Acórdão nº 1538/11.0TBFIG.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelMÁRIO MENDES
Data da Resolução05 de Abril de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – AA, BB e CC propuseram a presente acção com processo ordinário contra DD e mulher EE e contra “Caixa de FF, C.R.L.”, alegando em síntese que por si e em representação de outros aí identificados negociaram com os RR nos termos e condições que constam de duas escrituras públicas de compra e venda juntas aos autos.

Referem que pela primeira escritura, de 3 de Abril de 2000, os AA e seus representados declararam vender por Esc. 18.000.000$00 aos RR DD e mulher e também a GG e mulher, que compraram, um prédio urbano objecto de destaque de um prédio misto ali devidamente identificado; por sua vez o negócio retratado na segunda escritura celebrada em 2 de Agosto de 2000 e com o preço de Esc. 20.000.000$00 teve por objecto a restante área do prédio original em causa, tendo nela intervindo apenas e só os Réus DD e mulher como compradores.

Acrescentam que no período de tempo que mediou a primeira e a segunda escrituras acabadas de aludir os RR DD e mulher adquiriram a totalidade da propriedade da parcela destacada ocorrendo, porém, que nunca receberam dos RR DD e mulher (ou de quem quer que fosse) qualquer valor ou preço em tais escrituras referidos.

Alegam também que aquisição dos mencionados prédios por parte dos RR DD e mulher junto dos demandantes e seus representados tinha como objectivo a construção de um prédio em regime de propriedade horizontal composto de fracções autónomas destinadas a habitação e garagens, conforme projecto aprovado pela Câmara Municipal da Figueira da Foz, obrigando-se os demandados DD e mulher a entregar depois aos AA três fracções habitacionais e três fracções destinadas a garagens.

Ainda segundo referem a “Caixa de FF, C.R.L.” assumiu o financiamento da construção do prédio contratando com RR DD e mulher um financiamento no valor de Esc. 200.000.000$00 e oferecendo o dito prédio como garantia real imóvel através da constituição de hipoteca voluntária; ao mesmo tempo obrigou-se perante os demandantes a garantir o cumprimento da entrega das mencionadas fracções, mal se encontrassem reunidas as condições de natureza legal que permitissem essa transmissão de propriedade a favor dos AA.

Na mesma data da realização da primeira escritura pública de compra e venda – 3 de Abril de 2000 –, já os RR DD e mulher, na qualidade de promitentes-vendedores, haviam celebrado com o A, na qualidade de promitente-comprador, um contrato-promessa de compra e venda através do qual aqueles Réus prometeram vender e o demandante, por si e em representação das restantes AA., prometeu comprar três fracções autónomas com três garagens do mencionado projecto de construção, sendo atribuído o preço de venda na quantia global de Esc. 42.000.000$00, que os Réus DD e mulher disseram terem recebido nessa data.

Acresce, segundo os AA, que quando da segunda escritura pública de compra e venda acabada de aludir os RR DD e mulher emitiram uma procuração a favor do A, conferindo-lhe poderes especiais para poder negociar consigo mesmo ou junto de terceiros as três fracções prediais em questão.

Segundo mencionam como condição essencial à realização de todo o negócio descrito, entre os ora demandantes e os representantes da Ré “Caixa de FF, C.R.L.” foi acordado que as fracções em questão ficariam de fora de qualquer intervenção hipotecária dada como garantia a esse financiamento.

Para o efeito, dizem, a R “Caixa de FF, C.R.L.”, através dos seus legais representantes (devidamente identificados na petição), como forma de garantir e formalizar o dito acordo, na mesma data da celebração da segunda escritura pública (2 de Agosto de 2000), emitiu documento de distrate autorizando o cancelamento das hipotecas relativas às fracções prometidas-vender – através do contrato-promessa de 3 de Abril de 2000 – do prédio objecto da primeira das escrituras públicas celebradas.

Em suma, ao emitir o documento de distrate acabado de aludir, a R “Caixa de FF, C.R.L.” assumiu de forma expressa e inequívoca que renunciava a qualquer direito sobre as mencionadas fracções, em caso de incumprimento por parte dos Réus DD e mulher perante aquela Ré “Caixa de FF, C.R.L.” no tocante ao contrato de financiamento entre eles estabelecido, ou mesmo perante os AA., reconhecendo, pois, a propriedade das mesmas fracções a favor dos demandantes.

Os RR DD e mulher vieram a construir nos referidos terrenos cedidos pelos AA um prédio constituído em propriedade horizontal com base no projecto aprovado em termos camarários, encontrando-se tal prédio actualmente concluído e os AA foram sempre acompanhando e intervindo em relação às três fracções habitacionais prometidas, no decurso das suas mais variadas fases construtivas, maxime verificando os trabalhos e dando indicações acerca dos materiais a aplicar.

