Acórdão nº 1148/16.5TBBRG.G1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelFERREIRA PINTO
Data da Resolução28 de Setembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 1148/16.5T8BRG.G1.S1[1] (Revista) – 4ª Secção Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I - Relatório: “AA” intentou, na Comarca de Braga, Braga, Instância Central – 4ª Secção do Trabalho, J1, a presente ação de interpretação de Cláusulas de Convenções Coletivas de Trabalho, sob a forma de processo especial, nos termos dos artigos 183º e seguintes, do Código de Processo do Trabalho, contra “BB – …” e “FESAHT – Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal” pedindo que o Tribunal atribua à cláusula 68ª – b), do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a “BB – …” e a “FESAHT – Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal”, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 15, de 22 de Abril de 2010, no que respeita à reclassificação dos auxiliares de ação médica, nomeadamente quanto à sua passagem para a categoria de auxiliares de ação médica especialistas, a seguinte interpretação: - “A reclassificação dos auxiliares de ação médica, com a entrada em vigor do Contrato Coletivo de Trabalho, não é meramente aferida pelo decurso do tempo, mas sim de acordo com o estatuído nas cláusulas 4ª e 5ª e anexo II, isto atendendo a todos os fatores cumulativos que permitem o acesso a tal categoria.” Alegou, em síntese, que no âmbito de uma inspeção levada a cabo pela Autoridade para as Condições de Trabalho foi confrontada com o entendimento de que as auxiliares de ação médica, que tinha ao seu serviço, eram todas auxiliares de ação médica especialistas atendendo à antiguidade que cada uma delas detinha [mais de 8 anos].

Não é essa a sua interpretação pois da conjugação do disposto nas cláusulas 5ª e 6ª, 68ª, alínea b), e anexo II, resulta que a progressão na carreira de auxiliares de ação médica terá de que atender cumulativamente aos seguintes requisitos: qualificação do trabalhador; necessidade da organização em que se insere e decurso do tempo.

A interpretação feita pela Autoridade para as Condições de Trabalho da cláusula 68ª, alínea b), de que a reclassificação das auxiliares médicas, que estão ao seu serviço, depende apenas da antiguidade, determina a sua progressão imediata para o grau de especialista, o que viola os princípios da igualdade e da não discriminação além de ser uma ingerência na organização de empresa.

Regularmente citadas, as Rés não apresentaram alegações.

Por despacho de 27 de abril de 2014, foi determinada a notificação das Rés para elaborarem um parecer escrito sobre o sentido e alcance da Cláusula, como pretendido pelo Autor.

Notificadas, ambas apresentaram parecer, no âmbito do qual conclui a Ré “FESAHT” no sentido de que a progressão automática consagrada no CCT, publicado no BTE n.º 15, de 22/04/2010, decorre da fusão de várias categorias profissionais para as quais já se previa a progressão automática e conclui a Ré “BB” que, apesar da norma que requalificou os auxiliares de ação médica ser absolutamente omissa quanto às habilitações que aqueles devem possuir, trazendo apenas à colação o fator tempo de serviço, não faz sentido impor a passagem para uma categoria de nível superior de determinado trabalhador, quando a organização não precisa que este exerça funções de maior complexidade, nem este é dotado das competências necessárias para o efeito, defendendo, por isso, que a progressão automática terá de ser apoiada na antiguidade, nas qualificações e no interesse da organização.

O mérito da ação foi conhecido no saneador através da sentença, proferida em 15 de junho de 2016, na qual se decidiu: “[I]nterpretar a cláusula 68ª – c) [sic] do contrato colectivo de trabalho celebrado entre a BB – ... e a FESAHT – Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego – n.º 15, de 22 de Abril de 2010, no sentido que: - Devem ser inseridos na categoria profissional de auxiliar de ação médica especialista os trabalhadores que, na data em que entrou em vigor o contrato coletivo de trabalho, tinham as habilitações e qualificações exigidas para a categoria e oito anos de experiência profissional, independentemente do interesse para a organização; - Os trabalhadores que, na data em que entrou em vigor o contrato coletivo de trabalho, não preenchiam estes requisitos devem ser inseridos na correspondente categoria profissional e apenas podem progredir para a categoria profissional de auxiliar de ação médica especialista se, além da obtenção das habilitações e qualificações exigidas para a categoria e de oito anos de experiência profissional, tal for do interesse para a organização.” ~~~~~~ Inconformada com esta decisão a Ré “FESAHT - Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal” interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães.

