Acórdão nº 53/14.4T8CBR-D.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução21 de Setembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. No âmbito da execução sumária movida por AA, Srl., contra BB LDA – ..., Lda., no valor de € 112.118,00, com base num título executivo europeu proveniente do Tribunal de Cremona, Itália (cfr. requerimento executivo, certificado a fls. 16), a executada deduziu “oposição à execução e à penhora com pedido de suspensão da execução” (cfr. fls. 29, v.).

Para o que especialmente releva para o presente recurso, a executada veio alegar ter pago até 20/10/2003 a totalidade do preço correspondente ao contrato invocado na execução, celebrado através de um representante da exequente, CC, a quem sempre foram feitos os pagamentos parciais, e que lhe deu quitação do pagamento de todo o preço devido, em 31/10/2003; e que, “nunca, desde 2003 até 2012, data em que a ora oponente recebeu o (…) documento do Tribunal de Cremona (…), quer a exequente, quer o seu representante, reclamaram o que quer que fosse à oponente (…)”.

No despacho saneador (fls.64) decidiu-se, por entre o mais, que não procedida “ a excepção [de falta de título válido, exequível e inteligível] invocada pelo embargante”, por contrariar “a certificação como título executivo europeu, o que não é admissível” e definiram-se o objecto do litígio e o tema de prova – “saber se a embargante pagou à embargada a quantia exequenda” –, como alegara na petição de embargos.

Pelo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de fls.111, que revogou a decisão sumária proferida na apelação interposta pela exequente (fls. 72), com o objectivo de que os embargos fossem julgados inadmissíveis, nos termos do artigo 729º do Código de Processo Civil, e que procedesse a correspondente contestação, foram liminarmente indeferidos os embargos de executado, determinando-se “o normal andamento dos termos da execução”.

Para assim decidir, a Relação considerou que “ao admitir a oposição deduzida pela embargante nos termos do disposto no artº 729º, al. g) do C. P. Civil, ao não julgar totalmente improcedentes os embargos de executado sem necessidade de realização de audiência de discussão e julgamento e ao não ordenar o normal andamento da execução até final – violou, designadamente, o disposto no invocado artº 729º, do C. P. Civil” e 857º do mesmo Código, aplicáveis por força do disposto no nº 1 do artigo 20º do Regulamento (CE) 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004, uma vez que o pagamento invocado nos embargos “é anterior (…) à citação da embargante efectuada pelo Tribunal de Cremona, ocorrida em 2012, pelo que, porque não houve contestação naquela acção instaurada no tribunal italiano, deve ter-se por adquirido que a ora embargante não pagou a peticionada dívida e, assim, o referido título executivo europeu deve abranger a quantia aí peticionada, ou seja, a ora quantia exequenda”. E recordou ainda que, de acordo com o nº 2 do artigo 21º do Regulamento, o Estado da execução não pode rever o mérito, nem da decisão, nem da sua certificação como título executivo europeu.

O acórdão de fls. 111 referiu ainda que no recurso “tramitado no Apenso nº 53/14.4T8CBR-E.C1” havia sido proferida em 5 de Julho de 2016 decisão sumária que, “julgando improcedentes os embargos de executado deduzidos pela recorrente BB, declarou válido e exequível o Título executivo europeu dado à execução e ordenou o normal andamento dos autos de execução”.

Este acórdão de fls. 111 foi completado pelo acórdão de fls. 166, aprovado na sequência do despacho de fls. 161, no qual se decidiu que, contrariamente ao alegado pela apelante, não era inconstitucional a norma constante do nº 2 do artigo 21º do Regulamento (CE) nº 805/2004, não devendo, por conseguinte, ser recusada a respectiva aplicação. E foi ainda junta cópia da decisão proferida no apenso 53/14.4T8CBR-E.C1, com a indicação de ter transitado em julgado.

Ficou assim a conhecer-se neste recurso – que, tal como a apelação, subiu em separado – o teor dessa decisão, e pode verificar-se que as questões colocadas na revista foram já parcialmente resolvidas com força de caso julgado no presente processo.

A fls.178, a recorrente veio alargar o âmbito do recurso, invocando o suprimento da nulidade operado pelo acórdão de fls. 166.

  1. Nas alegações de revista foram formuladas as conclusões seguintes, que se transcrevem parcialmente: 1- (…) 2 - Partindo da hipótese – que se não aceita, como adiante se explanará – que existe um título válido e eficaz, temos então que nenhum reparo ou censura merecem, nem o douto despacho saneador proferido, nem a douta decisão singular do Tribunal da Relação que o confirmou, porquanto podia e devia aquele ter enunciado o Objecto do Litígio e identificado o Tema de Prova, o que fez correctamente.

    3- É que, ao contrário do que alega a Exequente e foi considerado pelo douto Tribunal a quo, o documento dado à execução não passa da versão italiana de uma injunção portuguesa.

    4 - Com efeito, o Tribunal Italiano "limitou-se" a ordenar à ora recorrente que pagasse um crédito à Exequente, uma vez que existia uma factura emitida por força de um contrato de compra e venda, datado de 14/10/2000, sem que juntasse qualquer documento – o Balcão Nacional de Injunções envia uma comunicação ao Requerido, ordenando-lhe que pague ao Requerente uma determinada quantia certa, devida pela existência de uma factura concretamente identificada, emitida por força de um contrato de compra e venda, com uma data concreta e perfeitamente identificada, sem que junte qualquer documento.

    5 - Nenhuma outra intervenção teve o Tribunal italiano através do sr. magistrado titular do processo, designadamente, não foi proferida qualquer decisão, após análise do comportamento processual da Ré, isto é, não houve qualquer "sentença" proferida pelo Tribunal Italiano após constatar a revelia (alegadamente operante) da Ré, sentença essa que, por não existir, não foi notificada à mesma, como obrigatoriamente teria de ser.

    6 - Ora, a mera leitura do documento notificado à ora recorrente por qualquer pessoa com um entendimento médio – o bonus pater familiae – permite constatar e concluir sem nenhuma margem para dúvidas que as indicações do prazo para oposição, a obrigatoriedade, ou não, de se fazer representar por um advogado, as consequências da falta de contestação e a sua responsabilidade pelos custos da acção, não constam da notificação do documento que dá início à instância e que é, aliás, o único documento emitido pelo tribunal italiano, o que permite, portanto, fazer o Tribunal Português perceber e constatar que o constante do ponto 11.2 do modelo italiano da Certidão de Título Executivo Europeu, dado à execução, não corresponde à verdade, não tendo o devedor sido informado em conformidade com os artigos 16° e 17° do Regulamento.

    7 - Por outro lado, os pontos 13.1, 13.2 e 13.3 referem-se à comunicação da decisão tomada após o decurso do prazo para contestar (característica, aliás, de qualquer "Sentença") e, consequentemente, querem forçosamente referir-se a uma nova comunicação ao devedor, necessariamente diferente da notificação do documento que deu início à instância e que sanaria este – documento esse que não existe, pois a existir teria sido junto ao presente processo, por tal ser obrigatório nos termos do artigo 20° n° 2, alínea a) do Regulamento (CE) n° 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho de 21/04/2001.

    8 - Ou seja, após o decurso do prazo da contestação, não foi proferida qualquer sentença, como se alcança facilmente pelos documentos juntos, não tendo sido efectuada qualquer nova notificação à Ré, comunicando-lhe a (inexistente) sentença contra si proferida.

    9 - Estipula o artigo 20°, n° 1 do Regulamento (CE) n° 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho de 21/04/2001, que os trâmites da execução são regidos pelo direito do Estado-Membro de execução, sendo uma decisão certificada como Título Executivo Europeu executada nas mesmas condições que uma decisão proferida no Estado-Membro de execução.

    10 - Ora, considerando – na hipótese que analisamos e que se não aceita – a validade do título executivo, então não pode haver dúvidas de que pode e deve o Estado-Membro de execução analisar o título dado à execução e tratá-lo. para efeitos de execução, como entender mais adequado, designadamente, tratá-lo como se de uma Injunção Portuguesa se tratasse, como, efectivamente, trata.

    11 - Em primeiro lugar porque, como vimos já, o procedimento italiano utilizado é idêntico ao do instituto da injunção portuguesa, nada tendo de comum com qualquer acção portuguesa, ou estrangeira, desde logo porque, apesar de existir intervenção inicial do juiz, face à falta de contestação da Ré, não é este chamado a apreciar tal comportamento, inexistindo qualquer sentença, qualquer apreciação (e muito menos critica, ou fundamentada) de tal comportamento, inexistindo, portanto, intervenção judicial na fase de decisão, não sendo proferida qualquer sentença.

    12 - Por outro lado, o certo é que as palavras são importantes e têm significados próprios e concretos e jurídicos, motivo pelo qual é absolutamente fundamental que um qualquer procedimento que implique consequências, patrimoniais ou não patrimoniais, nos destinatários, seja traduzido de forma clara, precisa, rigorosa e fiel ao original, sob pena de não poder tal procedimento considerar-se válido ou eficaz na esfera jurídica do destinatário, não produzindo, consequentemente, quaisquer efeitos.

    13 - Ou seja, ao contrário do alegado pelo exequente e aparentemente aceite pelo douto Tribunal da Relação, "a sentença italiana de condenação da Embargante" não é, no caso concreto, nem pode ser "equiparada à sentença portuguesa", porquanto o documento dado à execução não contém qualquer elemento que o possa fazer equiparar-se a...

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