Acórdão nº 20/15.0PDOER.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução20 de Abril de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

* Acordam no Supremo Tribunal de Justiça No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo supra referenciado da comarca de Lisboa-Oeste (J3 – 2ª Secção Criminal – Instância Central, Cascais), o arguido AA, com os sinais dos autos, foi condenado como autor material de um crime tentado de homicídio qualificado, previsto e punível pelos artigos 131º, 132º, n.º 2, alíneas e) e i), 22º e 23º, do Código Penal, na pena de 6 anos de prisão.

O arguido interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, sendo do seguinte teor o segmento conclusivo da respectiva motivação[1]: I. Nulidades processuais:- Violação do art.° 374.° n.º 2 do CPP - Deficiente Fundamentação - Acórdão nulo.

No caso "sub judice" essa motivação (que faz fls. 7 - 23 do recorrido acórdão) assenta quase exclusivamente nas afirmações prestadas em Tribunal pelo arguido. Que fundamentam pelo menos 15 parágrafos da "Motivação" do recorrido acórdão.

  1. Todavia, em sede de imputação/valoração do dolo (itens 12 e 13 dos factos provados), o acórdão mostra-se, com o devido respeito, pouco claro e evasivo, fazendo tanto apelo às as chamadas "presunções naturais" ( fls. 11), quer às regras de experiência e de normalidade, para afirmar, que resulta "com um ''probabilidade próxima da certeza" que o arguido agiu com "ânimo homicida".

    (fls. 12 do couto acórdão).

  2. A motivação do acórdão é deveras insuficiente, prestando-se a várias interpretações e nada esclarecedora quer da objetividade dos factos, quer da existência de ânimo homicida por parte do arguido (pag.12- 1.º parágrafo). Ânimo esse que atentas as circunstâncias do facto e a pré-existência de provocação física por banda do ofendido, nunca se poderia presumir. Daí o recorrido acórdão ser nulo por aplicação do disposto no art.º 379.° n.º 1 do CPP em conjunção com a apontada violação do disposto no art.º 374.° n.º 2 do mesmo diploma adjetivo. (insuficiência de fundamentação e do exame crítico da prova).

  3. Da medida da pena: Sem conceder quanto a todo o anteriormente alegado, a pena em si aplicada pela instância não deixa de ser excessiva, (de notar que praticamente toda a prova na audiência foi feita com a colaboração, relevante, do arguido, como a leitura do acórdão indica, uma vez que não existiram testemunhas presenciais ou se as houveram o Digno MP não as indicou nem solicitou que fossem inquiridas).

  4. O arguido, face a todas as circunstâncias atenuantes resultantes da própria discussão da causa, não deveria ter sido condenado em pena superior a 4 anos de prisão, devendo ainda a mesma ter sido suspensa na sua execução, dada a ocasionalidade do sucedido e a provocação do ofendido, sendo esse o sentido de toda a matéria de facto considerada provada pela instância e atinente às condições pessoais do arguido, muito embora registe algumas condenações anteriores como resulta do seu CRC.

  5. Várias atenuantes não foram consideradas no acórdão: O facto de o arguido se encontrar embriagado (havia bebido pelo mennos dois whiskies - item 2 da matéria de facto provada. E de ter vindo de assistir a um funeral de um amigo (ibidem). O facto de a discussão entre os dois ter sido iniciada pelo ofendido, sem qualquer motivo sério e apenas porque este (o ofendido) "pensava que o arguido estava a tecer considerações sobre a sua vida pessoal" (item 2 da matéria de facto) o que nem sequer se provo. O facto de o ofendido ter agredido com violência o arguido na face, partindo-lhe dois dentes que caíram no chão (item 4 da matéria de facto provada). O facto de o ofendido ter perdoado a conduta ao arguido "não lhe guardando rancor (item 15 da matéria de facto provada), o que parece incongruente com a tese (que fez vencimento no douto acórdão), de que o arguido queria "tirar a vida ao ofendido".

    A pena de seis anos de prisão efetiva encontrada e aplicada no recorrido acórdão viola, "in casu" o do disposto no art.º 71.° 1 e 2 do Código Penal, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que, por mais acertada, condene o arguido em pena de prisão não superior a quatro anos e ainda assim suspensa na sua execução com regime de prova.

    Na contra-motivação apresentada o Ministério Público formulou as seguintes conclusões: 1.

    O acórdão "recorrido" não enferma da nulidade invocada (por não conter as menções referidas no n° 2 e na alínea b) do n° 3 do artigo 374°) prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 379, ambos do CPP; 2.

    O acórdão "recorrido" não enferma de qualquer contradição ou insuficiência; 3.

    O dolo constitui matéria de facto na avaliação dos elementos típicos de uma norma incriminadora e infere-se dos factos objectivos provados; 4.

    A pena aplicada revela-se adequada e proporcional e, por isso, justa.

  6. O acórdão agora em apreço não merece reparo e deverá ser mantido.

    A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer: O arguido AA foi julgado e condenado no J3 – 2ª Sec. Criminal – Inst. Central, Cascais, comarca de Lisboa-Oeste em 03.12.2014 por autoria de um crime de homicídio qualificado tentado (arts. 131º, nº 1 e 132º e) e i), 22º e 23º do CP) na pena de 6 anos de prisão.

