Acórdão nº 20/10.7TBBAO.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelORLANDO AFONSO
Data da Resolução21 de Abril de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça:

  1. Relatório: AA, identificado nos autos, instaurou contra BB – Construções, Ldª e CC e mulher, DD, também identificados nos autos, acção declarativa com processo sumário.

    Alegou, em síntese, que no dia 2/5/2007, pelas 17 horas e 30 minutos, fazia-se transportar num veículo ligeiro de mercadorias, propriedade da sociedade EE – Tectos Falsos e divisórias, Ldª, para a qual prestava serviços, na Estrada nº 108, no lugar …, freguesia de Mogadouro e ao km 70 da referida estrada, súbita e inesperadamente, o veículo foi abalroado, na parte da frente lateral direita e tejadilho, por uma pedra com mais de uma tonelada de peso, proveniente de uma obra levada a efeito pela 1ª ré e de que eram donos os 2ºs réus.

    Em consequência do embate, o autor ficou enclausurado dentro do veículo e sofreu graves ferimentos, foi evacuado de helicóptero para o hospital, esteve internado para tratamentos até ao dia 19 de maio de 2007, voltou a ser internado no hospital entre os dias 23 de maio e 23 de Julho de 2007, data a partir da qual passou a tratamento ambulatório e compareceu a consultas das especialidades de ortopedia, neurocirurgia, medicina física e reabilitação e psiquiatria, efectuando vários exames complementares de diagnóstico e voltou a ser internado entre os dias 27/2/09 e 6/3/09, ficando a padecer de uma lesão cerebral irreversível que limita de forma severa a sua capacidade de trabalho.

    Conclui pedindo a condenação solidária dos réus no pagamento de uma indemnização, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, no montante de € 334.254,00, bem como no pagamento dos mesmos danos que futuramente venha a sofrer, a liquidar em execução de sentença.

    Defendeu-se a ré BB, Ldª, excepcionado a natureza simultânea do acidente como de viação e trabalho e, assim, o impedimento do autor obter, na presente acção, o ressarcimento dos danos patrimoniais (por lapso, ao que cremos, refere-se aos danos não patrimoniais) e a sua ilegitimidade para a causa, porquanto a obra foi adjudicada a FF, sendo deste e do dono da obra todas as responsabilidades inerentes à construção e não ao subempreiteiro, como era o seu caso.

    Impugnou os factos alegados pelo autor, concluiu pela sua absolvição seja pela procedência das excepções que suscita, seja pela improcedência da acção e provocou a intervenção do empreiteiro da obra.

    Defenderam-se os réus CC e mulher, excepcionando a sua legitimidade para a causa, com o argumento que não são empregadores do autor, nem foram intervenientes no acidente de viação e refutando qualquer responsabilidade pela reparação do acidente, na consideração que o réu marido adjudicou a FF a demolição de um muro construído em pedra de granito azul e a construção, no mesmo local, de um outro muro em pedra de granito amarela e que era da responsabilidade deste retirar e transportar as pedras de granito de cor azul e de colocar as pedras de granito amarelas, com homens, máquinas e materiais de sua pertença, ficando a partir desse momento com as pedras de granito azul para usar noutras empreitadas e que a pedra de granito azul, que atingiu o veículo, não rolou nem saiu do muro, pois estava a ser removida pelo sócio-gerente da 1ª ré, fazendo uso de uma retroescavadora inadequada, face às suas grandes dimensões, para a construção de muros de suporte, com o consentimento e no interesse do FF e contra a vontade dos réus contestantes que haviam expressamente acordado com este que não se poderia fazer substituir, na execução da obra, por qualquer outro empreiteiro.

    Concluíram, na procedência da excepção da ilegitimidade, pela sua absolvição da instância e, em qualquer caso, pela sua absolvição do perdido e requereram a intervenção de FF e mulher.

    O autor respondeu defendendo a improcedência das excepções suscitadas pelos réus.

    Foi admitida a intervenção de FF e mulher, os quais, citados, apresentaram contestação excepcionando a sua ilegitimidade para a causa, na consideração que inexistem quaisquer contratos entre eles e o autor ou entre eles e os réus que justifiquem a sua demanda nos autos e impugnando, por desconhecimento, os factos alegados e especificadamente os factos alegados pelos 2ºs réus, por não haverem celebrado com estes qualquer contrato para a demolição e construção do muro, para cuja execução não tinha meios, nem equipamentos, limitando-se a sua intervenção, a solicitação do 2º réu, a escolher um empreiteiro com qualificação para o efeito, escolha que recaiu na 1ª ré, com o conhecimento e autorização do 2º réu, refutando haver adquirido ao 2º réu a pedra de granito azul desconhecendo por completo o destino que lhe foi dado.

    Concluíram pela sua absolvição dos pedidos formulados pelo autor.

    Realizada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador que julgou improcedentes as excepções de ilegitimidade suscitadas pelos réus e pelos chamados, e afirmou, no mais, a validade e regularidade da instância e condensado o processo com factos provados e base instrutória.

    Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais, conforme da acta consta, tendo sido proferida sentença que julgou: “A acção totalmente procedente, condenando-se os Réus e Chamados FF e mulher GG a pagar solidariamente ao A.:

  2. A quantia de 286.254,53€ (duzentos e oitenta e seis mil, duzentos e cinquenta e quatro euros e cinquenta e três cêntimos), a título de danos não patrimoniais que sofreram até à data, bem como pela perda da capacidade de ganho, acrescidas de juros de mora à mencionada taxa legal, desde a data desta decisão até efectivo e integral pagamento e a quantia de 48.000€ (quarenta e oito mil euros), pela perda de vencimentos, a que devem acrescer juros à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento.

  3. Relegar para ulterior liquidação os futuros danos de natureza patrimonial e não patrimonial, advenientes do acidente (tratamentos de psiquiatria e fisioterapia e outros que tenha que fazer, gastos com consultas, medicamentos e deslocações, bem como eventuais danos não patrimoniais que daí advenham) e não abrangidos em termos indemnizatórios por esta sentença.” Desta sentença recorreram os RR CC e mulher tendo Tribunal da Relação alterado a decisão recorrida, por forma a absolver os recorrentes do pedido formulado pelo autor, mantendo-a em tudo o mais.

    Inconformado recorreu o A para o STJ alegando, em conclusão, o seguinte: I. O presente recurso vem interposto da decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, que desresponsabilizou os ora Recorridos pelos prejuízos causados ao Autor, alterando, em consequência, a decisão proferida, em 1ª Instância, na parte que os responsabilizava solidariamente pelo pagamento dos danos sofridos.

    II. A discordância do Recorrente advém do facto de o Tribunal a quo ter efectuado uma errada interpretação e aplicação da lei, como infra se demonstrará.

    III. A questão que importa apreciar é a solução jurídica encontrada por este aresto e que conduz à não responsabilização dos donos da obra.

    IV. Primeiro analisando à aplicabilidade do artigo 493°, n° 1 e 2 do Código Civil e à presunção de culpa, nele ínsita.

    V. A situação que trazemos em apreço é enquadrável no âmbito do art.493° n°2, por se entender que a actividade perigosa, geradora de culpa presumida, é todo o processo construtivo, globalmente levado a efeito, com determinado meio e de materiais dotados de elevada potencialidade para causar danos - movimentação de rochas de grandes dimensões com retroescavadoras - e não apenas a movimentação de uma pedra naquele local.

    VI. Os donos da obra, não desconhecem que a obra a desenvolver é dotada de elevada potencialidade para causar danos.

    VII. Não podendo eximir-se à responsabilidade pelos danos provocados pela via técnica escolhida, sendo aquela dotada de elevada apetência para causar danos a quem circula na estrada nacional.

    VIII. O conceito de actividade perigosa a que se reporta este artigo 493°, n° 2, é relativamente indeterminado, carecendo de preenchimento valorativo, sendo que a perigosidade de uma actividade, pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, deve ser aferida em função das concretas circunstâncias do caso IX. A actividade levada a cabo nos autos é de considerar perigosa pela sua própria natureza e pela natureza dos meios utilizados, sendo-lhe aplicável o disposto no artigo 493, n° 2 do C. Civil.

    X. A lei estabelece neste caso uma inversão do ónus da prova, presumindo a culpa por parte de quem exerce uma actividade perigosa. É ónus deste sujeito a prova de que não teve culpa na produção do facto danoso, a fim de se eximir à responsabilidade.

    XI. Neste enquadramento legal, está a entidade lesante obrigada a reparar os danos que causar a outrem no contexto desta actividade, salvo se demostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de...

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