Acórdão nº 16183/13.7T2SNT.L1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelGONÇALVES ROCHA
Data da Resolução21 de Setembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1---- AA, …, S.A., empresa que veio a ser incorporada na Dr. BB, S.A., sociedade incorporante que prossegue nos autos como A[1], intentou a presente acção de processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra CC, pedindo a sua condenação no pagamento, a título de indemnização acordada pelas partes, da quantia de € 1.000.000 acrescida dos juros dos mora que se vençam desde a data da citação do R até integral e efectivo pagamento, à taxa de 4% ao ano, nos termos dos arts. 559º e 805º, n.º 2, alínea b) do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

Para tanto alegou que, em adenda celebrada em 8 de Agosto de 2008, ao contrato de trabalho que vigorava entre as partes e em cujo âmbito o R exercia as funções de director técnico do laboratório de análises clínicas, este obrigou-se a não constituir, a não participar ou a não colaborar, directa ou indirectamente, quer como sócio, quer como legal representante, ou ainda como colaborador ou empregado, em qualquer outro laboratório de análises clínicas, independentemente da sua forma ou natureza jurídicas, durante o prazo de 5 (cinco) anos contados a partir de 8 de Agosto de 2008; que, não obstante, o R violou esta obrigação contratual, tendo, dentro do prazo estabelecido, assumido a gerência de duas sociedades comerciais detentoras de laboratórios de análises clínicas e concorrentes da Autora, tendo, por isso, direito ao pagamento da cláusula penal de um milhão de euros, conforme acordado.

Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação, veio o R apresentar contestação, onde alegou que as sociedades em causa correspondiam às excepções identificadas na cláusula 3ª da adenda ao contrato de trabalho, pelo que não se verifica o incumprimento da mesma; que a A tinha conhecimento de que o R assumiu a gerência das sociedades e que tal assunção não violava o dever de lealdade; que caso se considerasse válida a cláusula, a mesma não seria aplicável, porque a A não teve nem alegou quaisquer prejuízos e porque o montante fixado sempre seria desproporcional.

Formula um pedido de condenação da A como litigante de má fé, bem como um pedido de condenação em indemnizações por danos morais e patrimoniais futuros.

A Autora respondeu à contestação nos termos de fls. 140 e ss.

Foi proferido despacho a convidar o R a esclarecer se pretende a condenação da Autora na presente acção, caso em que deve deduzir tal pedido devidamente liquidado quanto aos danos já sofridos e indicar um montante quanto aos danos futuros, e atribuir um valor à reconvenção.

E não tendo este aceite tal convite, considerou-se que não foi deduzido qualquer pedido reconvencional, conforme consta do despacho de fls. 314.

Realizada a audiência prévia foi proferido despacho saneador que fixou o objecto do litígio.

E após, anunciou o Tribunal que iria proferir decisão de mérito, o que fez em 2016.06.16, prolatando sentença em que julgou improcedente a acção e absolveu o R. do pedido.

Inconformada, apelou a A, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa julgado parcialmente procedente a apelação, vindo a condenar o recorrido a pagar à recorrente a quantia de € 130.000, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, no mais o absolvendo do peticionado.

É agora o R que, irresignado, nos traz a presente revista, cuja alegação rematou com as seguintes conclusões: O Recorrente entende que o Tribunal a quo aplicou incorrectamente o Direito aos factos provados, designadamente no que respeita às seguintes questões apreciadas no acórdão recorrido: (i) da (in)validade da Cláusula Terceira da Adenda ao Contrato de Trabalho outorgada em 8 de Agosto de 2008, (ii) da interpretação da referida Cláusula Terceira da Adenda ao Contrato de Trabalho, (iii) do alegado incumprimento pelo Recorrente do dever de lealdade, na vertente de dever de não concorrência, bem como da Cláusula Terceira da referida Adenda ao Contrato de Trabalho e (iv) do carácter manifestamente excessivo da cláusula penal.

  1. Da Cláusula Terceira da referida Adenda ao Contrato de Trabalho resulta a proibição de o trabalhador (ora Recorrente) desenvolver qualquer actividade ou ter qualquer participação, seja a que título for, em “qualquer outro Laboratório de Análises Clínicas, independentemente da sua forma ou natureza jurídicas” (com sublinhado nosso).

  2. Assim, esta cláusula não restringe a referida obrigação apenas a entidades que possam ser consideradas concorrentes da Recorrida. Pelo contrário, nela se incluem quaisquer Laboratórios de Análises Clínicas, sejam eles concorrentes ou não concorrentes da Recorrida, sem qualquer delimitação geográfica ou de outra natureza.

  3. As referidas sociedades – enquanto objecto da obrigação contratual assumida pelo Recorrente – deveriam estar identificadas ou, pelo menos, ser identificáveis por via de critério expressamente previsto (por exemplo, a localização geográfica), o que não se vislumbra in casu.

  4. Em face da amplitude ou abrangência da obrigação supra referida, entende o Recorrente que a cláusula contratual que a prevê é nula, por ser excessivamente indeterminada – desde logo, em termos geográficos –, restringindo, de forma não admissível, a sua liberdade de trabalho. 5ª.

    Acresce que a validade de tal limitação deverá ser aferida de acordo com critérios de adequação e proporcionalidade, tendo em conta o real interesse do empregador e a natureza das funções exercidas pelo trabalhador no âmbito do contrato de trabalho.

  5. Pelo menos até 8 de Agosto de 2008, a actividade prestada pelo Recorrente à Recorrida não pressupôs exclusividade.

  6. Na data em que a obrigação cujo alegado incumprimento pelo ora Recorrente é reclamado in casu foi estabelecida pelas partes aquele já figurava como gerente, entre outras, da sociedade DD, Lda. há mais de 7 (sete) anos e da sociedade EE, Lda. há quase 11 (onze) anos.

  7. Factos conhecidos pela ora Recorrida.

  8. Durante todo o período em que prestou trabalho à Recorrida – com excepção do período em que foi suspenso preventivamente por esta – o Recorrente exerceu as mesmas funções de Director Técnico.

  9. Assim, a Cláusula Terceira da Adenda ao Contrato de Trabalho consubstancia compressão inaceitável da liberdade de trabalho do Recorrente, porque injustificada (pelo menos quanto à sua abrangência e extensão) face aos interesses prosseguidos pelo empregador, sendo, por isso, nula.

  10. Por outro lado, no que respeita ao § Terceiro da aludida cláusula contratual, de acordo com o qual o Recorrente se compromete a “desenvolver esforços tendentes à sua desvinculação das sociedades comerciais nas quais detém participações, sendo que a desvinculação supra referida só deverá ser efectivada se não prejudicar os interesses da Primeira Outorgante [ora Recorrida]”, entende o Recorrente que também naquela parte a aludida cláusula contratual, fixada no âmbito laboral, é nula.

  11. Na presente acção – de natureza laboral – está em causa a análise da questão de saber se o Recorrente, na qualidade de trabalhador, incumpriu (ou não) obrigação contratual assumida perante a Recorrida, sua entidade empregadora. Está em causa, pois, a análise de questão relativa ao cumprimento de deveres emergentes do contrato de trabalho, ainda que os mesmos tenham natureza contratual.

  12. Sucede, porém, que a obrigação prevista no § Terceiro da Cláusula Terceira da referida Adenda ao Contrato de Trabalho, na medida em que limita o poder de disposição do Recorrente relativamente aos seus bens, extravasa a relação de trabalho estabelecida entre as partes, situando-se fora do âmbito dos deveres laborais.

  13. Em todo o caso, ainda que assim se não entendesse, na medida em que impunha que o Recorrente apenas podia proceder à sua desvinculação das sociedades comerciais em que detinha participações “se não prejudicar os interesses da Primeira Outorgante” – o que significa que a Recorrida se poderia opor a que o Recorrente efectivasse tal desvinculação –, a aludida cláusula contratual, fixada no âmbito laboral, sempre seria nula pois, conforme se refere (e bem) na sentença de fls. , esta “limita o poder do Réu dispor dos seus bens”.

  14. Acresce que o Recorrente discorda do entendimento sufragado pelo Tribunal a quo quanto ao sentido a atribuir à Cláusula Terceira da referida Adenda ao Contrato de Trabalho, nomeadamente quanto ao facto de a mesma alegadamente não abranger autorização para o exercício, pelo Recorrente, de funções em cargos de gerência nas sociedades aí listadas.

  15. Na verdade, a referida redacção demonstra que a Recorrida autorizou, de forma expressa, o Recorrente a figurar como gerente das sociedades DD, Lda. e EE, Lda, autorização que, em momento algum, a Recorrida revogou.

  16. É essa, de resto, a interpretação que corresponde manifestamente à vontade real das partes.

  17. Tanto assim é que a própria Recorrida não veio invocar, nos presentes autos, qualquer incumprimento contratual por parte do Recorrente em virtude do exercício de funções de gerente nas sociedades DD, Lda. e EE, Lda. imediatamente após a celebração da referida Adenda.

  18. Na verdade, o fundamento do alegado incumprimento, invocado pela Recorrida, assenta apenas e só na reassunção, pelo Recorrente, da gerência das referidas sociedades a partir de 4 de Outubro de 2012.

  19. Tese que tem por base o § Terceiro da referida cláusula, que diz que “O Segundo Outorgante compromete-se a desenvolver esforços tendentes à sua desvinculação das sociedades comerciais nas quais detém participações, sendo que a desvinculação supra referida só deverá ser efetivada se não prejudicar os interesses da Primeira Outorgante” (sublinhado nosso).

  20. Como bem se vê, de acordo com a tese da Recorrida, o Recorrente apenas terá incumprido a obrigação em causa ao reassumir funções de gerência nas referidas sociedades – o que apenas aconteceu em Outubro de 2012 –, na medida em que conhecia e consentiu na permanência do Recorrente nessas funções, até que...

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