Acórdão nº 3018/14.2TBVFX.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução20 de Dezembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. AA e cônjuge BB (A.A.), beneficiando de apoio judiciário, intentaram, em 01/10/2001, ação de declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra: - CC (1.º R.) e cônjuge DD (2.ª R.); - EE (3.º R.) e cônjuge FF (4.ª R.); - GG (5.º R.).

Alegaram, no essencial, que: - Os A.A. são proprietários de três prédios urbanos e de um prédio rústico, sitos no Casal do …, em Vila Franca de Xira, registados na respetiva Conservatória do Registo Predial, e pediram um financiamento ao Fundo do Turismo, dando como garantia a hipoteca sobre tais prédios; - Em determinada altura, os A.A., na qualidade de devedores daquela entidade, foram demandados por esta em sede de execução fiscal, na Repartição de Finanças de Vila …, que correu termos no processo n.º 1597-92/1602.8; - Nessa execução, os referidos prédios foram vendidos ao 1.º R. CC mediante negociação particular em 16/07/1996; - Por sua vez, os 1.º e 2.ª R.R. venderam tais prédios aos 3.º e 5.º R.R. EE e GG, em 09/ 06/1999; - Porém, a referida venda executiva foi anulada por sentença do Tribunal Tributário da 1.ª Instância de Lisboa, de 06/12/2000, no âmbito do processo de anulação n.º 1/98, a requerimento do Fundo do Turismo, tendo os sobreditos prédios voltado à titularidade dos A.A.; - Todos os R.R. tinham conhecimento do processo de anulação da venda executiva, pelo que as vendas realizadas pelos 1.º e 2.ª R.R. aos 3.º e 5.º R.R. foram efetuadas de má fé; - À data da entrada da ação, o valor dos imóveis com as construções que os A.A. lá fizeram ascendia a mais de 400 milhões de escudos, fora deteriorações ou benfeitorias que, em concreto, os A.A. não conhecem mas que são da responsabilidade dos R.R. que agiram com culpa ao fazerem obras na fase precária dos três anos a que se refere o artigo 291.º do CC, adulterando o projeto dos A.A. aprovado para construção a um complexo turístico.

Pedem os A.A.: A – Em primeira linha, que: a) - sejam declarados os efeitos civis e de caso julgado da sentença de anulação da venda dos prédios em referência ao 1.º R., proferida pelo Tribunal Tributário, declarando-se que este não é proprietário nem nunca o foi; b) - seja declarada a nulidade da aquisição pelos 3.º e 5.º R.R., na sequência da sobredita anulação; B - Subsidiariamente, que sejam anuladas as aquisições feitas pelos 3.º e 5.º R.R., por terem adquirido, face ao art.º 291.º CC, com má-fé; C – A desocupação dos imóveis em causa, por parte dos 3.º, 4.ª e 5.º R.R., e a sua entrega, devolutos, aos A.A., a serem investidos na posse dos quatro prédios vendidos; D - O cancelamento de todos os registos prediais em vigor, quanto aos quarto prédios indicados, efetuados a favor dos 3.º e 5.º R.R.; E - Se for impossível a reintegração in natura, sejam condenados os R.R. a pagar aos A.A. a indemnização de 400.000.000$00; F - Sejam os R.R. condenados a pagar aos A.A. uma indemnização a liquidar em execução de sentença pelos demais danos que não se indemnizarem pela simples entrega dos imóveis ou o seu valor, sendo esta parte da indemnização a acrescer à entrega da propriedade ou do seu valor.

  1. Os 1.º e 2.ª R.R., CC e DD, apresentaram contestação a invocar a exceção de incompetência absoluta do tribunal judicial por considerarem que a competência cabia aos tribunais tributários, estando em causa a execução ou a oponibilidade a uma sentença dum tribunal tributário, e a sustentar, subsidiariamente, que a ação deve ser julgada improcedente, porquanto: - Os A.A. instauraram a referida ação muito para lá do prazo de 30 dias a que se reporta o art.º 909.º, n.º 3, do CPC e não depositaram à ordem do tribunal o preço e as despesas da compra anulada; - À data em que compraram os imóveis, estes estavam inscritos a favor dos A.A., não havendo nenhum impedimento à realização da venda, e mesmo quando se efetuou a venda aos 3.° e 5.º R.R., não existia nenhum registo quanto à ação de anulação, da qual desconheciam a existência; - Só em meados de julho de 1999, aquando do registo a favor dos 3.º e 5.º R.R., é que os 1.º e 2.ª R.R. tomaram conhecimento de que o registo predial evidenciava uma série de inscrições, entre elas a da apresentação n.º 18 de 30/4/1999, referente ao registo em termos provisórios da ação de anulação da compra e venda decorrente de execução fiscal, mas mostrando-se tal registo caduco em 12/5/2000; - As escrituras celebradas com o 3.º e 5.º R.R. foram instruídas com certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial de Vila …, da qual não resultava qualquer ação de anulação da venda; - A sentença de anulação da venda foi proferida em 06/12/2000, após a venda aos 3.° e 5.º R.R., tendo sido proferida sem o conhecimento dos 1.º e 2.ª R.R., pelo que não lhes pode ser oposta.

  2. Os 3.º e 4.ª R.R., EE e FF, e o 5.º R., GG, também contestaram, deduzindo igualmente a exceção de incompetência absoluta em razão da matéria e sustentando também, subsidiariamente: - A caducidade do direito dos A.A. à restituição dos bens vendidos, com direito apenas ao preço pago pelos arrematantes e apenas em sede de execução fiscal; - A improcedência da ação essencialmente nos termos em que os 1.º e 2.ª R.R. o fizeram e alegando que desconheciam em absoluto a existência da ação de anulação, estando por isso de boa fé.

