10. Já não existia, à data em que a A. sair, de casa, harmonia familiar e felicidade no lar (...)» Dos factos provados resulta que: - Os cônjuges violaram os deveres conjugais de respeito, fidelidade e coabitação, uma vez que o R. dirigiu à A. expressões depreciativas e mantém um relacionamento afetivo com outra mulher na pendência do casamento - A A. abandonou a casa de morada de família, o que fez pela segunda vez).

    Deste modo a A. cumpriu o seu ónus de prova (art. 342.º/1 do CC), estando verificada a situação de rutura definitiva do casamento, prevista no art. 1781.º, al. d), do CC, podendo a A. requerer o divórcio e dispondo de legitimidade para tal (artigo 1785.º/1 do CC), pelo que a acção deve proceder.

    Também “Referiu a mãe ter tomado a decisão de sair uma vez que o ambiente entre os progenitores era de grande tensão com repercussões muito negativas sobre os filhos. Mencionou o pai ter sentido, com a separação, algum alívio uma ver que o ambiente em casa era de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
3 temas prácticos
3 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT