Acórdão nº 330/13.1PJPRT-A.P1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelSOUTO DE MOURA
Data da Resolução28 de Abril de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

O MINISTÉRIO PÚBLICO junto do Tribunal da Relação do Porto, interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, ao abrigo do art. 437º, nº 2 e 5 do Código de Processo Penal (CPP), afirmando a oposição entre o acórdão de que recorreu, da 4ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, proferido a 24/9/2014, nos presentes autos (Pº 330/13.1PJPRT-A.P1), e o acórdão tirado a 3/4/2013 pelo mesmo Tribunal da Relação do Porto, no Pº 1122/09.8PJPRT.P1, que assim se elegeu como acórdão fundamento.

A questão sobre que se considera haver oposição, reside na escolha do facto e momento temporal relevantes para se considerar estarmos perante um concurso superveniente de crimes. A saber, se o momento da primeira condenação que ocorreu, por crime praticado antes de outro também cometido, se o do trânsito em julgado da condenação que primeiro teve lugar, por qualquer crime cometido anteriormente. Ou se se quiser, contrapondo ao concurso de crimes a figura jurídica da sucessão de crimes, a questão estaria em saber se esta surgiria logo que o agente cometesse um crime e depois outro (ou outros), já depois de estar condenado pelo primeiro, ainda antes do trânsito em julgado da decisão, ou só quando tivesse cometido um crime e a seguir outro (ou outros), mas depois do trânsito em julgado da condenação pelo primeiro.

A – O RECURSO Foram as seguintes as conclusões da motivação do recurso do Mº Pº: 1. Pelo acórdão recorrido proferido, aos 24.Set.2014, nos autos de Recurso Penal n° 330/13.1PJPRT-A.P1, da 4ª Secção, deste Tribunal da Relação do Porto (em apenso), foi decidido que o momento relevante para se conhecer do concurso superveniente de crimes, nos termos do disposto nos art.°s 77°, n° 1 e 78° n°s 1 e 2 do Código Penal, é o da condenação que ocorreu em primeiro lugar por qualquer crime cometido anteriormente; 2. Razão por que se não procedeu à unificação das penas aplicadas ao arguido AA, por os factos conhecidos no âmbito do PCC n° 330/13.IPJPRT, terem sido praticados em 07.Mar.2013, ou seja, depois da condenação do mesmo arguido, em 20.Fev.2013, no âmbito do PCC n° 1131/11.9PAVNG, ainda que antes do seu trânsito em julgado, que ocorreu em 10.Set.2013; 3. Pelo acórdão fundamento deste mesmo Tribunal da Relação do Porto, de 03.Abril.2013, proferido nos autos de Recurso Penal n° 1122/09.8PJPRT.P1, da 4ª Secção, já transitado em julgado [de que se junta certidão], foi considerado que o momento temporal intransponível para o conhecimento do concurso superveniente de penas, nos termos do disposto nos art.°s 77°, n° 1 e 78°, n°s 1 e 2 do Código Penal, é o do trânsito em julgado da condenação que primeiro teve lugar por qualquer crime cometido anteriormente, pelo que se determinou que fossem englobadas no cúmulo jurídico a efectuar no PCC 1121/09.8PJPRT, as penas aplicadas ao arguidos nos PCC n° 1004/09.3PJPRT, 1018/09.3PSPRT e 1002/09.7SJPRT, por os crimes cometidos naquele primeiro processo terem sido praticados quando ainda não tinha decorrido o trânsito em julgado das respectivas condenações por qualquer dos crimes julgados nestes processos, ainda que as respectivas condenações fossem anteriores à prática dos crimes; 4. Verifica-se, pois, oposição de julgamentos relativamente à mesma questão de direito, tendo ambos sido proferidos no âmbito da mesma legislação, ou seja, na vigência do art.°s 77°, n° 1 e 78° n°s 1 e 2 do Código Penal, na redacção que, por último, que foi conferida pela Lei n° 59/2007, de 04/09.

  1. A questão que se coloca no presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência prende-se em saber se o momento temporal que deve atender-se para verificação dos pressupostos do concurso superveniente de crimes é o da condenação que ocorreu em primeiro lugar por qualquer crime cometido anteriormente, ou, pelo contrário, o do trânsito em julgado dessa decisão; 6. Questão que passa, assim, pela interpretação do disposto nos art.°s 77°, n° 1 e 78° n°s 1 e 2 do Código Penal; 7. Todavia, aderindo-se à apontada jurisprudência maioritária do STJ, de que se faz eco no corpo da motivação, entendemos que o momento relevante para saber se os crimes se encontram numa relação de concurso ou de sucessão de crimes é do trânsito em julgado da condenação que primeiro teve lugar por qualquer crime cometido anteriormente.

  2. Sentido em que, em nosso entender, deve ser fixada jurisprudência.

    Assim se fazendo, JUSTIÇA".

    O recorrido, notificado da interposição do recurso, não respondeu.

    O Mº Pº sediado no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) emitiu douto parecer, ao abrigo do art. 440.°, n.° 1 do CPP, concluindo que depois da leitura dos autos se verificavam, relativamente aos acórdãos em confronto, recorrido e fundamento, todos os requisitos exigidos por lei, designadamente nos artºs 437° e 438°, ambos do CPP, e pela Jurisprudência uniforme deste STJ.

    Propugnou, pelo exposto, que se decidisse pela existência de oposição entre julgados, determinando-se o prosseguimento do recurso, nos termos dos n°s 3 a 5 do artº 440° e n° 1, 2ª parte, do art. 441°, ambos do CPP.

    Colhidos os vistos submeteram-se os autos a conferência, e por acórdão de 4/6/2015 se decidiu: "Por todo o exposto se delibera, em conferência da 5ª secção do STJ, estarem verificados todos os requisitos formais e substanciais previstos nos arts. 438º e 437.º, nº 1 do CPP, de que dependeria a prossecução do presente recurso, que deverá, pois, seguir os seus trâmites, cumprindo-se o disposto no art.442º, nº 1 do CPP".

    Após trânsito em julgado do acórdão, deu-se cumprimento ao referido art. 442º, nº 1, do CPP, e só o Mº Pº alegou, concluindo assim: "1. Os artigos 77.º e 78.º do Código Penal definem o regime legal do concurso de crimes e do concurso superveniente de crimes e visam permitir ao Tribunal atender, à data da condenação, a factos anteriores que estão com os julgados numa relação de acumulação.

  3. A fim de não prejudicar o arguido, permite-se e impõe-se ao Tribunal ter em conta todo o conjunto dos factos, a gravidade do ilícito global praticado, as exigências gerais de culpa e de prevenção, bem como ter em consideração o efeito previsível da pena sobre o seu comportamento futuro na fixação de uma pena única, sem que tal implique, no entanto, que todos os factos, sejam eles praticados em que datas forem, estejam numa situação de concurso.

  4. Perante uma repetição da conduta criminosa, o Tribunal procurará unificar as várias penas aplicadas ao arguido/condenado pelos diversos crimes, havendo, no entanto, previamente, que distinguir entre os crimes que são efetivamente concorrentes e os outros em que pode ocorrer, não uma situação de concurso, mas sim uma situação de reincidência ou de sucessão.

  5. No caso de concurso superveniente de crimes, o momento temporal a ter em conta para verificação dos pressupostos é o trânsito em julgado mais antigo de todas as decisões condenatórias em presença.

  6. O disposto nos artigos 77º e 78.º, do Código Penal, devem ser interpretados conjuntamente. Com efeito, 6. O artigo 78.º, que regula o conhecimento superveniente de infracções, afirma, expressamente, no seu número 1, que "são aplicáveis as regras do artigo anterior" e, por sua vez, o artigo 77.º, do Código Penal, refere que existe concurso crimes se o agente tiver praticado de vários crimes "antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles".

  7. A interpretação conjunta destes normativos estabelece, como pressuposto do conhecimento superveniente das penas, a prática pelo agente de diversos crimes antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles.

  8. Só com o trânsito em julgado é que os factos apurados e as penas aplicadas adquirem o grau de certeza necessário para poderem ser levadas em conta numa sentença.

  9. Este entendimento é o que melhor se coaduna com o princípio da presunção de inocência do arguido até ao trânsito julgado de uma sentença, o qual se encontra consagrado no nosso ordenamento jurídico - artigo 32.º do Constituição da República Portuguesa.

  10. Resulta de tal princípio que só a condenação inequívoca, porque transitada em julgado, pode ser apreciada em sede do concurso de infrações, "não se compadecendo a interpretação do artigo 78º do Código Penal com uma expectativa condenatória que, até o ser efetivamente, nenhum efeito substancial pode gerar no estatuto do arguido, nomeadamente em sede de apreciação do concurso de infrações".

  11. Este entendimento respeita a distinção entre punição do concurso e reincidência, uma vez que o instituto da reincidência pressupõe a prática de um crime depois de o agente ter sido definitivamente condenado por outro crime, enquanto o instituto do cúmulo jurídico superveniente se verifica quando os crimes são praticados antes do trânsito em julgado por qualquer um deles, pelo que, se está perante duas situações distintas que não se confundem.

    O entendimento de que, para efeitos de realização de cúmulo superveniente, deve atender-se à primeira das decisões transitadas relativas ao crime cometido não afronta o disposto no número 2, do artigo 471.º, do Código de Processo Penal, uma vez que em matéria de cúmulo jurídico importa distinguir duas realidades normativas distintas, a de saber qual o momento temporal que se deve considerar para o estabelecimento de uma relação de cúmulo jurídico superveniente, e a de determinar qual o tribunal competente para a realização do referido cúmulo jurídico.

  12. Se em relação à primeira, se deve entender que o momento determinante é o trânsito em julgado de qualquer das decisões, já quanto à competência do tribunal para proceder ao cúmulo jurídico, é relevante, para a fixação da competência, a data da condenação e não a do seu trânsito em julgado.

  13. Considerando a filosofia que preside à aplicação de uma nova pena ao arguido, uma pena única que tenha em conta o global da conduta do agente, pela prática de vários crimes, compreende-se que o legislador tenha atribuído, neste caso, competência ao tribunal da última condenação, uma vez que será este Tribunal aquele que dispõe...

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