Acórdão nº 3958/07.5TVLSB.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelFERNANDA ISABEL PEREIRA
Data da Resolução25 de Maio de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório: AA e BB, intentaram, em 4 de Setembro de 2007, contra CC, DD e EE, a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário, pedindo que os réus fossem condenados a pagar-lhes, solidariamente, a quantia de € 50.478,34, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento.

Alegaram, para tanto, em síntese: Em Julho de 1994, os autores, juntamente com os réus CC e DD e ainda com FF e GG subscreveram, na qualidade de garantes da sociedade HH - Viagens e Turismo, SA, um pedido de garantia bancária, que esta formulou junto do Banco II, S.A., tendo aquela sociedade subscrito uma livrança em branco, avalizada pelas identificadas seis pessoas, enviada ao banco acompanhada de carta contendo autorização de preenchimento até ao limite de Esc. 75.000.000$00, também subscrita pelos avalistas.

Em 1996 foi declarada a insolvência de HH - Viagens e Turismo, SA., e, em 2001, o Banco II foi incorporado na Caixa JJ, S.A.

No processo de insolvência apurou-se um crédito da Caixa JJ, SA, no montante de € 575.754.33, emergente dos negócios jurídicos referidos, do qual a mesma recebeu apenas € 18.276,33.

Em Maio de 2004 a Caixa JJ, SA, informou os autores de que autorizava a exoneração da responsabilidade dos avalistas desde que, no prazo de oito dias, fosse feita a entrega da quantia de € 126.195,87, acrescida do remanescente relativo a obrigações de capital não recebidas pela Caixa JJ no âmbito do processo falimentar, tendo os autores pago a quantia de € 84.779,87, correspondente à sua quota-parte de € 25.239,17 e às quotas-partes dos réus CC, DD, os quais nada pagaram.

A ré EE vive em comunhão de leito mesa e habitação com o réu DD desde, pelo menos, 1984, e a dívida foi contraída no exercício do comércio deste.

Ainda antes da contestação os autores ampliaram o pedido para o montante de € 56.992,34 com fundamento em que haviam pago no dia 03-10-2007, o montante de € 12.871,25, cada um, à Caixa JJ, a título de remanescente das obrigações de capital, sendo que cabia a cada um dos avalistas € 6.514,00, pelo que pretendem receber dos réus, que nada pagaram, também esta quantia, que liquidaram para além do que lhes cabia.

Os réus contestaram, por excepção, invocando a ilegitimidade da ré EE, e por impugnação, alegando desconhecerem os pagamentos referidos pelos autores e afirmando serem alheios às negociações realizadas entre os ora autores e o banco, o qual nunca os interpelou para satisfazerem créditos sobre a HH garantidos por aval.

Mais alegaram que a livrança subscrita não se mostra preenchida, não podendo fundar, como título de crédito, o direito de regresso dos autores contra os réus, e que a fiança invocada, sendo reportada a uma garantia bancária, caducou na mesma data da garantia.

Alegaram ainda que o banco credor recebeu, no âmbito da falência, € 369.093,27. E os avalistas são seis, e não apenas cinco, pelo que a cada um apenas caberia pagar o montante de € 21.032,65.

Houve réplica, reiterando os autores o alegado na petição inicial.

E os réus treplicaram, respondendo à ampliação do pedido.

Foi indeferida a apensação da acção, intentada pelo co-avalista GG contra os aqui réus, em que este, com base nos mesmos factos e alegando ter pago a quantia de € 47.631,01 à Caixa JJ, sendo a sua quota-parte apenas no valor de € 21.300,66, pedia a condenação dos réus no pagamento deste montante.

Os réus agravaram deste despacho, recurso que foi admitido com subida diferida.

Tendo falecido, entretanto, o autor AA, foram habilitados, como seus sucessores, a autora sobreviva e os filhos daquele, KK, LL, MM e NN.

No saneador foi julgada procedente a excepção dilatória de ilegitimidade da ré EE, que foi absolvida da instância.

Considerando o decidido na aludida acção, vieram os réus defender (fls. 434 e ss.) que as questões ali decididas não poderiam ser reapreciadas na presente acção por a tal obstar a autoridade do caso julgado.

Os autores opuseram que não existe identidade de sujeitos nas duas acções; que a absolvição dos réus na outra acção foi, essencialmente, fundada em falta de prova; e que a presente acção não é fundada apenas na livrança.

Seguiu-se, a fls. 473, despacho nos seguintes termos: «Fls. 434, 466 e 471: como decorre da própria exposição dos RR não se verifica a tríplice identidade que funda a figura do caso julgado, nos termos do art. 407 e segs, actualmente com colo legal no art. 580 e segs. do NCPC. Termos em que, sem necessidade de mais espraiados considerandos, se indefere a pretensão dos RR.

» Realizado julgamento, foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente, com fundamento em enriquecimento sem causa, e condenar, cada um dos réus, a pagar aos autores a quantia de € 22.495,21, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento.

