Acórdão nº 252/14.9JACBR de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelMANUEL AUGUSTO DE MATOS
Data da Resolução28 de Abril de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – RELATÓRIO 1.

AA foi julgado em processo comum, supra referenciado, pelo Tribunal Colectivo na Comarca de .... – Instância Central e condenado, por acórdão proferido em 16 de Outubro de 2015: Pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo de: - cinco crimes de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo artigo 171.º, n.

os 1 e 2, do Código Penal, cada um deles na pena de 4 anos e 6 meses de prisão; - um crime de coacção agravada, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22.º, n.º 1, alíneas a) e b), 23.º, n.

os 1 e 2, 73.º, 54º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão; - um crime de ameaça agravada, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 30.º, n.º 2, 153.º, n.º1 e 155.º, n.º 1, alínea a), todos do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão.

Em cúmulo jurídico, foi o recorrente condenado na pena única de 9 anos de prisão.

  1. Inconformado, interpôs o arguido o presente recurso, rematando a respectiva motivação com as conclusões que se transcrevem: «CONCLUSÕES: 1.

    Conforme se descortina do requerimento de interposição de recurso, a presente peça revela a insatisfação do recorrente com a assunção jurídica, mormente no que concerne à determinação das penas parcelares e, em último caso, única, e respectiva fundamentação, eleita pelo tribunal a quo.

  2. Na verdade, entende o recorrente que a determinação da pena concreta alcançada na decisão proferida pelo tribunal a quo, salvo melhor entendimento, não se encontra adequada ao caso concreto.

  3. O arguido, aqui recorrente foi condenado pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, nos seguintes crimes, tendo-lhe sido aplicadas as seguintes penas: - cinco crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171º nºs 1 e 2 do CP, cada um deles na pena de 4 anos e 6 meses de prisão; - um crime de coacção agravada, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º nº 1 al a) e b), 23º nºs 1 e 2, 73º, 154º nº 1 al a), do CP, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão; - um crime de ameaça agravada, na forma continuada, p. e p. pelos arts. 30º nº 2, 153 nº 1 e 155º nº 1 al a) do CP, na pena de 10 meses de prisão; Em cúmulo jurídico, o arguido, aqui recorrente foi condenado na pena única de 9 anos de prisão.

  4. Entende o recorrente que, a aplicação de 4 anos e 6 meses de prisão, ao arguido, por referência a cada um dos crimes de abuso sexual de criança, a quem foi condenado, não espelha, com exactidão o que resultou dos factos dados como provados. Tais penas, parcelares, mostram-se excessivas, desproporcionais e desadequadas.

  5. As finalidades das penas vêm indicadas no nº 1 do art. 40º do C. Penal: a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. São, pois, finalidades relativas de prevenção, geral e especial, que justificam a intervenção do sistema penal e conferem fundamento e sentido às suas reacções específicas.

  6. Com o recurso à prevenção especial pretende dar-se resposta às exigências de socialização do agente, com vista à sua integração na comunidade (cfr. Ac. do STJ, supra citado).

  7. Não obstante o grau da ilicitude do facto, que se afigura elevado, considerando, designadamente a idade das ofendidas que contavam apenas com 13 anos de idade, quando o arguido começou a praticar com elas os actos sexuais que resultaram apurados, cremos que a dinâmica em que tais actos ocorreram, deverão ser tidos em consideração, merecendo os mesmos uma ponderação diversa daquela que o tribunal a quo atendeu.

  8. Na verdade, tal como resulta dos factos provados, os cinco crimes de abuso sexual de criança, perpetrados pelo arguido, tendo sido praticado sobre duas criança, ocorreram num espaço de tempo curto, sendo certo que com uma das ofendidas o arguido esteve uma vez e não mais.

  9. Não obstante a gravidade do crime, afigura-se que a fixação da pena acima do limite mínimo de 3 anos de prisão, vai para além do que resulta dos critérios legais, mormente porque, cremos que as exigências de prevenção especial do arguido, sem qualquer antecedente que denuncie uma inclinação para o interesse, sexual, com crianças, não justificam a aplicação de penas, parcelares, tão severas.

  10. [[1]] De igual modo as exigências de prevenção geral não reclamam uma pena de prisão com essa duração. Não obstante se tratar de crimes bastantes graves, não se poderá olvidar que o próprio legislador já tomou em consideração exigências de prevenção geral ao definir a moldura penal.

  11. Certo é que, como se disse, os factos apontados ao arguido acarretam certa proximidade temporal, e não foram praticados durante anos, sendo certo que a ausência de qualquer historial do arguido em práticas sexuais com crianças, não poderá fundamentar, nunca, um juízo de prognose desfavorável ao arguido quanto a essa temática.

  12. Note-se, não se podendo olvidar, que modo de execução dos factos e as circunstâncias que os qualificam, sendo censuráveis para com o arguido, terão, com o máximo de objectividade possível, de ser atendidos.

