Acórdão nº 178/11.8T2AVR.P1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelALEXANDRE REIS
Data da Resolução26 de Setembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Revista 178/11.8T2AVR.P1.S2 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: AA, agindo na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de BB, propôs contra CC e DD, Lda., esta acção, em que foi admitida a intervenção principal da sociedade EE, Lda., pedindo que os RR sejam condenados a pagar-lhe, solidariamente, a quantia de € 311.755,92, acrescida dos juros legais desde a citação.

Para tanto, alegou, em síntese: A e R são herdeiros na dita herança (indivisa) de que faz parte a quota de que o falecido (em 00-00-2009) era titular na sociedade interveniente; o R e a sua mulher são os únicos sócios e gerentes da sociedade DD, que desde a sua constituição (em 2006) passou a actuar como intermediária na aquisição de produtos que a EE (EE), até aí adquiria directamente aos seus fornecedores; como consequência, a EE perdeu os proveitos que a DD passou a auferir com tal intermediação, suportou os encargos financeiros resultantes da diferença entre prazo dos pagamentos feitos a esta sociedade e o prazo médio de recebimentos dos seus clientes e sofreu uma desvalorização de € 150.000, devido à privação daquelas receitas, estagnação da atividade causada pela actuação do R, com o consequente enriquecimento da sociedade DD à custa do empobrecimento daquela EE.

O R CC contestou, alegando: entre 2006 e Junho de 2009, a gerência da EE e os actos que lhe são imputados foram praticados por ambos os (então) sócios gerentes, o R e o falecido pai do R e do A; a faturação da EE aumentou desde o início da sua colaboração com a DD; em 31-03-2006, os sócios da EE deliberaram permitir ao R a criação de uma nova empresa com o mesmo objecto social e a praticar actos de concorrência; a actividade da DD foi iniciada em 2006 com a participação activa e directa do falecido sócio da EE, pai do R e do A.

Em sede de saneamento, foi a R DD absolvida da instância, com fundamento na incompetência em razão da matéria quanto à mesma e, por isso, na ilegal coligação dos RR.

Foi proferida sentença, julgando a acção improcedente e absolvendo o R do pedido e a Relação do …, julgando improcedente a apelação interposta pelo A, confirmou a sentença recorrida.

O A interpôs recurso de revista desse acórdão, requerendo que, caso se entenda existir dupla conforme entre as decisões de ambas as instâncias – por as suas fundamentações não serem essencialmente diferentes –, o recurso seja admitido a título excepcional, ao abrigo das alíneas a) e b) do nº 1 do art. 672º do CPC.

E delimitou o objecto do recurso com as seguintes conclusões: I. O presente recurso vem interposto do Acórdão da Relação do … que julgou improcedente a Apelação, sendo admissível por força do disposto nos artigos 671 º, nº1 e nº3 a contrario, 675º e 676º do CPC, pois, tendo a sentença de primeira instância e o acórdão recorrido fundamentação essencialmente diferente, como neste se reconhece, não há dupla conforme.

  1. Ainda que assim não se entendesse, o Recurso sempre deverá ser admitido como revista excepcional, por força das alíneas a) e b) do nº1 do artº 672º do CPC.

  2. A presente acção tem como fundamento a actuação do réu enquanto gerente da sociedade comercial por quotas EE, Lda (EE), por violação dos deveres legais de gerente, nomeadamente com fundamento na violação do dever de lealdade.

  3. A matéria relativa à responsabilidade dos gerentes no exercício das suas funções, ainda que autorizados a exercer actividade concorrente com a da sociedade, a qualificação da actuação como ilícita, e o eventual afastamento da presunção de culpa que sobre os mesmos recai é matéria de extremo interesse para a actual vida societária.

  4. Importa clarificar o sentido e alcance da autorização prevista no artº 254º do Código das Sociedades Comerciais, esclarecendo que a “actividade concorrente” do gerente não inclui a hipótese de interposição de uma nova entidade entre a sociedade e os seus fornecedores, sem qualquer utilidade, e se essa actuação pode ser qualificada como ilícita.

  5. Cumpre saber se existe e em que termos funciona o princípio da inversão do ónus da prova na presunção de culpa dos gerentes na sua actuação.

  6. Trata-se aqui, pois, de questões jurídicas de “carácter paradigmático e exemplar, transponível para outras situações, assumindo relevância autónoma e independente em relação às partes envolvidas”.

  7. A actuação ilícita do réu, como gerente, consubstancia-se no facto de a sociedade por si constituída com o seu cônjuge [DD), passar a intermediar, artificialmente, as aquisições de material anteriormente feitas pela EE, Lda (EE), de qual o réu é o único gerente, para, sem qualquer vantagem para esta, obter a margem de lucro na diferença de preço entre a aquisição pela DD e a venda que esta faz à EE, Lda (EE), como resultou provado dos pontos 11, 12 e 15 a 20 dos factos dados como provados.

  8. Trata-se de uma mera relação cliente-fornecedor, com a criação de uma intermediação que leva a que o dinheiro que devia ser ganho pela EE, na qual o réu detém uma posição societária de 50% acrescida do direito e acção à herança indivisa na qual se integra a outra quota (factos provados 1 a 5), seja ganho pela DD - sociedade que o Réu controla, conjuntamente com o seu cônjuge, integralmente.

  9. O Réu foi autorizado a competir com a EE, ou seja, a actuar em paralelo com ela. E não a colocar-se, a montante dela, como seu fornecedor, desnecessário e parasitário.

  10. Está provado que o Réu é gerente das duas sociedades, sendo quem exerce a gerência efectiva das mesmas (factos dados como provados sob os nºs 3., 4. e 10) e que, abusando dessa dupla qualidade, com claro intuito de obter um ganho só para si, com manifesto prejuízo da EE e respectivos sócios, passou a “parasitar” as aquisições de material, sem lhes aportar qualquer valor acrescentado (ponto 15. dos factos provados) obtendo uma margem de lucro para a “sua” sociedade que competiria à EE, em violação ilícita e culposa dos deveres de lealdade, fidelidade, diligência e defesa dos interesses da sociedade XII. Como refere o Acórdão do STJ de 31.03.2011: “A responsabilidade dos gerentes, prevista no art. 72.º, nº 1 do CSC, é uma responsabilidade contratual e subjectiva, dependente da culpa, que se presume. Tendo que existir sempre uma desconformidade entre a conduta do gerente e aquela que lhe era normativamente exigível. [Proc. 242/09.3YRL.SB.Sl in www.dgsi.pt).

  11. Provou-se actividade desleal e danosa, sendo certo que competia ao réu a prova de que actuou como gestor criterioso e ordenado, pois, presume-se a sua culpa, e este nenhuma prova fez.

  12. O acto ilícito do Réu não é a constituição de uma sociedade com o mesmo objecto social e/ou a prática de actividade concorrente, que se tem por autorizada mas, valendo-se dessa autorização, passar a prejudicar a outra sociedade, em atitude de “traição”, criando um circuito de intermediação sem...

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