Inconformados, apelaram os réus, suscitando, para além do mais e no que ora releva, a apreciação das seguintes questões: - Não tendo a presente acção sido fundada em enriquecimento sem causa, nem tendo sido alegada matéria de facto nesse sentido, o tribunal não podia ter decidido com esse fundamento.

- Nem estão verificados os pressupostos do enriquecimento sem causa.

- A fundamentação da decisão em enriquecimento sem causa constitui uma questão nova, não contida no recorte inicial da acção nem comportável por ela, sobre a qual os réus não tiveram a oportunidade de se defender, não tendo sido assegurado o direito de contraditório.

- Não se mostra fundada a condenação no pagamento de juros desde a citação.

Os apelados, contra-alegaram, após o que foi proferido acórdão onde: - Foi julgada finda, por inutilidade superveniente da lide, a instância do recurso de agravo interposto pelos réus do despacho que não admitira a apensação da outra acção, entretanto decidida com trânsito em julgado.

- Foi julgada verificada a nulidade processual consubstanciada na falta de audição das partes sobre a fundamentação da decisão recorrida em enriquecimento sem causa, tendo sido anulada a decisão recorrida e determinado o prosseguimento dos autos com a audição omitida.

No seguimento, os autores vieram defender que lhes deve ser reconhecido o direito de receberem, de cada um dos réus a quantia de € 22.495,21, a título de enriquecimento sem causa.

E que esse direito não prescreveu, uma vez que, atenta a sua natureza subsidiária, o enriquecimento sem causa não podia ter sido invocado enquanto existissem outras possibilidades legais de obter o pagamento das quantias reclamadas.

Pelo que o prazo de prescrição apenas deve ser contado da sentença proferida nos presentes autos, que declarou nula a fiança e inexistente a obrigação cambiária dos réus.

Por seu turno, os réus reproduziram parte das suas alegações do anterior recurso, defendendo, em síntese: - A autoridade do caso julgado formado pela decisão proferida no processo n.º 1157/09.0YXLSB, também abrange o fundamento “enriquecimento sem causa”.

- A presente acção não foi fundada em enriquecimento sem causa, nem foi alegada matéria de facto nesse sentido, pelo que o tribunal não podia ter decidido com esse fundamento.

- Não estão verificados os pressupostos do enriquecimento sem causa.

- À cautela, invocam a prescrição de qualquer restituição por enriquecimento sem causa, devendo aquele prazo contar-se a partir do momento em que os autores consideraram verificado o enriquecimento.

Foi proferida sentença, que reproduziu a decisão anterior, com idêntica fundamentação, sem qualquer referência ao anterior acórdão, nem à oposição deduzida pelos réus em relação à fundamentação da decisão no instituto do enriquecimento sem causa.

Apelaram, de novo, os réus.

O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 29 de Setembro de 2016, julgou a apelação parcialmente procedente, «alterando-se a decisão recorrida no sentido de condenar cada um dos réus a pagar aos autores a quantia de € 17.870,00 (dezassete mil, oitocentos e setenta euros), acrescida de juros, contados à taxa supletiva legal, ora de 4% ao ano, sobre o montante de € 12.434,38, desde a citação, e sobre a totalidade de 17.870,00 desde 24-12-2007até pagamento».

Ainda irresignados, recorreram os réus de revista.

Na respectiva alegação formularam, no que aqui releva, as seguintes conclusões: I - A matéria de 14, 15, 16 e 17 que sustenta o Acórdão recorrido prova-se por certidão, donde resulta violado o artigo 607°, n° 5 do Código de Processo Civil (e idênticas disposições das duas anteriores versões do antigo Código, se se entenderem aplicáveis), redundando nas nulidades referidas em b) e d) do n° 1 do artigo 615° do Código de Processo Civil, devendo tais pontos ter-se por não escritos.

III - A nova versão de 33 que sustenta o Acórdão recorrido, "O impresso de livrança junto por cópia como documento 3 à petição inicial não chegou a ser preenchido pela Caixa JJ" (pp. 13 do Acórdão recorrido), deveria ter sido transposta para o elenco factual que termina a pp. 23 do mesmo Acórdão, traduzindo-se essa não transcrição em nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão de facto (alínea c) do artigo 615° do Código de Processo Civil), de que este Tribunal pode conhecer.

IV - Em vão se escalpelizará a petição inicial ou a réplica, onde foi feita a ampliação do pedido, à procura de factos ou de razões de Direito que pudessem minimamente sustentar uma decisão no sentido do enriquecimento sem causa, portanto, o Tribunal a quo não está correcto ao transmitir a ideia de que nada lá falta excepto a qualificação jurídica.

VII - Se o Tribunal a quo entendeu, correctamente, que o processo tinha de baixar, foi precisamente porque se estava perante um tema novo, pois só um tema novo teria susceptibilidade de influir na decisão da causa, uma vez que se tudo já resultasse claro das peças processuais, a influência na decisão da causa estaria limitada a essas peças e, portanto, os contraditórios já estariam todos exercidos.

VIII - Desse ponto de vista, quando...

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