Acórdão nº 2039/14.0JAPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Novembro de 2016
Magistrado Responsável | PIRES DA GRAÇA |
Data da Resolução | 23 de Novembro de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Como consta do acórdão recorrido, proferido no Recurso Penal, nº 2039/14.0JAPRT.P1, da ... Secção Criminal do Tribunal da Relação do ..., “No Proc. C.C. nº 2039/14.0JAPRT do Tribunal da Comarca do ... – Instancia Central – ... Secção Criminal – ... foram julgados os arguidos: AA; BB e CC; O Mº Pº veio, a fls. 1023 a 1034, deduzir incidente de perda ampliada de bens a favor do Estado, com a correspondente liquidação, contra o arguido BB, pedindo: 1) que o valor de € 618.752,54 fosse declarado perdido a favor do Estado; 2) que fosse decretada a apreensão e o arresto preventivo de bens imóveis móveis e contas bancárias; 3) que o arresto fosse decretado sem contraditório; 4) e que se remetesse a liquidação ao Gabinete de Recuperação de Ativos.
Por despacho de 19/08/2015, junto a fls. 1035 a 1040, o Tribunal decretou o arresto pretendido, com exceção de um determinado veículo automóvel.
Foi comunicada aos arguidos nos termos do artº 358º1 CPP uma alteração não substancial dos factos constantes da acusação; Após julgamento por acórdão de 10/2/2016 foi proferida a seguinte decisão: Face ao exposto, acórdão os juízes que compõem o coletivo: a) Absolver os arguidos BB e CC da prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado, p.p. pelo artº 21º, nº 1, conjugado com o artigo 24º, al.s b) e c), do DL nº 15/93, de 22/01.
* b) Condenar o arguido AA, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artº 21º, nº 1, com referência à Tabela I-B, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01, na pena de 6 (seis) anos de prisão; c) Condenar o arguido BB, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artº 21º, nº 1, com referência à Tabela I-B, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01, na pena de 9 (nove) anos de prisão; d) Condenar o arguido CC pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artº 21º, nº 1, com referência à Tabela I-B, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01, na pena de 8 (oito) anos de prisão; * e) declarar perdidos a favor do Estado: - os bens referidos nos números 13. e 14. dos factos provados (além do estupefaciente, as garrafas onde este se encontrava, bem como as malas onde o produto estupefaciente foi encontrado); - o computador Apple, referido no número 24. dos factos provados, utilizado para estabelecer os contactos relacionados com o tráfico de estupefacientes; - o aparelho eletrónico, com quatro antenas amovíveis, utilizado como inibidor de sinal, constante do número 19. dos factos provados.
Mais se determina a devolução dos outros objetos apreendidos, referidos nos números 15., 17., 18., 19., 20., 21., 22. e 23. aos respetivos proprietários, com exceção dos documentos apreendidos, que permanecerão neste processo por constituírem prova documental.
* f) Considerar o incidente de perda ampliada de bens, deduzida pelo Ministério Público contra o arguido BB, parcialmente procedente, por parcialmente provado e, para efeitos do disposto no artº 12º, nº 1, da Lei nº 5/2002, de 11/01, declarar perdida a favor do Estado a quantia de €170.402,40 (cento e setenta mil quatrocentos e dois euros e quarenta cêntimos), montante este que o arguido BB é condenado a pagar ao Estado.
Mais se determina a manutenção do arresto dos bens já decretados.
* g) Condenar os arguidos AA, BB e CC ao pagamento das custas penais e demais encargos, com taxa de justiça que se fixa, individualmente e a ser paga por cada um dos arguidos, em 5 Uc.
h) Determinar a destruição do produto estupefaciente que se mantém apreendido, nos termos do disposto no artº 62º, nº6, do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, incluindo a amostra cofre, devendo a PJ juntar ao processo auto de destruição; i) Nos termos e para os efeitos do disposto no artº 39º do DL nº 15/93, determina-se a venda oportuna do computador declarado perdido a favor do Estado, lavrando-se auto para esse efeito; j) Determina-se a destruição dos demais objetos apreendidos e declarados perdidos a favor do Estado (malas e garrafas usadas no transporte do produto estupefaciente) […]” Ordenou-se o demais de lei.
Recorreram os arguidos para aquele Tribunal da Relação, que por seu acórdão de 7 de Julho de 2016, decidiu: “ Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA e em consequência mantém o acórdão recorrido.
Condena o arguido no pagamento da taxa de justiça de 4 Uc e nas demais custas.
- Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido BB e em consequência mantém o acórdão recorrido.
Condena o arguido no pagamento da taxa de justiça de 6 Uc e nas demais custas.
- Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido CC e em consequência mantém o acórdão recorrido.
Condena o arguido no pagamento da taxa de justiça de 5 Uc e nas demais custas.
Notifique.
Dn” Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido Eugénio para este Supremo, sendo as seguintes as questões que o recorrente pretende trazer ao conhecimento deste Tribunal: “. Da existência de uma acção encoberta não autorizada; . Da nulidade das buscas ao estabelecimento comercial e à residência do recorrente; . Da realização da busca ao computador; . Do erro notório na apreciação da prova e violação das regras da experiência e omissão de pronúncia; . Do incidente de liquidação; . Da medida da pena.” Termina a respectiva motivação, com as seguintes: “CONCLUSÕES 1. Contrariamente ao alegado no acórdão recorrido a função da testemunha DD não foi, “...apenas a de dar a conhecer/denunciar a existência de uma operação de tráfico de droga para que fora contactado; 1.1. Outrossim foi a de estabelecer um acordo com o arguido CC, no sentido de aquele “...
facilitar a passagem de um correio de droga proveniente do Brasil” (conforme se deu como provado no acórdão); 1.2. Mais se deu como provado que, “ O referido DD combinou com o arguido CC que a sua função seria actuar, com os seus conhecimentos no aeroporto, a fim de facilitar a passagem do passageiro e da bagagem que este transportava à margem da fiscalização das autoridades.
1.3. Diga-se que a actuação do DD, pela evolução dos factos, teve necessariamente de ser agilizada e controlada pela Policia Judiciaria pois de outro modo teria sido detido aquando da operação policial; 1.4. Acresce que o enquadramento da actuação do DD ao regime da acção encoberta tinha, além do mais, em vista precisamente o controlo da sua actuação pela autoridade judiciaria; 1.5. A actuação do DD só poderia ter sido levada a cabo no âmbito de uma acção encoberta; 1.6. Uma interpretação do artigo 126º, nºs 1, 2 e 3 do CPP que não imponha que a acção desenvolvida por um informador/colaborador, que acorda com suspeitos a passagem de droga pelo aeroporto sem a fiscalização das autoridades, se desenvolva no âmbito de uma acção encoberta (Lei 101/2001, de 25/8) inquina de inconstitucionalidade material aquela norma jurídica por violar o estatuído no artigo 32º, nºs 1 e 8 da Constituição da República Portuguesa; 1.7. Na verdade um cidadão que preste uma colaboração desta natureza em estrita colaboração com as autoridades não pode deixar de estar sob a alçada e o regime estatuído na acção encoberta; 1.8. De resto, a acção desenvolvida por um informador/colaborador, com esta natureza, é enganosa e, também por isso, cai na alçada do artigo 126º do CPP. Uma outra interpretação inquina de inconstitucionalidade material esta norma jurídica por violar o artigo 32º da CRP; 2. Ainda que se admita que o recorrente BB foi abordado e detido pela Policia Judiciaria no momento em que esperava a chegada do correio de droga e, entretanto, este se dirigia na sua direcção, o seu comportamento não encerra uma situação de flagrante delito; 2.1. Na verdade o comportamento do recorrente BB, quando muito, levantava suspeitas do cometimento de um crime de tráfico de estupefacientes, o que o afasta do conceito de flagrante delito que impõe a evidência do cometimento do ilícito, apenas suportado pela posse do produto estupefaciente, que não existia de todo; 3. O acórdão interpretou incorrectamente as normas constantes dos artigos 174º, nº5, al. c) e 177º, nº2, al. c), ambos do CPP, designadamente quanto à verificação dos seus requisitos; 3.1. Desde logo a circunstância de o invocado flagrante delito ocorrido no aeroporto ... e as buscas em ... e no ..., está bom de ver que existe uma distância do local onde ocorreu o flagrante delito até ao da realização das buscas de vários quilómetros; 3.2. É que, a razão de ser da alínea c) do nº5 do artigo 174º e al. c) do nº2 do artigo 177º do CPP prende-se com a circunstância de um cidadão ser detido em flagrante delito, em determinado espaço onde naquele momento se encontra, e, por este motivo, a busca àquele espaço está legitimada.
Como exemplo: o cidadão que autoriza o OPC a entrar na sua residência para o notificar e vê um objecto ilícito. Aqui está a legitimação da busca por detenção em flagrante delito; 3.3. Por outro lado, como o acórdão reconhece e resulta dos factos dados como provados, o recorrente foi detido às 9.45 enquanto que as buscas foram realizadas, ao estabelecimento comercial às 13.45h (conforme fls. 44) e a busca à sua residência ocorreu às 14.00 horas (conforme fls.46), ou seja entre o flagrante delito e a realização das buscas decorreram mais de 3 horas; 3.4. Do que resulta, no momento da realização das buscas o flagrante delito já tinha terminado há várias horas.
É assim que se tem pronunciado a jurisprudência conhecida, segundo a qual, “...o flagrante delito, no caso dos autos, ocorreu ao momento da abordagem do arguido no seu veículo e terminou, na mais benevolente das interpretações, no momento em que é formalmente detido...” ou, “Ora, a situação dos autos não integra um caso de flagrante delito aquando da realização da busca domiciliária.
O arguido foi detido em flagrante delito pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes pelas 3h30m do dia 16/5/2015 e a busca domiciliária só ocorreu pelas 4h20m desse mesmo dia.
No mesmo sentido, perante situações semelhantes, se...
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