Por acórdão proferido em 30 de novembro de 2016, foi o recurso julgado parcialmente procedente, e interpretou-se “[a] cláusula 68ª b) do CCT celebrado entre a BB – ... e a FESAHT – Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal, publicado no BTE n.º 15, de 22 de Abril de 2010 da seguinte forma: - “Devem ser inseridos na categoria profissional de auxiliar de ação médica especialista, os trabalhadores oriundos da categoria de empregada de enfermaria, bloco operatório, esterilização e auxiliar de hemodiálise que à data de entrada em vigor do contrato coletivo de trabalho (CTT publicado no BTE n.º 15, de 22/04/10) reuniam o requisito referente à antiguidade.

- Os trabalhadores que, na data em que entrou em vigor o CCT, não preenchiam o requisito da antiguidade apenas podem progredir para a categoria de auxiliar de ação médica especialista se obtiverem as habilitações e qualificações exigidas, [e de] oito anos de experiência profissional e se tal for do interesse para a organização.” III Inconformada ficou agora a Autora “AA”, que interpôs recurso de revista excecional nos termos do artigo 672º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força do artigo 81º, n.º 5, do Código de Processo do Trabalho, com o fundamento de estarem em causa interesses de particular relevância social.

Concluiu a sua alegação da seguinte forma[2]: 1.

“A decisão do Tribunal da Relação de Guimarães que fixou a interpretação da cláusula 68ª, alínea b), do CCT, salvo o devido respeito, representa uma subversão das regras da interpretação, levando a uma decisão profundamente injusta e injustificada, violadora do princípio da igualdade.

  1. No entanto, como questão prévia, está a admissibilidade do recurso por parte da recorrente da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães para o STJ.

  2. Dispõe o artigo 672º, n.º 1, alínea b), do CPC, aqui aplicável por força do disposto no artigo 87º, do CPT [sic][3], que “excecionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando: […] b) estejam em causa interesses de particular relevância social.” 4.

    Ou seja, é admissível o recurso no presente caso desde que se comprovem as razões de particular relevância social.

  3. A interpretação da convenção coletiva da hospitalização privada é um assunto de grande interesse e relevância social pelo número de empregadores e trabalhadores envolvidos, os quais ficam ou podem vir a ficar afetos pela interpretação que se vier a fixar. O número de empresas abrangidas é de cerca de 60 e de trabalhadores de 8700. Sendo que, à data da sua entrada em vigor era [sic] inúmeras as casas de saúde, hospitais que tinham trabalhadores nas categorias abrangidas pela reclassificação com mais de 8 anos nos seus quadros pelo que, a sua ascensão à categoria profissional de auxiliar especialista atentas as específicas funções que abrange e, o peso que assumirá ao nível financeiro e estrutural nas diversas entidades patronais é algo que fará a diferença e como tal com relevância social suficiente para ser objeto de ponderação e reflexão por este Venerando Tribunal.

  4. Estamos no âmbito da interpretação de uma convenção coletiva em que temos direitos e interesses importantes de uma determinada comunidade (hospitalização privada) que estão manifestamente em colisão — direito dos trabalhadores e entidade patronal - e cuja sua resolução tem um impacto significativo naquela comunidade.

  5. Desta forma, não há margem para dúvidas que estamos diante de uma questão de interesse social que legitima a interposição do presente recurso de revista.

  6. O tribunal recorrido fixou a interpretação da cláusula 68ª, b), no sentido "devem ser inseridos na categoria profissional de auxiliar de ação médica especialista, os trabalhadores oriundos da categoria de empregada de enfermaria, bloco operatório, esterilização e auxiliar de hemodiálise que à data da entrada em vigor do contrato coletivo de trabalho reuniam o requisito referente à antiguidade".

  7. Sucede que, no entender da recorrente tal interpretação é manifestamente incorreta ficando--se única e exclusivamente adstrita ao elemento literal.

  8. Na interpretação das cláusulas de conteúdo regulativo das convenções coletivas de trabalho há que atender ao estipulado no artigo 9º, do Código Civil, visto tais cláusulas serem dotadas de generalidade e abstração e serem suscetíveis de produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros.

  9. Seguindo a jurisprudência contida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 2007 «a interpretação jurídica tem por objeto descobrir, de entre os sentidos possíveis da lei, o seu sentido prevalente ou decisivo. A apreensão literal do texto, ponto de partida de toda a interpretação, é já interpretação, embora incompleta, pois será sempre necessária uma "tarefa de interligação e valoração, que excede o domínio literal" (cf. JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11ª edição, revista, Almedina, 2001, p. 392)".

  10. Nesta tarefa de interligação e...

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