Contudo, acrescentam, quando a obra em questão se encontrava concluída mas ainda sem os requisitos de natureza legal que permitissem aos demandantes fazer uso dos dois instrumentos (procuração com poderes especiais e documento de cancelamento de hipoteca) acima referidos (e ambos em seu poder), para colocar no respectivo nome ou em nome de outrem as referidas fracções, vieram eles a tomar conhecimento de que, por causas e circunstâncias de si absolutamente desconhecidas, o prédio construído e constituído em propriedade horizontal – e, logo, também as fracções prometidas-vender aos AA. – foi(ram) transferido(as), na sua propriedade, a favor da Ré “Caixa de FF, C.R.L.”, e isto apesar de o empréstimo bancário retratado na escritura pública de 2 de Agosto de 2000 se encontrar liquidado e pago.

Depois de ter tomado conhecimento da circunstância acabada de referir (transmissão da propriedade a favor da mesma demandada) o A AA requereu junto da R “Caixa de FF, C.R.L.”, através de carta datada de 16 de Março de 2010, o cumprimento e formalização efectiva de todo o negócio em causa, ou seja, que esta Ré, na qualidade de proprietária das fracções, operasse a respectiva transferência a favor dos demandantes, “respondendo” a demandada através da sua venda à empresa “HH – …, Lda.”, com a celebração de mais um novo contrato de financiamento com esta última entidade.

No quadro factual descrito entendem os AA que entre os mesmos e os três RR, e apesar de tal não se encontrar reduzido a escrito, foi negociado um contrato de permuta através do qual os demandantes, pela entrega dos prédios destinados a construção acima aludidos, receberiam dos Réus DD e mulher, em troca, três fracções habitacionais e três fracções destinadas a garagens, ficando garantido e assegurado documentalmente junto dos AA que a propriedade das fracções em causa seria transmitida a favor dos demandantes mal se encontrassem reunidas as circunstâncias de cariz legal para o efeito.

No entanto, e apesar de se terem encontrado em situação e condição de poderem cumprir com o acordado junto dos demandantes, os RR – todos eles – acabaram por se furtar à obrigação assumida, causando sérios danos na esfera jurídico-patrimonial dos AA., danos esses consumados em Fevereiro de 2011, altura em que, por via do negócio celebrado entre a Ré “Caixa de FF, C.R.L.” e a atrás identificada “HH – …, Lda.”, ficaram os Réus definitivamente impossibilitados de procederem à entrega das fracções.

Concretizando, caso o negócio tivesse sido cumprido entre todos os intervenientes conforme o acordado, hoje os AA seriam os proprietários de três fracções habitacionais com garagem, em um prédio bem localizado na cidade da …, gerando o incumprimento dos demandados a necessidade de colocação dos AA na situação em que se achariam se o contrato tivesse sido cumprido.

Por todo o exposto, e tomando em conta o actual valor médio de mercado dos apartamentos de características similares aos destinados aos demandantes, formulam pedido de condenação solidária dos RR no pagamento de uma indemnização no valor de € 515.0000.

Citada, contestou a “Caixa de FF, C.R.L.”, por excepção e impugnação, invocando desde logo a ilegitimidade das demandantes BB e CC e da própria contestante para os termos da causa, pois que só o A AA e os Réus DD e mulher intervieram na relação negocial aqui em causa.

Por impugnação, disse, em síntese, a “Caixa de FF, C.R.L.” ter efectivamente financiado a construção a empreender pelos RR DD e mulher não se obrigando, todavia, em nada perante os AA com quem não negociou ou contratou, sendo rotundamente falso haver aceitado que as identificadas fracções “ficassem de fora” de qualquer intervenção hipotecária, o que, aliás, melhor se compreende, do ponto de vista jurídico e formal, atento o princípio da indivisibilidade da hipoteca.

Acrescenta que o documento de distrate invocado pelos AA – e que não sabe como foi parar às mãos daqueles – não poderá conceder quaisquer obrigações suplementares para além daquelas a que o próprio distrate dá cumprimento, ou seja, das que se ligam a uma autorização de cancelamento de um ónus, e nada mais do que isso, só se considerando um documento daquele jaez válido e eficaz quando entregue ao “onerado” e por ele usado.

Mas, para além do mais, acrescenta que nunca os RR DD e mulher estiveram em condições de transmitir as fracções aos demandantes, desde logo porque nunca conseguiram concluir a construção de modo a poder constituir a propriedade horizontal, conclusão que só ocorreu em 28 de Fevereiro de 2011 pela mão da contestante.

Acrescenta que as fracções não foram “transferidas” para a R “Caixa de FF, C.R.L.”, apenas sucedendo que no âmbito da execução n.º 2876/08.4TBFIG, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, o imóvel (sem a propriedade horizontal constituída) foi adjudicado a tal R enquanto credora exequente, na sequência do incumprimento das obrigações mutuais dos Réus DD e mulher relativamente à contestante.

Concluindo, pugnou pela procedência das suas excepções, com as legais consequências, e, quando assim não se entenda, pela total improcedência da acção.

Os RR DD e mulher apresentaram também contestação, deduzindo ainda reconvenção.

...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
3 temas prácticos
3 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT