Acórdão nº 185/13.6YHLSB-B.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução21 de Abril de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. BANCO DE INVESTIMENTO GLOBAL, SA instaurou no Tribunal da Propriedade Intelectual uma acção contra BANCO BIC PORTUGUÊS, SA, na qual pediu: «a) seja o Réu condenado a abster-se de utilizar a marca nacional mista n.° 408896, da titularidade da sociedade de direito angolano Banco BIC, S.A, ou, subsidiariamente, quando assim não se entenda, b) seja o Réu condenado a abster-se de utilizar a marca sob a forma da apresentação do respectivo sinal verbal escrito em letras brancas sobre um fundo de cor vermelha ou alaranjada; e c) sejam anulados os registos da marca comunitária mista n° 006865844, da marca nacional mista n.º 500559, do logótipo nacional n. ° 26887, da marca comunitária mista n.° 011309358 e da marca comunitária mista n.° 011359437, todas da titularidade da ora Ré, Banco BIC, com a consequente abstenção do respectivo uso; ou, subsidiariamente, para o caso de assim não se entender, d) seja declarada a caducidade dos registos da marca comunitária mista n.° 006865844, da marca nacional mista n.° 500559, da marca comunitária mista n.° 011309358 e da marca comunitária mista n.° 011359437, todas da titularidade da ora Ré, Banco BIC, com a consequente abstenção do respectivo uso; ou, subsidiariamente, para o caso de não procederem nem o pedido em c) nem o pedido em d), e) seja o Réu Banco BIC condenado à abstenção definitiva da utilização da imagem, por via de qualquer suporte, composta pelo sinal verbal "Banco BIC" quando este seja apresentado em letras de cor branca sobre um fundo de cor vermelha ou alaranjada; e, cumulativamente com os pedidos ou o pedido supra que procedam., f) seja o Réu condenado ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de pagamento da quantia que seja por esse Tribunal fixada segundo critérios de razoabilidade, mas não inferior a €20.000,00 (vinte mil euros), por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de abstenção em que seja condenada, tudo nos termos do disposto no art.°829.°-A do Código Civil".

Como primeiro fundamento dos pedidos de anulação que estão em causa no presente recurso, e em síntese, o autor invocou imitação da marca comunitária mista anterior, de que é titular, depositada em 9 de Março de 2006 e registada junto do Instituto de Harmonização para o Mercado Interno (IHMI) com o nº 004949871, para a classe 36 da classificação de Nice (Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional de Produtos e Serviços para efeitos de Registo de Marcas, de 15 de Junho de 1957) e, subsidiariamente, concorrência desleal.

BANCO BIC PORTUGUÊS, SA contestou. No que agora especialmente releva, veio arguir a incompetência absoluta do Tribunal da Propriedade Intelectual, por não ser “competente (salvo em sede reconvencional) para acções de nulidade, anulação ou declaração de caducidade de Marcas Comunitárias, não sendo igualmente competente (salvo em sede de recurso) para a declaração de caducidade de Marcas Nacionais”.

Alegou ainda que, segundo o disposto no artigo 107º do Regulamento da Marca Comunitária (o Regulamento nº 207/2009 do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2009), o Tribunal da Propriedade Intelectual “deve considerar válidas as Marcas Comunitárias do Réu”.

Houve réplica, na qual a autora, por entre o mais, veio ampliar o pedido, incluindo “a anulação da denominação social do Réu e do direito de exclusivo por ela conferido, com o consequente cancelamento da respectiva inscrição no Registo Comercial do Réu e no Registo Comercial de Pessoas Colectivas, e a condenação à abstenção do uso, sob qualquer forma, daquela denominação social e do sinal BANCO BIC, ou qualquer outro que seja confundível com a marca comunitária do Autor (…)”; e respondeu às excepções, nomeadamente de incompetência. A ré respondeu na tréplica.

No despacho saneador, junto a fls. 232, o Tribunal da Propriedade Intelectual admitiu a réplica apenas em parte, dando por não “não escritos os factos constantes dos arts. 209º a 261º e 262º a 326º”, e admitiu a tréplica; e, apenas quanto ao que agora interessa, conhecendo da excepção de incompetência, julgou o tribunal incompetente “para apreciar os pedidos de anulabilidade, nulidade ou caducidade de marca de registo comunitário, que não sejam efectuados por via de pedido reconvencional”. Assim resulta, em seu entender, dos artigos 51º, nº 1, 52º, 53º, 96º, d) e 100º do Regulamento nº 207/2009. Julgou portanto “procedente a excepção de incompetência” quanto à “declaração de extinção (por qualquer das vias) das marcas comunitárias mistas nº 6865844, n.° 11309358 e n.° 11359437 da titularidade da Ré”, e declarou-as “válidas”.

Quanto ao mais, o tribunal julgou-se competente em razão da matéria.

Em recurso de apelação, o acórdão de Tribunal da Relação de Lisboa, junto a fls. 251, julgou admissíveis os artigos 209º a 254º e 255º a 314º da réplica e confirmou a decisão de incompetência, recordando “que o legislador europeu pretendeu (…) um sistema jurisdicional, igual para todos os Estados que garantisse a interpretação uniforme da matéria atinente à aludida marca comunitária”.

  1. A autora recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, quanto à decisão de incompetência.

    Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões (desconsiderar-se-ão as que respeitam à justificação da admissibilidade do presente recurso como um recurso de revista excepcional, por se considerarem irrelevantes para a apreciação da revista, admissível nos termos previstos na al. a) do nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil): (…) Os fundamentos da revista (i) Nulidades previstas nos artigos 615.º e 666.º do CPC h) Nos termos do artigo 615.

    º, n.º 1, alínea d), do CPC, aplicável aos acórdãos da Relação por via do disposto no artigo 666.

    º do mesmo Código, é nulo o Acórdão sob censura por ter deixado de se pronunciar sobre a decisão, tomada pela 1.ª Instância, de declarar válidas as marcas comunitárias do Réu.

    1. Caso se considere, porém, que a decisão da Relação, expressa como "Confirmar a decisão recorrida quanto à incompetência do Tribunal' abrange no seu âmbito a confirmação da subdecisão de, como decorrência da declaração de incompetência, declarar válidas as marcas comunitárias do Réu, então o acórdão sob censura sempre padecerá da nulidade de falta de fundamentação dessa decisão, nos termos do disposto no artigo 615.

      º, n.º 1, alínea b), do CPC.

      (ii) A violação da lei de processo quanto à competência do Tribunal e a violação de lei substantiva quanto à declaração de validade das marcas comunitárias do Réu j) Nesta parte do Recurso, impugna-se a decisão, tomada no despacho saneador, de incompetência do Tribunal a quo para decidir do pedido de anulação dos registos das marcas comunitárias da titularidade do Réu e a decisão, também tomada no mesmo despacho, de declarar válidas essas mesmas marcas "nos termos do disposto no art. 107° do Regulamento de Marcas Comunitárias".

    2. Na versão portuguesa do RMC, a alínea a) do artigo 96.° é traduzida como "acções de contrafacção". Porém, nas versões inglesa e espanhola do mesmo regulamento, o artigo 96.° estabelece que os tribunais de marcas comunitárias (que, em Portugal, é o Tribunal a quo) têm competência exclusiva: "for all infringement actions [ ... ] relating to Community trade marks", ''para cualquier acción por violación [ ... ] de una marca comunitaria". Ou seja, o RMC atribui aos tribunais de marca comunitária a competência exclusiva para todas as acções fundadas em violação de uma marca comunitária, o que é o caso dos presentes autos, já que a marca em que se funda o Autor, e que este alega estar a ser violada, é uma marca comunitária.

      1) Tal como confirma a doutrina, estão nesta disposição incluídas a contrafacção propriamente dita, entendida esta como o uso por alguém de um sinal pertencente a outrem, mas também qualquer outra violação, como seja o uso de uma marca que constitui imitação de outra registada, caso em que não estamos no domínio da contrafacção tal como a conhecemos no nosso sistema jurídico. Só este – um sentido bem mais alargado da expressão "contrafacção" – pode ser o sentido correcto da tradução de infringement ou violación, já que, se atentarmos no texto dos artigos 52.° ou 53.° do RCM, não teria qualquer cabimento a existência de reconvenção em processos de contrafacção, se "contrafacção" fosse entendida com o sentido restrito com que vinha sendo consagrada no nosso ordenamento: com natureza criminal e, portanto, insusceptível de abarcar qualquer reconvenção...

    3. Impõe-se portanto uma interpretação extensiva, ou mesmo correctiva, da expressão "contrafacção" sob pena de incoerências aberrantes no sistema interno português e de uma discriminação intolerável relativamente aos cidadãos dos outros estados-membros, a quem ninguém impede de recorrer aos seus tribunais de marca comunitária com fundamento na violação por terceiros – qualquer que ela seja – das suas marcas comunitárias.

    4. Fundando-se o pedido de anulação formulado pelo Recorrente precisamente na violação de uma sua marca comunitária anterior, então é o tribunal de marca comunitária português que tem competência para tal julgamento.

    5. Se é certo que nos termos dos artigos 52.° e 53.° do RMC, o IHMI tem também competência para declarar nulas as marcas comunitárias, essa competência é de natureza administrativa, não afectando, portanto, o carácter de exclusividade com que é atribuída a competência judicial aos tribunais de marcas comunitárias para os casos em que que tais pedidos de nulidade tenham o fundamento específico da violação de marca comunitária anterior.

    6. Essa conclusão retira-se, nomeadamente, do disposto no n.º 3 do artigo 56.° do RMC. E, onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir: o artigo 56.°, n.º 3, do RMC refere-se a decisões judiciais proferidas por tribunais nacionais, quer em resultado de reconvenção, quer em resultado de acção.

    7. A competência do tribunal de marca comunitária (ou seja, do tribunal a quo) para conhecer de questões de extinção ou...

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