Acórdão nº 34/11.0TBMTR.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelCABRAL TAVARES
Data da Resolução20 de Dezembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. O Conselho Diretivo dos Baldios de ... intentou ação contra AA, S.A.

, pedindo a condenação desta a (i) reconhecer que ocupa espaço aéreo do autor com a implantação de seis torres destinadas a produção de energia eólica; (ii) pagar uma indemnização anual ao autor pela ocupação desse espaço, na proporção de 3.740,00 Euros por cada torre, para além de juros moratórios; (iii) pagar uma indemnização ao autor de 10.000,00 Euros, para ressarcimento dos prejuízos sofridos por esta pela não fruição plena dos seus terrenos.

Fundamentou a sua pretensão alegando ter celebrado com BB um contrato de cessão de exploração dos Baldios de ..., por força do qual o segundo pagaria por cada torre e como contrapartida da ocupação do solo, um valor de 2.500,00 Euros até estar concluído o estudo e licenciamento do parque e o valor de 3.740,00 Euros, a partir daí; em 15.03.2006, tomou conhecimento que o referido BB cedeu a sua posição contratual à Ré, tendo esta iniciado a construção de um parque eólico, com a instalação de seis ventoinhas, sendo que apenas tem vindo a pagar a indemnização relativa a uma das ventoinhas.

Mais alegou que no contrato celebrado com BB, apenas se cedia o direito de servidão para passagem de pessoas, máquinas, linhas elétricas e meios de ligação, já não uma servidão para ocupação do espaço aéreo pelas hélices das torres.

A CC, S.A.

requereu a sua intervenção principal espontânea, com fundamento em que a Ré lhe cedeu a sua posição contratual no contrato debatido nos autos, intervenção essa que veio a ser admitida.

A interveniente deduziu contestação, por exceção e por impugnação.

A Ré manifestou a sua adesão ao requerimento da Interveniente.

Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que decidiu (i) condenar a interveniente CC, S.A.

(i.i) a reconhecer que ocupa o espaço aéreo dos AA., com a implantação de 5 torres destinadas a produção de energia eólica e (i.ii) a pagar a estes uma quantia anual de 3.740,00 Euros por cada uma das cinco torres aerogeradoras que ocupam o espaço aéreo dos seus terrenos, num total anual de 18.700,00 Euros; (ii) absolver a mesma interveniente dos demais pedidos dos AA. e (iii) absolvendo a Ré AA dos pedidos formulados pelos AA.» 2. Apelou a interveniente.

Proferido acórdão pela Relação, julgando procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e absolvendo a interveniente Ré de todos os pedidos formulados pelo Autor.

  1. O Autor pede, agora, revista.

    Formula, a final da alegação, as seguintes conclusões.

