Acórdão nº 1212/14.5T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelANA PAULA BOULAROT
Data da Resolução26 de Abril de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I X Construções, S.A., intentou acção declarativa contra Banco Y, SA, pedindo a sua condenação no pagamento a título de indemnização, com fundamento na violação de deveres de informação do contrato de Swap havido entre ambas, a quantia de € 867.933,21, acrescida das quantias que se venham a apurar e de juros legais à taxa de 4%, desde a citação até ao efectivo pagamento; ou assim não se entendendo, deverá o Contrato Swap 2008 ser declarado nulo por ser subsumível à categoria de jogo e aposta, com as legais consequências ou quando assim não se julgue, deverá o mesmo contrato ser resolvido por alteração das circunstâncias, também com as legais consequências, sendo que a título de questão prévia, colocou a autora a questão da competência do tribunal, concluindo que, apesar da existência de uma cláusula de arbitragem voluntária (cláusula compromissória) no Contrato Quadro, é o foro judicial o competente para julgar a presente acção.

A Ré contestou, invocando, além do mais, a excepção dilatória de preterição do tribunal arbitral, concluindo, assim, desde logo, pela sua absolvição da instância e no mais pela sua absolvição do pedido Foi proferida sentença que, conhecendo da invocada excepção, julgou a mesma procedente e, consequentemente, absolveu a Ré da instância tendo a Autora interposto recurso, o qual veio a ser julgado improcedente.

De novo inconformada veio a Autora interpor Revista excepcional, apresentando as seguintes conclusões: - Sem conceder quanto às questões referentes à validade da convenção, que não se discutirão nesta sede, procurará a Recorrente demonstrar apenas neste recurso que a convenção de arbitragem deixou de lhe ser oponível em função da situação superveniente de insuficiência económica.

- A questão objecto do recurso cinge-se, pois, em saber se a competência material para a presente acção cabe aos tribunais judiciais ou é da competência dos tribunais arbitrais, cumprindo, para tanto, apreciar o fundamento enunciado atrás.

- «Mostra-se posicionamento pacífico considerar que a superveniência de uma situação de insuficiência económica que impossibilite uma das partes de suportar as despesas com a constituição e funcionamento da arbitragem, constituirá causa legítima de incumprimento da convenção» e que «quando uma das partes, sem culpa sua, deixa de ter meios de custear as despesas relativas à arbitragem, não pode ficar impedida de ver satisfeito o seu direito de acesso à justiça para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, pois estar-se-ia a denegar justiça por insuficiência de meios económicos (o que a Lei Fundamental, como vimos, não permite), pelo que a obrigação de recorrer à arbitragem se extingue relativamente a ela» - cfr. o Ac. STJ de 18/01/2000, proc. 99A1015, e o Ac. TRL de 02/11/2010, proc. 454/09.0TVLSB.L1-7.

- No caso dos autos, já depois de celebrar a convenção de arbitragem, a Recorrente viu-se a braços com uma degradação da sua situação económica, que não lhe é imputável, e que a impossibilita de custear as despesas de arbitragem. A situação agravou-se de tal forma que, por despacho judicial de 20/03/2015, portanto já posteriormente à instauração da acção, a Recorrente foi admitida a PER, facto que o Acórdão recorrido já tomou em conta.

- A admissão ao PER determinou uma alteração ope legis do estatuto jurídico da Recorrente, garantindo-lhe, para além do mais, de forma imediata e directa, a isenção total de custas judiciais no acesso aos tribunais (artigo do 4.º, n.º l, alínea u), do RCP), situação de que já tirou proveito no recurso que interpor para a Relação de Lisboa mas que, obviamente, não a poderá beneficiar na instância arbitral que, reconhecidamente e sem necessidade de comprovação adicional, será mais dispendiosa neste caso.

- Os elementos fácticos evidenciados nos autos (designadamente os Documentos 3, 4, 5 e 6 da p.i., e o Documento 1 junto como recurso para a Relação) espelham bem a débil realidade económica e financeira da Recorrente e permitiam à Relação inferir, ao abrigo da prerrogativa que lhe assistia nos termos do art. 662.º do CPC, a concomitante incapacidade de aquela suportar as despesas inerentes à via arbitral e, por outro, em consequência, julgar extinta a obrigação de recorrer à arbitragem.

- A impossibilidade de custear as despesas relativas à arbitragem acarreta, nos termos do art. 790.º n.º 1 do CC uma extinção da obrigação de recorrer à arbitragem, fundada na impossibilidade do seu cumprimento por causa não imputável ao devedor, o que permite julgar, desde logo, improcedente a excepção de preterição de tribunal arbitral, sem que para tal haja necessidade de desaplicar a norma contida no art. 577.º, alínea a) do CPC em função de um juízo de inconstitucionalidade sobre determinada dimensão interpretativa da mesma.

- Inconstitucionalidade que, à cautela, também se suscita quando a norma referida seja interpretada no sentido de a excepção de violação de convenção de arbitragem ser oponível à parte que, sem culpa, se encontre em situação superveniente de insuficiência económica que lhe confira o benefício de isenção de custas judiciais previsto no artigo 4.º, n.º 1, alínea u), do RCP, por de violação do art. 20.º da Constituição (acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva), não devendo, em conformidade, a mesma norma ser aplicada ao caso dos autos e julgando-se assim improcedente a excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal (cfr. neste sentido o Ac. TC n.º 311/08, de 30/05/2008, no proc. 753/07, já citado).

- E não se diga que o princípio constitucional da garantia do acesso à justiça não passa por o Estado assegurar que entidades com fins lucrativos e em má situação económica têm a possibilidade de aceder aos tribunais.

- Embora seja verdade que a redacção actual do art. 7.º, n.s 3 da Lei 34/2004, de 29 de Julho, introduzida pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, acabou com a concessão de protecção jurídica (dispensa de despesas judiciais e patrocínio judiciário gratuito) às pessoas colectivas com fins lucrativos, o Estado, porém, posteriormente, com o actual Regulamento de Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, que entrou em vigor em 20/04/2009 - concedeu às sociedades comerciais em situação de insolvência, ou em processo de recuperação de empresa, como é o caso da Recorrente, o benefício de isenção total de custas processuais (alínea u) do n.º 1 do art.4.º do RCP) - Dito isto, não é obviamente indiferente para a Recorrente litigar nos tribunais judiciais ou nos tribunais arbitrais. Enquanto nos primeiros pode fazê-lo, pois está isenta de todas as custas processuais; já na instância arbitral, onde não beneficia de qualquer isenção de custas, está impedida de litigar visto que não tem condições económicas para fazê-lo.

- Ao recusar-lhe o acesso aos tribunais judiciais, encaminhando-a para a justiça arbitral, o Acórdão recorrido está na prática a denegar justiça à Recorrente por insuficiência de meios económicos, resultado que a Constituição manifestamente impede (cfr. o Ac. TRL de 02/11/2010, já citado).

- Em síntese, é manifesto e patente (na acepção acima mencionada) que a aludida cláusula compromissória é inoponível à Recorrente, por impossibilidade superveniente de esta, sem culpa sua, custear as despesas da arbitragem (art. 790.º do CC). E, em qualquer caso, sempre a oponibilidade da convenção de arbitragem, no caso concreto dos autos, violaria o direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva previstos no art. 20.º da CRP.

Nas contra alegações o Recorrido concluiu do seguinte modo: - O reconhecimento de que o tribunal arbitral tem, em primeira linha, competência para aferir a sua própria competência, implica, no entendimento do STJ «que, ao aplicar a referida excepção dilatória devem os tribunais judiciais actuar com reserva e contenção, de modo a reconhecer ao tribunal arbitral prioridade na apreciação da sua própria competência, apenas lhes cumprindo fixar, de imediato e em primeira linha, a competência dos tribunais estaduais para a composição do litigio que se lhes pretende submeter quando, mediante juízo perfunctório, for patente, manifesta e insusceptível de controvérsia séria a nulidade, ineficácia ou inaplicabilidade da convenção de arbitragem invocada» - A convenção de arbitragem cm causa nos presentes autos nào sofre de qualquer vício manifesto que possa ser assim conhecido e declarado pelo tribunal judicial, face ao alegado na petição inicial e aos documentos juntos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT