Acórdão nº 6844/03.4TBCSC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelSILVA SALAZAR
Data da Resolução26 de Abril de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Em 11 de Setembro de 2003, AA, casada, aposentada, instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra BB, médico, e CC– Clínica ..., S.A., pedindo que os RR. sejam condenados a pagar, solidariamente, à Autora, a quantia de €183.076,55 (cento e oitenta e três mil e setenta e seis euros e cinquenta e cinco cêntimos), acrescida de juros à taxa legal supletiva contados desde a citação e até integral e efetivo pagamento, bem como as despesas futuras que esta tiver de realizar em consequência dos danos sofridos nomeadamente consultas médicas, tratamentos, internamentos, operações cirúrgicas e medicamentos.

Invoca, para tanto e em síntese: - A Autora acordou com a 2ª ré, que se dedica á prestação de serviços de saúde, que esta lhe prestaria serviços médicos e outros cuidados de saúde, mediante o pagamento de uma retribuição, tendo o 1º réu, médico, atuado como auxiliar daquela na execução desse acordo.

- Entre fins de Abril e princípios de Maio de 2001, a Autora dirigiu-se à consulta externa de ortopedia da 2ª Ré, onde foi observada pelo 1º Réu, e este prescreveu à Autora a realização de uma intervenção cirúrgica para colocação de uma prótese total da anca de longa duração.

- A Autora acordou com a 2ª ré que, contra o pagamento de retribuição, esta a receberia nas suas instalações para a operação, a realizar pelo 1º Réu, e lhe prestaria os demais cuidados de saúde necessários.

- O Réu realizou a operação em 15 de Maio de 2001.

- No mesmo dia, porque sofria dores muito intensas, a Autora chamou o 1º R., que considerou que a dor se mantinha no limiar normal.

- No dia 16 de Maio, novamente chamado, o 1º Réu admitiu ter ocorrido uma anomalia durante a operação, porque a prótese que lhe foi colocada tinha uma haste metálica mais longa do que deveria ser, o que lhe causou paresia do nervo grande ciático direito.

- Por decisão do 1º réu, este operou novamente a autora no dia 17 de Maio, para encurtar a dimensão da prótese e explorar o nervo ciático, o que forçou à reabertura e alargamento, para o dobro, da costura da primeira operação.

- Foi-lhe dada alta em 20 de Maio de 2001 e mandada para casa, só voltando a ser observada pelo Réu 15 dias após a alta.

- Esteve imobilizada durante cinco semanas após a operação e fez fisioterapia durante cerca de dez meses, afirmando-lhe sempre o Réu que as lesões eram recuperáveis embora houvesse que aguardar pelo período de um ano.

- Para conseguir essa recuperação, a autora, além da fisioterapia diária, fez diversas radiografias e medicação variada e intensa, nomeadamente com injeções epidurais de alto risco, também com corticóides, ministradas em sala operatória.

- Apesar dos tratamentos, a autora perdeu a sensibilidade no pé direito, tem a perna direita mais fina que a esquerda, claudicação acentuada na marcha e dores permanentes, mesmo estando sentada ou deitada, nem com canadianas se podendo movimentar durante cerca de oito a nove meses, estando totalmente dependente do auxílio de terceiros para esse efeito. - O 1º Réu veio a reconhecer que a situação clínica da Autora é irreversível e resultou do estiramento do nervo ciático causado pelo excesso de comprimento da haste metálica colocada na primeira intervenção cirúrgica de 15 de Maio de 2001.

- Só por descuido e imponderação do 1º Réu foi colocada uma haste de comprimento superior ao devido, o que consubstancia a violação das regras da arte médica.

- Não são conhecidos casos de estiramento do ciático na sequência de intervenções cirúrgicas com os fins realizados pela Autora.

- A operação a que a Autora foi submetida corresponde a um tipo de operação realizada com frequência e não envolve especial complexidade do foro ortopédico, pelo que sempre lhe foi dito pelos Réus que não era previsível qualquer complicação posterior.

- Porque era de presumir aquando da segunda cirurgia a existência de danos no nervo ciático, a segunda operação deveria ser acompanhada por um neurocirurgião, o que não sucedeu.

- As lesões de que a autora agora sofre são consequência direta do mencionado estiramento do nervo ciático e só poderiam ter sido solucionadas durante os três meses seguintes à operação, pelo que o 1º réu enganou a autora quando, durante um ano, lhe foi afirmando que a sua situação clínica era recuperável.

- Foi dada alta à Autora dois dias depois da segunda cirurgia, o que agravou o risco de lesão por a Autora não dispor de acompanhamento médico durante o período de imobilização, que deveria ter sido feito no próprio hospital.

- Como consequências do estiramento do nervo ciático sofreu as seguintes lesões: perdeu a sensibilidade no pé direito, tem a perna direita mais fina do que a esquerda, claudica acentuadamente na marcha e apresenta dores permanentes mesmo estando sentada ou deitada; sofreu lesão axonal severa (paresia) do nervo grande ciático direito, interessando os dois ramos terminais, mais grave no ciático poptileu interno, e perda de segmentos com aplicação de endoprotese com diminuição da força na perna e pé direitos, provocando-lhe uma IPP na ordem dos 61-65%.