    1. Por acórdão datado de 2 de fevereiro de 2017, foi decidido pelo tribunal a quo, o Tribunal da Relação de Guimarães, julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e decidindo-se agora absolver a ré integralmente dos pedidos formulados pelo autor; 2. Entende o Tribunal da Relação de Guimarães, que as "utilidades" proporcionadas pelas servidões prediais são prespetivadas em função dos proveitos que trazem ao prédio dominante, e não em função da pessoa/entidade que em cada momento seja o seu proprietário. Pese embora este posso disfrutar da "utilidade" proporcionada, a trave mestra da servidão implica sempre que o proveito é constituído de forma imediata ao prédio e só de forma mediata ao seu proprietário; 3. Entende também que num contrato de cessão de exploração de terrenos baldios cuja finalidade é a “implantação de sistemas de produção de energia eólica, que compreende todo o conjunto de aerogeradores, estações de acumulação e/ou transformação, postes, linhas de transporte e meios de ligação, bem como sistemas de armazenamento e transformação", sabendo-se que os aerogeradores são constituídos por torres implantadas no solo, com vários metros de altura, encimadas pelas ditas hélices, também elas com vários metros, não pode deixar de se concluir que no âmbito do contrato também está incluído o espaço aéreo correspondente aos terrenos; 4. Entende ainda que, perante a necessidade de integração de lacunas contratuais, opera-se com a vontade hipotética ou conjetural das partes, sem deixar de atender ao equilibro contratual e às regras de boa fé (artigo 239.° do C.C.), mas sempre com o limite do domínio negocial traçado pelas partes, e que os limites impostos pelo n.° 2 do artigo 1344.° do C.C. à plena in re potestas em termos de espaço aéreo (o proprietário não pode proibir os atos de terceiro que, pela altura a que tenham lugar, não haja interesse em impedir) devem ser avaliados tendo como referente a função social exercida pelo direito de propriedade e a ponderação dos interesses que estiveram em conflito; 5. Tendo-se demonstrado que o aerogerador n.° 4 apenas ocupa os terrenos dos Baldios de ..., restava apurar se é devida "indemnização" ao Autor pela ocupação do espaço aéreo das ventoinhas dos outros quatro aerogeradores; 6. Nos termos do contrato apenas se prevê que, uma vez construído o parque eólico, a contraprestação da ré será o pagamento de € 3.740,00 por cada torre instalada (cláusula 4.ª); 7. Por outro lado, resulta da cláusula 2.ª do contrato que a finalidade do mesmo era a “implantação de sistemas de produção de energia eólica, que compreende todo o conjunto de aerogeradores, estações de acumulação e/ou transformação, postes, linhas de transporte e meios de ligação, bem como sistemas de armazenamento e transformação", não estando aqui incluída a exploração do espaço aéreo; 8. Entende erradamente o tribunal a quo quando conclui que as regras da boa fé não permitem que a ré seja condenada ao pretendido pagamento no âmbito do cumprimento das obrigações, já que nenhuma das obrigações assumidas se mostra incumprida, nem a integração da declaração negocial permite concluir pela obrigação de pagamento nos termos pretendido pelo autor; 9. Como resultou provado em sede de primeira instância, a 6 de abril de 2009, a ré AA celebrou um contrato com a interveniente CC, S.A., que denominaram de "cessão de posição contratual (parque eólico de Montalegre)", contrato esse do qual fazem parte integrante os contratos efetivamente cedidos à aqui ré; 10. Com base na predita cessão da posição contratual, a ré não apresentou contestação no prazo legalmente estabelecido para o efeito, tendo sido suscitado incidente de intervenção principal espontânea da CC, no qual se alega tal cessão, sendo este o argumento principal em que se escusou esta ultima na sua defesa diante do presente processo; 11. Analisando os documentos juntos com o incidente de intervenção/contestação apresentado, nomeadamente o Anexo I do Documento n.° 1, verificamos que a cessão, base alegada com vista a uma eventual ilegitimidade passiva da ré - que não logrou sucesso -, abrange somente os contratos de cessão de exploração de ..., e não o contrato relativo a ...; 12. Uma vez que a cessão de posição contratual não operou quanto aos contratos de ..., deveria a ré contestado no prazo legal, o que não fez, pelo que nos termos do disposto nos artigos 566.° e 567,° do Código de Processo Civil, se consideram confessados os fatos articulados pela autora; 13. Deveremos atentar no disposto no artigo 574.° do Código de Processo Civil, com a epígrafe "ónus de impugnação", de acordo com o qual "ao contestar, deve o Réu tomar posição definida perante os fatos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor"; 14. Verifica-se estarmos diante de uma errónea interpretação da lei processual civil, nomeadamente no que concerne aos seus artigos 566.° e 567.°, o que aqui expressamente se invoca, pelo que deveria terem sido julgados todos os factos articulados pelo autor porque não contestados pela ré; 15. De acordo com o disposto no artigo 1305.° do Código Civil, "o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com a observância das restrições por ela impostas"; 16. O n.° 1 do artigo 1344.° do Código Civil estipula que "a propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou por negócio jurídico", acrescentando o seu n.° 2 que "o proprietário não pode, todavia, proibir os actos de terceiro que, pela altura ou profundidade a que têm lugar, não haja interesse em impedir"; 17. Embora do contrato celebrado pelas partes não se possa ver estabelecido nada em concreto relativamente ao espaço aéreo ocupado, se deve fazer aqui a interpretação das suas declarações; 18. O acórdão proferido pelo tribunal a quo baseia o seu entendimento no disposto no artigo 239.° do Código Civil. Todavia, somos...

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