Acórdão nº 3649/13.8TTLSB.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelGONÇALVES ROCHA
Data da Resolução06 de Dezembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1---- AA intentou a presente acção com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra BB, SA, peticionando que se reconheça que resolveu o contrato de trabalho vigente entre as partes com fundamento em justa causa e que a R lhe pague a indemnização de antiguidade no montante de 39.453,31 euros, uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de 3.500 euros, bem como outros créditos laborais em dívida.

Alegou para tanto que, mantendo um contrato de trabalho com a R, comunicou-lhe a resolução com justa causa em virtude de não lhe serem pagas determinadas quantias, de lhe ter sido reduzida a retribuição, de lhe ter sido comunicada a mudança unilateral de local de trabalho, bem como uma alteração do horário, com o que sofreu também danos morais.

Na contestação, a Ré veio impugnar a justa causa invocada para a resolução do contrato, mais alegando que, na data da cessação da relação laboral, todos os créditos laborais devidos à trabalhadora lhe haviam sido pagos. E deduzindo reconvenção, pediu a condenação da A no pagamento da quantia de 50 000 euros para compensar os danos alegadamente causados na imagem da loja de ... resultantes das suas atitudes de falta de zelo e de profissionalismo.

Realizada audiência de discussão e julgamento, veio a ser proferida sentença que: a) Absolveu a Ré de todo o peticionado pela Autora; b) Absolveu a Autora do pedido reconvencional formulado pela Ré.

Inconformada, apelou a A, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa acordado em julgar a apelação parcialmente procedente, vindo assim a: 1) Modificar a decisão de facto; 2) Condenar a Apelada no pagamento à Apelante: a) Da quantia de trinta e três mil e oitocentos euros e sessenta e sete cêntimos (33.800,67 euros, valor que foi posteriormente alterado para 33.131,3 7 euros), acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4%, desde a data de vencimento das prestações relativas a férias e subsídios de férias e de Natal até integral pagamento; b) Da quantia de catorze mil e sessenta e cinco euros (14.065,00), acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4% desde 2/10/2013 até integral pagamento.

3) Revogar, em conformidade, a sentença, designadamente, reconhecendo a licitude da resolução do contrato de trabalho promovida pela A. com justa causa.

Inconformada, veio a R interpor recurso de revista e arguir a nulidade do acórdão, questão que foi parcialmente deferida pela Relação, vindo a alterar-se o ponto 2- a) do decisório nos seguintes termos: - Condenar a Apelada no pagamento à Apelante: Da quantia de trinta e três mil cento e trinta e um euros e trinta e sete cêntimos (33.131,3 7 euros), acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4%, desde a data de vencimento das prestações relativas a férias e subsídios de férias e de Natal até integral pagamento.

E rematou a sua alegação com as seguintes conclusões: 1 - O acórdão recorrido incorre em erro material, já que, de acordo com documentos juntos aos autos, o Recorrente é uma sociedade anónima e não limitada.

2 - O acórdão recorrido, tal como consta do requerimento de interposição de recurso padece da nulidade prevista no artigo 615º, n.° 1, ali. c) do CPC, pois os seus fundamentos encontram-se em oposição com a decisão, na medida em que apenas responsabiliza a Recorrente a partir de Setembro de 2002, mas veio a condená-la a pagar montantes de diferenças de retribuições relativamente a todo o ano de 2002.

3 - De acordo com o documento da Segurança Social junto aos autos em Janeiro de 2015, os montantes dos diferenciais de férias, subsídios de férias e de Natal por repercussão das comissões por vendas e trabalhos técnicos efectuados pela A, encontram-se pagos, pelo menos, no montante de € 11.631,78, sendo que o acórdão recorrido desconsiderou este documento autêntico, que faz prova plena dos montantes pagos e a que título, apenas relevando outro documento da Segurança Social que não tem essa virtualidade (por só se referir a valores globais e não discriminados), tendo violado as regras de produção da prova constantes dos artigos 362º e seguintes do CCivil.

4 - Encontra-se pois, junto aos autos documento que, nos termos do artigo 616º, n.º 2, alínea b), impunha decisão diversa da constante do douto acórdão recorrido.

5 - Ao desconsiderar o documento autêntico da Segurança Social acima referido, o douto acórdão recorrido violou, igualmente, o Código Contributivo da Segurança Social, que fixa a base de incidência, e respectivos códigos de valor.

6- Deste modo, o acórdão recorrido incorreu em erros de direito e violação de normas e princípios jurídicos, sendo sindicável, nos termos dos artigos 616º e 674º, ambos do CPC, pelo STJ.

7- Por outro lado, o douto acórdão recorrido plasma, integralmente, a contabilidade efectuada pela A. para condenar o R. no pagamento de € 33.800,67, sendo que tais contas estão erradas, mesmo da perspectiva do acórdão recorrido, não sendo, mesmo nesta perspectiva, que não se aceita, devido este montante.

8 - A resolução do contrato de trabalho foi efectuada pela recorrida sem justa causa, razão por que o acórdão recorrido violou o disposto no artigo 394º, nº 2, alínea a) e nº 4, com referência ao artigo 351º, nº 3, ambos do CT; 9 - A interpretação do nº 4 do artigo 394º do Código do Trabalho, sufragada pelo Tribunal recorrido, viola o princípio fundamental da "liberdade de iniciativa e de organização empresarial" e o dever do Estado de "incentivar a actividade empresarial", consagrado nos artigos 80º, alínea c) e 86º, nº 1, respectivamente da CRP, de harmonia com o princípio da interpretação da lei em conformidade com a Constituição.

10 - Admitindo, sem conceder, que a recorrida tivesse o direito de resolver o contrato, jamais teria direito à indemnização prevista no artigo 396º, do CT, por existir abuso de direito, tal como vem definido no artigo 334º do Código Civil, o qual é de conhecimento oficioso.

Pede assim que se conceda a revista, revogando-se o Acórdão recorrido e absolvendo-se a recorrida.

A recorrida também alegou pugnando pela confirmação do julgado.

O Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, nos termos de artigo 87º/3 do CPT, no sentido da improcedência da revista, que, devidamente notificado, não suscitou qualquer resposta das partes. Cumpre assim decidir.

2---- Para tanto, a Relação fixou a seguinte matéria de facto: 1-A sociedade BB, SA dedica-se à actividade de prestação de serviços de cabeleireiro, “manicure”, pédicure, massagem, estética e actividades de manutenção física, possuindo e explorando comercialmente múltiplos estabelecimentos de cabeleireiro, sob a insígnia CC; 2-A A é cabeleireira e foi admitida em 01.02.1992, para desempenhar essas funções na empresa José e CC, Ld.ª que à data explorava a marca CC Cabeleireiros; 3-A A esteve ao serviço dessa entidade até 17 de Setembro de 2002; 4- Dessa empresa referida em 2), eram sócios DD e CC (docs. 2 e 3); 5- A A, entre 01.02.1992 e 17.09.2002, trabalhou na loja de ... que, à data, era explorada por aquela sociedade; 6- A partir de Setembro de 2002, a A passou a trabalhar na loja da Ré sita no ...; 7- Com data aposta de 18.09.2002, foi outorgado entre a Autora e a sociedade “Cabeleireiro CC, Ld.ª”, o contrato denominado de "Contrato Individual de Trabalho" cujo teor é o que consta de fls. 39 e ss. designadamente: "(-) CLÁUSULA SEGUNDA (Local de Trabalho) 2.O Segundo Outorgante exercerá a sua função em qualquer lugar onde a firma exerça a sua actividade, dentro do território nacional.

  1. Inicialmente o Segundo Outorgante exercerá a sua actividade profissional no Concelho de Lisboa.

  2. O Segundo Outorgante aceita expressamente, dando, desde já, a sua autorização para que lhe seja alterado o local de trabalho, suportando a Primeira Outorgante as despesas acrescidas e directamente impostas pela mesma transferência.

(...) CLÁUSULA TERCEIRA (Duração do Trabalho) (...) 2. O Horário de Trabalho será definido, nos termos legais, pela Entidade Empregadora.

(...) CLÁUSULA NONA (Antiguidade) Os Outorgantes acordam que, para efeitos de antiguidade e para salvaguarda dos direitos e deveres de ambas as partes, a Segunda Outorgante é considerada trabalhadora do Primeiro Outorgante desde o dia 01 de Fevereiro de 1992.

Local de Trabalho: ... - …, … … - Loja … … (...) Data da Celebração do Contrato (...): 18 de Setembro de 2002.

Remuneração Eur: 374,10 (trezentos e setenta e quatro euros e dez cêntimos) mensais, mais subsídio de alimentação. A que acresce uma comissão variável por objectivos.

(...) Instrumento de Regulamentação Colectiva: Contrato Colectivo de Trabalho aplicável ao sector e celebrado entre o Sindicato de Trabalhadores Barbeiros, cabeleireiros e Ofícios Correlativos e a Associação dos Cabeleireiros e Barbeiros do Sul (actual Associação Portuguesa de Barbearias, Cabeleireiros e Institutos de Beleza) publicado no BTE n° 28 de 29 de Julho de 1977, com as alterações introduzidas pelas revisões do mesmo, publicadas nos BTEs: - n.° 9 de 8 de Março de 1991 - n.° 28 de 29 de Julho de 1986 - n° 28 de 29 de Julho de 1988 - n.° 5 de 8 de Fevereiro de 1994 - n.° 16 de 29 de Abril de 1996 - n° 25 de 8 de Julho de 1997 -n.° 25 de 8 de Julho de 1998 - n.° 29 de 8 de Agosto de 1999 - n.° 8 de 28 de Fevereiro de 2001, sendo aplicável ao trabalhador todos os direitos e obrigações que decorrem do mesmo.” 8- A Ré sempre pagou à Autora uma retribuição mista, composta por montante fixo e um montante variável; 9- O montante fixo variava de acordo com a RMMG e o montante variável correspondia a comissões calculadas de acordo com as vendas efectuadas no mês respectivo, quer de champôs, quer de artigos de cosmética capilar, quer trabalhos técnicos efectuados para as clientes da Ré; 10- Além dos valores referidos em 8) e 9), a Ré sempre pagou à Autora um subsídio de alimentação por cada...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT