Acórdão nº 94/15.4T8VVD.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelPINTO DE ALMEIDA
Data da Resolução12 de Setembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]: I.

AA propôs esta acção declarativa, sob a forma comum, contra BB, CC e DD.

Pediu que: - se reconheça e declare que o réu CC não é o pai biológico do menor DD; - se declare a nulidade e/ou se decrete a anulação do registo de paternidade declarada e/ou presumida do réu CC, constante do assento de nascimento n°00042 do ano de 2013 da Conservatória do Registo Civil de …, e ordenar-se a respectiva rectificação ou cancelamento da paternidade desse réu CC, bem como as menções correspectivas atinentes aos avós paternos e ao apelido "G…", no supra referido assento de nascimento; - se reconheça e se declare que o menor DD é filho do autor e que este é pai biológico daquele, com todos os inerentes efeitos legais, e, consequentemente, ordenar-se as alterações de registo civil necessárias, nomeadamente, ordenar-se no assento de nascimento e nos livros competentes a menção/inscrição/averbamento da identidade de AA como pai do menor DD e o apelido "P…" como apelido do menor.

Os réus foram citados (o menor DD na pessoa do seu curador especial nomeado, EE).

Contestaram os réus CC e BB, impugnando a versão do Autor e excepcionando com a alegada caducidade da demanda.

Foi então proferido despacho de aperfeiçoamento, no sentido de que o autor precisasse "a sua legitimidade activa, causa de pedir e pedido, atentando nas normas vigentes".

Em novo articulado o autor veio dizer, em síntese, o seguinte: A presente acção não é uma típica acção de impugnação da paternidade.

Trata-se, antes, de uma acção complexa, com dupla natureza quanto ao fim: de simples apreciação, simultaneamente negativa (declarar que o réu CC não é o pai biológico do menino DD) e positiva (reconhecer-se e declarar-se que o menino DD); e constitutiva/extintiva (declarar a nulidade/anulação do registo de paternidade ...; ordenar a menção/inscrição/averbamento da identidade de AA como pai ...).

Em face do exposto, e salvo melhor opinião, não são aplicáveis à presente acção as limitações de regime e/ou legitimidade previstas nos arts. 1838°, 1839°, 1848°, 1861° e 1869°, todos do Código Civil.

O interesse em agir e a legitimidade activa do Autor advém de princípios fundamentais de direito consagrados na lei fundamental – a Constituição da República Portuguesa designadamente: o direito à identidade biológica e/ou verdade genética, o princípio da universalidade, o princípio da igualdade e o princípio da proibição de discriminação dos filhos nascidos fora do casamento (cfr., respectivamente, arts. 26°, nºs 1 e 3, 12°, 13° e art. 36°, nº4, ambos da CRP).

Mas, tal direito há-de, necessariamente, contemplar o correspectivo e implícito direito ao conhecimento da identidade dos filhos.

Ao Autor assiste o direito potestativo inalienável, com consagração constitucional, entre outros nos artigos 11°, 12° e 26° da CRP, de ser reconhecido judicialmente como pai biológico do menino DD, e de ver averbado no assento do nascimento do filho a paternidade em relação a ele (autor), bem como o seu apelido "P…".

Na qualidade de pai, assiste-lhe também o direito potestativo inalienável de, em representação do seu filho, ver reconhecida judicialmente a filiação biológica verdadeira, tudo nos termos do disposto nos citados artigos 12°, 13° e 26° da Constituição da República Portuguesa. (...) o alegado na petição inicial é suficiente para fundamentar a causa de pedir e suportar os pedidos formulados.

Realizada a audiência prévia e por o processo o permitir, foi proferida decisão que julgou o autor parte ilegítima e absolveu os réus da presente instância.

Discordando desta decisão, dela interpôs recurso o autor, per saltum, tendo apresentado as seguintes conclusões: 1. (…) 2. Contrariamente ao sufragado na douta decisão recorrida, o autor tem legitimidade em demandar os Réus na presente acção, legitimidade essa que lhe advém de princípios fundamentais de direito, de valor constitucional ou supraconstitucional, positivados na Constituição da República Portuguesa, uns, e nas leis ordinárias, outros.

  1. De facto, o aqui Autor, pai biológico, tem "direito à identidade pessoal", no qual se insere o "direito ao conhecimento da descendência biológica", ou seja, o direito ao conhecimento da identidade dos filhos, enquanto direito fundamental (art. 26º nº 1 da CRP).

  2. Acresce a este o "direito de constituir família" (art. 36° da CRP), direito fundamental previsto na Constituição, do qual deriva o direito fundamental do pai e mãe biológicos não se verem privados dos filhos (n° 6), só sendo permitida tal separação em casos taxativamente previstos na lei.

  3. O aqui Autor, por um lado, e o menor DD, por outro, têm direito a saber a verdade da identidade biológica desta criança.

  4. Atenta a factualidade vertida na petição inicial, factualidade essa que indicia fortemente que o Réu CC é o pai biológico do menino DD, corre-se o risco, a manter-se a decisão impugnada, de a verdadeira identidade biológica desta criança só vir a ser conhecida quando esta atingir a sua maioridade, com danos irreparáveis para o menor e para o pai biológico.

  5. Momento em que esta criança, já adulto, tem grande probabilidade de vir a olhar para a sua infância com tristeza, ressentimentos, e até revolta, pois foi privado da convivência e de estabelecer laços familiares com o seu verdadeiro pai por causa, por um lado, do conluiado "embuste" entre o pai presumido e a mãe biológica, e ainda por causa de alegadas "ilegitimidades processuais".

  6. O Autor é a única pessoa a quem assiste o direito de peticionar que seja evitado tal evento catastrófico na vida de uma pessoa, e de lutar indirectamente pelos direitos desta criança, determinando quem é o verdadeiro pai biológico desta através de realização de exames de ADN no âmbito do presente processo.

  7. Defender a ilegitimidade do Autor significa contra os mais elementares princípios fundamentais de direito, de valor constitucional, designadamente o princípio estatuído no art. 2°, nº 2 do CPC, segundo o qual: "A todo o direito corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo ... ".

  8. O direito de liberdade geral de acção do Autor ou de qualquer outra pessoa tem de ser constitucionalmente justificado, necessário e proporcional, sendo que não vemos justificação para tamanha limitação ao direito do Autor de aferir se o aqui Réu DD realmente é seu filho ou não.

  9. Acresce ainda que, a fundamentação de que o estipulado no art. 1838° do C.C. não permite a impugnação da paternidade fora dos casos previstos no CC e de que se verifica a caducidade da acção de impugnação nos termos do art. 1841° do CC, não procedem.

  10. Na sociedade em que actualmente vivemos, o vínculo de filiação deve assentar na verdade biológica, devendo prevalecer sobre tal monopólio e sobre quaisquer princípios, tais como o da segurança jurídica, estabilidade familiar e matrimonial, ou qualquer outro que possa ser invocado.

  11. A incerteza jurídica quanto à paternidade de qualquer criança existe mesmo que se defenda acerrimamente que o pai biológico só poderia lançar mão do mecanismo previsto no art. 1841° do CC, basta atendermos aos prazos estipulados no art. 1842° do CC, e ainda à corrente jurisprudencial maioritária que tem vindo a ser seguida no sentido da imprescritibilidade dos prazos de caducidade.

  12. De facto, também no presente caso, a determinação da verdade sobre a descendência...

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