Acórdão nº 657/13.2JAPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelHELENA MONIZ
Data da Resolução20 de Abril de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório 1.

No Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este (Penafiel — Inst. Central — Secção Criminal — J3), o arguido AA foi condenado: - a) pela prática, entre Fevereiro de 2008 e Junho de 2008, de um crime de violação, previsto e punido nos arts. 164º, nº 1, al. a), do e 177º, nº1, al. a), ambos do Código Penal (CP), na pena de 6 (seis) anos de prisão; - b) pela prática, entre o ano de 2008 (após a prática do crime referido em a)) e final de 2012, de dois crimes de violação, previsto e punido nos arts. 164º, nº 1, al. a), do e 177º, nº1, al. a), ambos do CP, precedidos de coação sexual, na pena de 6 (seis) anos de prisão, por cada um; - c) pela prática, entre o ano de 2008 (após a prática do crime referido em a) e final de 2012, de sete crimes de violação, previsto e punido nos arts. 164º, nº 1, al. a), do e 177º, nº1, al. a), ambos do CP, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, por cada um; - d) pela prática, em 11 de Fevereiro de 2013, de um crime de violação, previsto e punido nos arts. 164º, nº 1, al. a), do e 177º, nº1, al. a), ambos do CP, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão; - e, em cúmulo jurídico da penas parcelares aplicadas, na pena única de 13 (treze) anos de prisão.

Foi ainda julgado procedente, por totalmente provado, o pedido de indemnização civil, e condenado o arguido ao pagamento da quantia de €50.00,00 (cinquenta mil euros) à assistente/demandante, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, desde a respetiva notificação até efetivo e integral pagamento.

  1. Inconformado com a decisão proferida, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto que, por decisão sumária de 02.07.2015, rejeitou a interposição do recurso por “manifestamente improcedente”.

  2. Desta decisão o arguido reclamou para a conferência que, por acórdão de 30.09.2015, julgou “improcedente a reclamação”.

  3. Vem agora o arguido AA interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, e apresentando as seguintes conclusões: «1. O tribunal a quo fez questão de mencionar que não segue a Jurisprudência que “no âmbito dos crimes sexuais, tem considerado que o facto de ocorrer uma pluralidade do cometimento de tais ilícitos, como sucede quando os mesmos se prolongam no tempo com a mesma vítima e tal advenha de uma relação de proximidade, muitas vezes existe uma única resolução criminosa que acaba por dominar a acção unitária”, enumerando algumas decisões do STJ e da Relação do Porto.

  4. O Tribunal a quo entende que não há circunstâncias exógenas que atenuem a culpa do agente.

  5. Ocorre que tal, não corresponde à verdade, porquanto o reclamante é um individuo que é primário, ou seja, nunca antes fora condenado por qualquer ilícito criminal, tendo sido obrigado a emigrar para sustentar a família, (exceptuando a queixosa, que adquiriu a sua independência económica aos 17 anos), sendo que este arguido se encontra completamente inserido na sociedade, contando ainda com o apoio da esposa, filha mais nova e restantes familiares.

  6. Salientamos ainda que inicialmente não houve acusação por banda do Ministério Público, porque este entendeu não existir indícios suficientes da prática de qualquer crime.

  7. Não se compreende que o facto de o Recorrente passar tanto tempo fora do país, tenha servido para agravar a sua suposta conduta, porque não serve para questionar por que razão a queixosa nunca apresentou queixa nesses largos períodos? 6.

    Aliás, o facto de a queixosa, não depender do pai, e ter deixado a situação, alegadamente prolongar-se no tempo, tendo inclusive não oferecido qualquer tipo de resistência, não mereceu qualquer reparo por parte do Tribunal Recorrido, nem pelo Venerando Desembargador Relator.

  8. Ora, a ocorrer uma só resolução criminosa sempre estaríamos em face do cometimento de um único crime, ainda que através de várias acções.

  9. Somente em casos de pluralidade de resoluções poderá pôr-se a questão do crime continuado.

  10. Importante será, então, averiguar se ocorreram, ou não, circunstâncias exógenas que facilitaram a “recaída” do agente e, em consequência, determinem uma diminuição considerável da culpa.

  11. ”Pelo que o pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito” (Prof. Eduardo Correia, A Teoria do Concurso, p. 205 e ss.; Direito Criminal II, p. 209).

  12. Ou seja, o crime continuado apresenta-se como um “fracasso psíquico” do agente, sempre homogéneo, perante a mesma situação de facto, suposto porém que o agente não revele uma personalidade que se deixe facilmente sucumbir perante situações externas favoráveis e que, por essa fragilidade, facilmente não supere o grau de inibição relativamente a comportamentos que preenchem um tipo legal de crime (cfr., Hans Heinrich Jescheck e Thomas Weigend, “Tratado de Derecho Penal, Parte General”, trad. da 5ª edição, 2002, pág. 771-772).

  13. EDUARDO CORREIA in Teoria do Concurso em Direito Criminal, Colecção Teses, Almedina, 207 – “aquilo que na continuação criminosa arrasta o agente para a reiteração é precisamente o facto de, com a primeira conduta, se amolecerem e relaxarem as reações morais ou jurídicas que o frenavam e inibiam” (…) 246:” quando um delinquente se encontra de novo ante uma determinada situação, que, convidando à realização de um certo crime, já uma vez foi por ele aproveitada com êxito, há-de, sem dúvida, sentir-se fortemente solicitado a reiterar a sua conduta criminosa, e só muito dificilmente se manterá no caminho direito”.

  14. Ora, o padrão de actuação do Arguido era, segundo o que referiu a queixosa, sempre o mesmo.

  15. O facto de a queixosa não oferecer resistência, nunca apresentar queixa às autoridades, nem aos próprios familiares, não ter saído de casa (apesar de ter condições para isso), e nunca ter contado ao namorado facilitou muito, como é lógico, a alegada resolução para actos posteriores.

  16. Não podemos ainda esquecer que o Recorrente tem 1.63m (três centímetros de diferença para a recorrida), e não é especialmente forte.

  17. Toda esta conjugação de factores ocorreu durante um determinado lapso temporal, apurado pelo Tribunal, mas em alguns aspectos, não concretizado.

  18. Todos estes factores, de modo a facilitar a continuação da alegada atividade criminosa, diminuindo consideravelmente a culpa do agente, 18.

    Elenca Eduardo Correia (Direito Criminal, II, reimpressão, Almedina, Coimbra, 1971, Pág. 203 e ss.), como situações exteriores típicas da unidade criminosa, da continuação, sem esgotar o domínio dessa continuação, e sendo sempre a “diminuição considerável da culpa”, como ideia fundamental, as seguintes: 19.

    a) assim, desde logo, a circunstância de se ter criado, através da primeira actividade criminosa, uma certa relação, um acordo entre os sujeitos 20. b) a circunstância de voltar a verificar-se uma oportunidade favorável à prática do crime, que já foi aproveitada ou que arrastou o agente para a primeira conduta criminosa; 21.

    c) a circunstância da perduração do meio apto para realizar um delito, que se criou ou adquiriu com vista a executar a primeira conduta criminosa; 22.

    d) a circunstância, de o agente, depois de executar a resolução que tomara, verificar que se lhe oferece a possibilidade de alargar o âmbito da sua actividade criminosa”.

  19. Sendo que, a conexão espacial e temporal das actividades continuadas, não assume papel de especial relevo, apenas podendo ter interesse quando puder afastar a conexão interior da ligação factual entre os diversos actos (derivando esta de a motivação de cada facto estar ligado à dos outros).

  20. Decisivo é, pelo contrário, que as diversas actividades preencham o mesmo tipo legal de crime, ou pelo menos, diversos tipos legais de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, este será o limite de toda a construção”. In www.dgsi.pt. Acórdão do STJ de 20/10/2010.

  21. Como na decisão recorrida não foi ponderado que os actos praticados surgem num curto lapso de tempo (apesar de não conseguir apurar das datas) e que configuram uma interrupção no percurso de vida do arguido em que ressalta uma relação familiar estável e harmoniosa.

  22. Além do facto, de ter pautado a sua vida ao longo destes anos dentro dos parâmetros estabelecidos pela sociedade.

  23. Os critérios de escolha e determinação da medida da pena não foram devidamente ponderados pelo Tribunal recorrido, violando consequentemente o art.º. 71º. do C. Penal.

  24. Se “ a prevenção geral e a especial devem figurar conjuntamente como fins das penas”; 29.

    Se “havendo conflito entre elas, terá ele de ser resolvido com preferência da prevenção especial, pois a primazia da prevenção geral pode frustrar o fim preventivo especial, enquanto a preferência pela prevenção especial não exclui os efeitos da prevenção geral” (Roxin); 30.

    Se o “aumento da severidade das penas, como controlo do crime, é ineficaz e, como castigo pode revelar-se injusto”, (Elena Larrauari); 31.

    Se o drama da prevenção geral positiva é o de “chegada a hora da escolha da pena e da fixação da sua medida concreta, ela não se distingue da prevenção geral intimidatória”, confundindo-se com uma “satisfação das expectativas comunitárias” com a preocupação de dar resposta, pela dureza das penas à insegurança (real ou sentida); 32.

    Se esta confusão “tende a funcionar mais como um instrumento de uma política (administrativa) de segurança do que de uma política criminal de justiça”; 33.

    Se “a prevenção geral, sempre que estejam em causa segmentos da criminalidade que suscitam sentimentos de particular rejeição, tenderá necessariamente a constituir uma justificação complacente do endurecimento das penas e da submissão do direito penal às exigências da segurança interna”… 34.

    O Tribunal a quo não ponderou, devidamente, as...

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