Acórdão nº 6056/15.4T8VNG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelFERNANDA ISABEL PEREIRA
Data da Resolução14 de Dezembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório: AA elevadores, Lda, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra o Condomínio do Edifício n.º … C e … F da Rua …, em Vila Nova …, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 48.267,67, acrescida dos juros vencidos e vincendos à taxa legal até efectivo e integral pagamento.

Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese, que celebrou com o réu, em 02/02/2012, dois contratos de conservação de elevadores, mediante a contrapartida mensal de € 170,00 mais IVA, cada um, aos quais a administração do réu pôs termo, em 10/09/2014, sem justa causa, devolvendo à autora facturas que considerou indevidas. A autora facturou ao réu os períodos em falta, como convencionado, estando em dívida um total de € 48.267,67, a que acrescem juros de mora.

Contestou o réu, invocando a prescrição das facturas vencidas até 06/07/2013, a ineficácia dos contratos celebrados com fundamento em abuso de representação e a resolução dos mesmos contratos com justa causa.

Subsidiariamente, pediu a declaração de nulidade das cláusulas 5.5.2 dos contratos, proibidas ao abrigo do regime das cláusulas contratuais gerais.

Realizada audiência de julgamento, foi a acção julgada totalmente improcedente e o réu absolvido do pedido.

Inconformada, apelou a autora daquela decisão.

O Tribunal da Relação do …, por acórdão proferido em 7 de Dezembro de 2016, na procedência do recurso interposto pela autora, revogou a sentença recorrida e julgou parcialmente procedente a acção, condenou o R. a pagar à A. a quantia de € € 32.581,64 a título de capital em dívida, acrescido de juros de mora, à taxa de juro comercial, desde a data de vencimento de cada factura até integral pagamento.

Irresignado, recorreu o réu de revista.

Aduziu na respectiva alegação as seguintes conclusões (sic): «(…) 5. Nos arts. 1º a 6º da sua contestação, invoca a R. a prescrição de todas as facturas vencidas depois de 06.07.2013, em virtude de ter sido citada para a acção a 06.07.2015 e de ao crédito em causa se aplicar o disposto no artº 317º al. b) do C.C.

(…) 8. A prescrição identificada no artº 317º al. b) do C.C. é uma prescrição presuntiva, que tem por base a presunção do cumprimento atento o tempo decorrido e a consequente dificuldade probatória. No entanto, o primeiro pedido da R. (e único, no caso de procedência) a ser submetido à apreciação do tribunal é a declaração da prescrição das facturas cujo pagamento a A. reclama. Ora, e a este propósito, conforme se pode verificar pela organização da sua contestação - arts. 1º a 6º - a R. não confessa, não admite nem reconhece que não pagou as facturas!! 9. Deverá, assim, ser declarada a prescrição das facturas vencidas até 06.07.2013.

  1. Quanto à INEFICÁCIA DO CONTRATO CELEBRADO EM RELAÇÃO À R., atente-se nos seguintes pontos da decisão da matéria de facto:" p) Os contratos em causa celebrados com a A. pela então administradora de condomínio da R. - "Loja do BB, Lda." - não lhe foram explicados, discutidas ou negociados. (q) O contrato em causa foi celebrado sem o conhecimento e autorização da assembleia de condóminos. (r) A A. era a prestadora de serviços em matéria de conservação e reparação dos elevadores do condomínio R. desde, pelo menos, o ano de 1998. (s) A R. tinha sérias dificuldades em liquidar o valor da prestação do serviço pela A.".

  2. A douta sentença proferida pelo Tribunal a quo concluiu pela ineficácia dos contratos de manutenção de elevadores em relação à R, da seguinte forma: (...)"Se a referida pessoa, representante, não tiver poderes para obrigar a outra, representada, ir-se-á cair na previsão do artigo 268º do Código Civil, com o negócio a revelar-se ineficaz em relação àquela, salvo se a mesma o ratificasse." 12. Por sua vez, o Acórdão da Relação do … de que ora se recorre entende que a celebração do contrato de manutenção de elevadores se íntegra nas funções do administrador de condomínio. Concluí que "o administrador do condomínio na altura, tinha poderes para outorgar os contratos de manutenção dos elevadores em causa e obrigar o condomínio, não podendo falar-se de falta de poderes, como entendeu a decisão recorrida, não sendo necessária autorização prévia da assembleia de condóminos para o efeito. De referir ainda que a alegada falta de poderes do administrador do condomínio para celebrar os contratos de manutenção em causa, nunca antes foi questionada pelo R., nem quando os contratos foram celebrados em Fevereiro de 2012, nem no decurso da sua execução, designadamente na Assembleia de Condóminos de 28/06/2012 cuja acta se encontra junta aos autos, nem tão pouco quando a R. entendeu pôr fim aos mesmos em Setembro de 2014." 13. Ora, conforme resulta da matéria de facto dada como provada, pontos p), q), r) e s), a celebração do contrato de manutenção completa de elevadores, com preços mais elevados e de maior duração, nunca foram comunicados à R.

    A administradora de condomínio celebrou novos contratos com a A., sem autorização e sem comunicação posterior à R. Esta apenas tomou conhecimento das condições dos contratos celebrados na última assembleia de condóminos presidida pela Loja do BB, Lda, enquanto administradora do condomínio.

    Ora, se o R. não conseguia pagar as mensalidades do contrato de manutenção simples, ao ponto de ter em dívida, em Julho de 2011, da Entrada … C € 4235,86 sendo que se encontram pagas facturas até ao mês de Janeiro de 2009 e Entrada … F € 4 392,41, sendo que se 10/18 encontram pagas as facturas até ao mês de Janeiro de 2010, como iria conseguir pagar as mensalidades do novo contrato, completo, e por isso mais caro? Ademais, o novo contrato foi celebrado pelo prazo de cinco anos e renovável por igual período. Como poderia a ad. de condomínio Loja do BB Lda. estar a representar os interesses da R. com esta vinculação à A. pelo prazo de cinco anos num momento em que os contratos de manutenção de elevadores estavam a ser renegociados e, em geral, o valor dos respectivos serviços a descer? Como já referido a assembleia de condóminos, que estava especialmente preocupada com a dívida de elevadores, não autorizou tal alteração do contrato. Sendo crescente a preocupação da assembleia de condóminos com o aumento da dívida de manutenção de elevadores, jamais a R. autorizaria a celebração destes novos contratos atentos os motivos invocados.

  3. Ainda que se entenda que o poder em causa - de contratação de uma empresa de manutenção de elevadores sem o prévio consentimento/posterior conhecimento da assembleia de condóminos - faça parte das atribuições legais do ad. de condomínio (como entendeu o Acórdão da Relação do … de que ora se recorre), a verdade é que esta excedeu os seus poderes, foi para além daquilo que lhe competia, em claro prejuízo da R..

    Esta conclusão retira-se da matéria de facto dada como provada, designadamente os seguintes pontos: "(x) Sucede que a Ad. de condomínio R. - Loja de BB, Lda. - sem obter consentimento, sem dar conhecimento à assembleia de condóminos e apesar de valor em dívida à empresa que fazia a manutenção dos elevadores e que crescia de ano para ano, contratou com a A. um contrato de manutenção completa com um valor mensal mais elevado do que pagava no âmbito do contrato de manutenção simples e sem reparações que justificassem a celebração deste contrato.(y) Ademais, o novo contrato foi celebrado pelo prazo de cinco anos e renovável por igual período.(z) A assembleia de condóminos, que estava especialmente preocupada com a dívida de elevadores, não autorizou tal alteração do contrato" 15. A subsunção jurídica dos factos provados à figura do abuso da representação, prevista no artº 269º do C. C, foi já efectuada pela ora recorrente em sede de alegações para o Tribunal da Relação do …. Não obstante, o Acórdão proferido não se pronunciou sobre esta questão.

  4. Conforme ensinam os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 2ª edição, 231/232: "Há abuso de poderes de representação, quando o representante actuando embora dentro dos limites formais dos poderes que lhe foram outorgados, utiliza conscientemente esses poderes em sentido contrário ao seu fim ou às indicações do representado....

    Tal como no caso do abuso de direito (art. 334º) é requisito essencial que o direito exista e só o seu exercício seja abusivo, também no abuso da representação é indispensável que haja representação e que o representante tenha conscientemente excedido os seus poderes. O facto de o representado ficar neste caso do abuso de representação sujeito a um regime para ele mais exigente e apertado do que no caso da representação sem poderes explica-se pela circunstância de, na primeira hipótese, as expectativas da outra parte fundadas na existência dos poderes de representação nascerem de uma base mais sólida, mais consistente, visto o representante actuar, formalmente, dentro dos limites dos poderes que lhe foram outorgados.» 17. Naturalmente que a A. sabia que o negócio - a celebração de novo contrato de manutenção de elevadores, completo, mais caro e por mais tempo - não interessava à R. Era um mau negócio! 18. Atente-se no Ac. Do Tribunal da Relação de …, de 10.02.2015, relator Isabel Silva, in www.dgsi.pt:"Verifica-se o abuso de poderes quando, formalmente, o representante actua no domínio dos poderes que lhe foram conferidos, mas, em termos substanciais, se desvia da finalidade com que eles lhe foram conferidos; o procurador age contra (ou para além) o interesse do dominus, perseguindo normalmente um interesse próprio (ou de terceiro) e conflituante com o do representado. Já no excesso de mandato o procurador atua formalmente para além dos limites dos poderes conferidos. Não deve confundir-se o abuso de representação (abuso de poderes) com a representação sem poderes".

  5. Bem como o Acórdão do Tribunal da Relação de … de 22.11.2012, relator Teresa Prazeres Pais, in www.dgsi.pt: "1. A situação de abuso de representação, a que alude o artº 269º do...

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