  13. Na verdade, e como resultam dos factos provados, mormente no que diz respeito ao factos ocorridos de Setembro a Novembro, no envolvimento que o arguido manteve com a ofendida BB, constata-se que, em nenhuma das ocorrências, o arguido se deslocou ao encontro da ofendida, tendo sido, precisamente, o contrário a ocorrer.

  14. Nos três momentos em que o arguido esteve junto da ofendida, foi a ofendida que se deslocou para junto do arguido, tendo apanhado dois autocarros para ir ao seu encontro, o que ocorreu por três vezes diferentes, em semanas diferentes.

  15. A verdade é que, a ofendida BB sempre se deslocou a casa, ao encontro, do recorrente, sem que o arguido contribuísse para que isso ocorresse.

  16. Ora, a resolução criminosa do recorrente foi, deste modo, facilitada por uma situação exterior ou exógena a ele mesmo.

  17. Não foi o próprio recorrente que criou as condições que lhe permitiram concretizar os seus propósitos, designadamente, perseguindo, assediando e ameaçando a ofendida, sendo certo que nem sequer resultou da sentença que o arguido tivesse conhecimento da residência da ofendida para que a pudesse encontrar, se o quisesse.

  18. Se é certo que a censurabilidade na prática dos crimes apontados ao arguido é elevada, não se pode correr o – elevadíssimo – risco desconsiderar as condicionantes, externas ao recorrente que, inevitavelmente, foram facilitadoras, e essenciais, para que os encontros entre o recorrente e ofendida se repetissem.

  19. Se a censurabilidade dos crimes de abuso sexual praticados sobre crianças, menores de 14 anos, é elevado, não se pode desconsiderar as condicionantes que o recorrente não propiciou.

  20. Do que se mencionou, denota-se, sim, uma diminuição sensível da culpa do recorrente pois a ocasião favorável à prática dos crimes, no que à ofendida BB diz respeito, repete-se sem que o agente tenha contribuído para essa repetição. Isto é, quando a ocasião se proporciona ao recorrente e não quando ele activamente a provoca.

  21. Nos casos apreciados, a verdade é que, o arguido deixou-se arrastar pelo facto de a ofendida aparecer na casa dele criando uma oportunidade que, concretamente analisado, diminuiu a sua censurabilidade. Na verdade, não foi ele quem criou ou fomentou as oportunidades.

  22. Assim, do quadro factual apurado indicia a ocorrência de um circunstancialismo exterior capaz de facilitar ou propiciar a repetição dos comportamentos delituosos do arguido, tornando cada vez menos exigível a opção por conduta diversa, o que, de alguma maneira, diminuiu consideravelmente a culpa daquele.

  23. Por tudo o exposto, considera-se que, de facto, em relação a cada crime de abuso sexual de menores de crianças, cuja moldura penal prevista no art. 171 nº 2 do CP é de 3 a 10 anos de prisão, considera-se razoável, e justo, que a pena concreta seja fixada no mínimo legal de 3 anos de prisão.

  24. Dentro da moldura do concurso que resulta das penas parcelares a que o arguido foi condenado pelos 7 crimes que praticou, valorando, no seu conjunto e interconexão, os factos e a personalidade do arguido, considera-se adequada a pena púnica de 5 anos de prisão [em substituição da pena única de 9 anos de prisão fixada pelo tribunal de 1.ª instância].» 3.

    O Ministério Público na 1.ª Instância respondeu ao recurso, dizendo: «O arguido AA foi condenado pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, dos seguintes crimes e nas penas abaixo indicadas: - cinco crimes de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo artigo 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, cada um deles na pena de 4 anos e 6 meses de prisão; - um crime de coacção agravada, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22º, n.º 1, als. a) e b), 23º, n.ºs 1 e 2, 73º,154º, n.º 1 e 155º, n.º 1, al. a), do Código Penal, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão; - um crime de ameaça agravada, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 30º, n.º2, 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, al. a), todos do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão.

    Em cúmulo jurídico das sobreditas penas parcelares, foi o arguido condenado na pena única de 9 (nove) anos de prisão.

    O arguido, inconformado, veio interpor recurso de tal decisão, formulando vinte e quatro conclusões – que aqui se dão por integralmente reproduzidas – e pugnando, em síntese, pela redução das penas parcelares aplicadas a cada um dos crimes de abuso sexual de menor para o mínimo legal (3 anos) e pela redução da pena única para cinco anos.

    II No que respeita à medida das penas parcelares aplicadas, há que considerar, antes de mais, as respectivas molduras: o crime de abuso sexual de crianças, previsto no artigo 171º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos; o crime de coacção agravada sob a forma tentada, previsto nos artigos 22º, n.º 1, als. a) e b), 23º, n.ºs 1 e 2, 73º, 154º, n.º 1 e 155º, n.º 1, al. a), todos do Código Penal, é punido com pena de prisão...

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