- O que a impediu de continuar a sua atividade profissional de telefonista no Hospital ..., ou qualquer outra, obrigando-a a reformar-se em Dezembro de 2002, pelo que, tendo ela então 48 anos, sofreu uma perda de ganhos pelo período de 17 anos, que estima em 65.000,00 €.

- Ficou com o seu futuro pessoal, familiar, profissional e social posto em causa, visto que, sendo antes da operação uma pessoa alegre, feliz e ativa, se sente angustiada e deprimida, tem dores intensas e permanentes, lesões na visão por tomar diariamente oito ou nove comprimidos para combater a dor, dificuldade em conciliar o sono, em fazer esforços físicos, passou a ter vergonha da sua perna direita, sentindo-se diminuída, tem graves limitações na movimentação, só se podendo deslocar com o apoio de uma ou duas canadianas, pelo que peticiona a quantia de 75.000,00€ pelos danos não patrimoniais causados pela operação cirúrgica.

- Foi obrigada a contratar uma empregada doméstica, despendendo € 4.620,00 anuais, prevendo-se que necessite dos serviços desta por mais 27 anos, perfazendo 40.000,00€.

- Em transportes e despesas médicas a que foi obrigada em virtude das lesões despendeu a autora o montante global de € 3.076,55.

- Terá ainda que sofrer, no futuro, mais tratamentos em virtude das lesões, consultas médicas, internamentos, operações cirúrgicas e despesas médico - medicamentosas.

*** *** *** A Ré CC– Clínica ..., SA, contestou, invocando em síntese: - É parte ilegítima no contrato, porquanto a Autora não contratou consigo a prestação da consulta médica e a realização da operação cirúrgica: aquela dirigiu-se às suas instalações para ser especificamente consultada pelo Réu e com este a Ré não celebrou qualquer contrato de trabalho ou outro, mas tão só acordo no que concerne à realização de consultas.

- A Ré apenas se obrigou a prestar à Autora serviços de acompanhamento na operação cirúrgica e cuidados pré e pós operatórios, aluguer do bloco, alojamento, alimentação e enfermagem, tendo cumprido tudo aquilo a que se obrigou.

- Mesmo que fosse aplicável o disposto no artigo 800º, n.º 1, do CC (o que não concede), porque se não prova a culpa do Réu, também a Ré não pode ser responsabilizada.

- De mais relevante para afastar a culpa, impugna que a prótese tenha estado comprida demais; invoca que é corrente existirem fortes dores e o uso de petidinas após este tipo de operações, as quais são das mais complexas do foro ortopédico, que a Autora foi esclarecida das complicações possíveis, sendo as dores e lesões de que padece consequência natural das intervenções a que se quis submeter, além do que já padecia de lesões que, pela sua extensão e gravidade, acabariam por conduzir, no curto prazo, se não tivesse sido operada, a consequências ainda mais graves do que aquelas que diz sofrer.

Deduz ainda o incidente de intervenção principal provocada da Companhia DD, com quem celebrou contrato de seguro visando a Responsabilidade Civil na Exploração da sua atividade na clínica.

Pede a sua absolvição da instância, ou, quando não, do pedido.

*** *** *** O Réu BB também deduziu contestação, alegando, em súmula: - Salienta a sua competência e que a Autora se encontra em erro, pois não procedeu a qualquer encurtamento da haste na segunda operação, mas apenas na redução em 2 milímetros da extensão da prótese por via de novo encaixe da haste femural, que se manteve de 11 cm, mas com menos 2 mm de largura, a que procedeu de acordo com a "ars medica", nas 48 horas que se seguiram à primeira operação, apenas para alívio do nervo.

- Não ocorreu qualquer erro médico e a prótese colocada na primeira cirurgia era a adequada.

- Os compromissos neurológicos (ao nível do nervo ciático) são registados em 32% dos pacientes submetidos a intervenção cirúrgica como a da autora (artroplastia da anca).

- O simples facto da intervenção cirúrgica e das manobras a ela inerentes pode ter como consequência e risco o aparecimento das dores e da parésia, causadas por lesões encobertas ou mascaradas pela demais sintomatologia.

- Existem outras causas possíveis do estado da Autora: a intervenção cirúrgica em causa é muito complexa e tem riscos associados, podendo ainda a patologia da Autora ter sido causada por outras razões associadas à sua doença.

- A cicatriz da segunda intervenção constitui um pequeno prolongamento da primeira (cerca de 8 cm mais, sobre cerca de 12 cm), é muito fina e em zona do corpo coberta pela roupa interior.

- Sempre acompanhou de perto a Autora, dando-lhe toda a atenção profissional, esclarecendo-a sobre a cirurgia, riscos, possíveis complicações e circunstâncias em que era recomendada.

- Cumpriu as regras da arte; a Autora já em data anterior à cirurgia tinha dificuldade em dormir e tomava ansiolíticos.

Deduz ainda o incidente de intervenção principal provocada da Companhia EE, S.A...

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