    O arguido recorre desta condenação para o Supremo Tribunal de Justiça, muito embora inicialmente comece por dizer que pretende o reexame da matéria de direito sobre a medida da pena, depois nas conclusões que delimitam o conhecimento do recurso, impugna matéria de facto questionando o meio probatório e insuficiência da fundamentação, sobre o “ânimo homicida” presumido e a medida da pena, considerando violados os arts. 374º, nº 2 e consequente nulidade do art. 379 nº 1 do CPP e 71º nºs 1 e 2 do CP. O recorrente ao tentar impugnar o crime de homicídio quanto à existência do “ânimo homicida” está a questionar a matéria de facto dada como provada de onde resultou a intenção de matar que considera ter sido presumida.

    Questão prévia: Segundo nos parece o recurso do arguido AA não versa só apenas matéria de direito mas também abrange matéria de facto e para o Supremo Tribunal de Justiça um dos pressupostos de recorribilidade direta não se mostra preenchido tal como estão definidos na alínea c) do nº 1 do art. 432º do CPP, mostrando-se delimitada a competência em razão da hierarquia e por isso o acórdão da 1ª instância só deva ser recorrível para o Tribunal da Relação.

    Tem sido entendido pelo Supremo Tribunal de Justiça em jurisprudência constante, que o recurso da matéria de facto, ainda que restrito à violação da intenção de matar tem de ser interposto para o tribunal da relação uma vez que o recurso para o STJ só pode abranger questões de direito (ex vi o Ac. do STJ de 22.04.2009, p. 303/06.

    0GEVFX.L1.S1, 3ª sec.).

    Assim parece-nos que será o Tribunal da Relação de Lisboa o competente para apreciar o recurso interposto pelo arguido AA, na sua totalidade (arts. 428º do CPP) por abranger matéria de facto e de direito (arts. 414º nº 8, 427º, 428º e 432º, nº 1, al. c) do CPP).

    No exame preliminar relegou-se para conferência, por razões de celeridade e de economia processual, o conhecimento da questão suscitada pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta relativa à eventual incompetência deste Supremo Tribunal para o conhecimento do recurso, por o seu âmbito não se circunscrever ao reexame da matéria de direito.

    Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    * Delimitando o objecto do recurso verifica-se que o recorrente AA submete à apreciação deste Supremo Tribunal duas questões, a primeira relativa à nulidade do acórdão, a segunda respeitante à espécie e medida da pena imposta.

    A Exma. Procuradora-Geral Adjunta, por sua vez, como já se deixou consignado, suscita questão atinente à eventual incompetência deste Supremo Tribunal para o conhecimento do recurso, com o fundamento de que aquele tem por objecto matéria de direito e matéria de facto, razão pela qual a competência para o conhecimento do recurso na sua totalidade cabe ao Tribunal da Relação.

    Começando por apreciar a questão colocada pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta, já que prévia, questão que se entrecruza com a suscitada pelo recorrente relativa à nulidade do acórdão, razão pela qual as iremos decidir em simultâneo, importa conhecer a decisão proferida sobre a matéria de facto, a qual, por isso, passaremos a transcrever: «Factos provados relevantes Discutida a causa, mostram-se provados os seguintes factos, sendo certo que aqui não interessa considerar as alegações conclusivas, de direito ou meramente probatórias, que deverão ser ponderadas em sede própria deste acórdão, nem as alegações manifestamente irrelevantes para a decisão.

  7. No dia 14.01.2015, em hora não concretamente apurada, mas entre as 20h e as 21h30m, o arguido AA encontrava-se no interior de café localizado na ....

  8. O arguido encontrava-se em tal local desde hora não concretamente apurada, mas situada entre as 17h e as 18 h, a consumir bebidas alcoólicas – pelo menos 2 whiskies – após ter assistido ao funeral de uma pessoa amiga.

  9. Naquela mesma ocasião e local encontrava-se BB que, pensando que o arguido estava a tecer considerações sobre a sua vida pessoal o abordou, iniciando-se entre ambos uma discussão.

  10. No decurso dessa discussão, o arguido e BB envolveram-se em luta, tendo este desferido, com a sua cabeça, uma pancada na cabeça de Simão Leal, partindo-lhe dois dentes da frente.

  11. Com os dentes na mão, o arguido retirou-se do aludido café e deslocou-se à sua residência, sita naquela mesma avenida, por cima do estabelecimento e retirou da gaveta da cozinha duas facas, utilizadas para cortar carne e batatas, com pelo menos 7 cms de lâmina, que guardou nas calças e, de seguida, regressou ao café.

  12. Quando o arguido regressou ao café, um homem que ali se encontrava, temendo que a contenda prosseguisse, pediu ao arguido que não abordasse BB, porém o arguido ignorou-o 7. Ao se aperceber da presença do arguido, BB atirou-lhe com pelo menos uma garrafa de cerveja, que não o atingiu e colocou-se em fuga- 8. Quando o arguido alcançou BB, espetou a lâmina da faca que empunhava no corpo daquele pelo...

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