  3. Além disso, para o caso de a ação vir a ser julgada procedente, os 3.º, 4.ª e 5.º R.R. deduziram pretensões reconvencionais a pedir que: a) - seja declarado que adquiriram a propriedade dos prédios nos termos do art.º 1340.º do CC, sem prejuízo do pagamento previsto na parte final do preceito; b) - subsidiariamente, sejam condenados os A.A. a pagar-lhes a quantia de € 1.217.000,00, correspondente ao valor das obras e construções por eles efetuadas nos prédios em causa, por aplicação conjugada do disposto nos artigos 1273.º e 479.º, n.º 1, do CC; c) - seja declarada a existência do direito de retenção daqueles R.R. sobre os prédios pelo valor do crédito resultante das despesas que neles efetuaram, nos termos conjugados dos artigos 1273.º e 754.º do CC; d) - subsidiariamente, sejam os A.A. condenados a restituir o valor das obras e construções efetuadas, nos termos do instituto do enriquecimento sem causa, no valor de € 1.217.000,00, ao abrigo do disposto nos artigos 473.º, n.º 1, e 479.º CC, sem prejuízo do direito de retenção.

    Para tanto, alegaram que: - Os prédios lhes foram apenas entregues nas datas das escrituras de compra e venda e se encontravam em situação de ruína e mato, não apresentando vestígios de neles terem sido feitas as obras a que os AA. se referem, não valendo o conjunto imobiliário, então, senão o valor que pagaram de 22.000.000$00 (€ 109.735,53); - Realizaram de boa fé várias obras, nomeadamente a construção de edifícios, os quais têm um valor superior ao valor dos prédios – ascendendo as obras ao valor de € 1.217.000,00 -, sendo que o valor dos prédios com as obras se eleva a não menos de € 1.750.000,00.

  4. Os A.A. apresentaram réplica, em que responderam às exceções no sentido da sua improcedência e impugnaram os factos que servem de fundamento às pretensões reconvencionais dos 3.°, 4.ª e 5.º R.R., alegando que: - Investiram 170 mil contos na Quinta …; - Resulta de certidão emanada do então Fundo de Turismo que aqueles R.R. utilizaram o empréstimo que lhes foi concedido na quantia de 43.700.000$00; - O valor médio do metro quadrado na zona em causa, em 1996, era de 37 contos; - Os 3.º e 5.º R.R. sinalizaram a compra logo no ano seguinte ao da aquisição pelos 1.º e 2.ª R.R. com a quantia de 2 milhões de escudos, e começaram de imediato a construir; - Nada é devido aos mesmos R.R. em função dessas obras, porque estavam de má fé e porque as mesmas não podem ser consideradas benfeitorias necessárias ou úteis, na medida em que as construções alteraram a substância da coisa, tendo sido feitas no interesse da atividade económica dos 3º e 5.º R.R.

  5. Os 3.º, 4.ª e 5. º R.R. replicaram a impugnar os factos alegados pelos A.A. quanto ao pedido reconvencional, mantendo o alegado na contestação/reconvenção.

  6. Seguidamente, a instância foi suspensa em 06/12/2002 (fls. 565) a aguardar o registo da ação, efetuado em 05/03/2003, e seguidamente até que fosse proferida decisão com trânsito em julgado no processo n.º 6772/ 02 a correr termos do TCA. 8.

    Entretanto a requerida anulação da venda executiva pendente no TAF de Lisboa só foi resolvida definitivamente por acórdão do TCA do Sul, transitado em julgado em 12/05/2008 (fls. 1192-1208), que confirmou a sentença do TAF de Lisboa que anulou a referida venda.

  7. Cessada a suspensão da instância em 12/10/2009, foi proferido despacho saneador a julgar improcedente a exceção de incompetência material deduzida, procedendo-se à seleção da matéria de facto tida por relevante com organização da base instrutória (fls. 1234-1303, Vol. VI).

  8. Entretanto, os 1.º e 2.º R.R. deduziram embargos de terceiro que correu termos no processo n.º 1981/08.1BELRS no Tribunal Tributário de Lisboa e que veio a ser decidido por sentença, de 05/09/2011, a julgar parcialmente procedentes os embargos, ordenando ao órgão de execução fiscal que, no âmbito da execução n.º 1597-92/160212.8, se abstivesse de penhorar ou de realizar qualquer outro ato de apreensão ou entrega de bens relativamente aos prédios em causa até decisão transitada em julgado na presente ação e caso a mesma reconheça o direito de propriedade dos ali embargados.

  9. No seu requerimento probatório, os 3.º, 4.º e 5.º R.R. requereram a realização de perícia, a que aderiu o 3.º R, cujo objeto foi ampliado pelos A.A., tendo sido, em 07/12/2012, junto aos autos o respetivo relatório de peritagem (fls. 1970 e segs. - Vol. 10.º).

  10. Notificados do resultado da perícia, vieram os 3.º e 4.ª R.R. requerer segunda perícia (fls. 2076), com a oposição dos A.A., o que foi indeferido pelo despacho de 27/6/2013 (fls. 2218-2222 – Vol. 11.º), tendo aqueles R.R. interposto recurso de agravo, admitido com subida diferida (fls. 2226).

  11. ...

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