Acórdão nº 390/09.0TBBAO.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelOLINDO GERALDES
Data da Resolução03 de Novembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – RELATÓRIO AA instaurou, em 8 de setembro de 2009, na então Comarca de Baião (Instância Central de Penafiel, Secção Cível, Comarca do Porto Este), contra BB, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo que a Ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 124 079,12, acrescida de juros, a partir da citação, sobre a quantia de € 4 700,00, ou, subsidiariamente, a pagar-lhe metade da quantia gasta na construção, aquisição de bens (imóveis e móveis, incluindo veículo automóvel) e ainda a quantia de € 4 700,00, acrescida dos juros vencidos e vincendos.

Para tanto, alegou, em síntese, que viveu, em união de facto, com a R., desde maio de 1997 até março de 2008, da qual nasceu um filho; durante esse período sempre exerceu uma profissão remunerada, no ramo da construção civil, enquanto a R. se limitou cuidar das lides domésticas; foi o A. que, com o seu dinheiro, adquiriu todo o conjunto de bens utilizados por ambos, arrogando-se agora a R. a sua exclusiva proprietária, designadamente do veículo automóvel, marca Fiat, matrícula ...-...- LV, e de um depósito em conta bancária, no valor de € 4 700,00; com tal atitude, a R. incorreu numa situação de enriquecimento sem causa, prevista no art. 473.º do Código Civil.

Contestou a R., por impugnação, e concluindo pela improcedência da ação.

Replicou ainda o A., concluindo como na petição inicial.

Prosseguindo o processo e realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 31 de agosto de 2015, sentença, a julgar a ação totalmente improcedente.

Inconformado com a sentença, o Autor apelou para o Tribunal da Relação de Porto, que, por acórdão de 4 de fevereiro de 2016, dando parcial provimento ao recurso, condenou a Ré a restituir ao Autor o valor da casa referida em T), calculado com referência a princípios de março de 2008, com as dependências, obras e melhoramentos efetuados nela ou no seu logradouro e quintal, mencionados nos factos X) a AK), mas sem o terreno onde foi construída, bem como o valor do veículo referido em AAI), calculado com referência à mesma data, ambos os valores a liquidar, e com juros a partir da citação.

Inconformada, a Ré recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou essencialmente as conclusões:

  1. Não está demonstrado o enriquecimento da Recorrente e, concomitantemente, o empobrecimento do Recorrido.

  2. A união de facto é uma forma de estar em família, devendo entender-se que as despesas normais e correntes de quem vive, embora “informalmente”, a “plena comunhão de vida”, de que fala o art. 1577.º do CC, não é repetível, finda a relação, mediante a aplicação do regime do art. 476.º do CC.

  3. Não está verificado o pressuposto da ausência de causa justificativa do enriquecimento.

  4. As prestações efetuadas traduzem-se em formas de contribuição do Recorrido para a vida comum com a Recorrente.

  5. Não se encontra ainda preenchido o pressuposto previsto no art. 474.º do CC, que exige que não haja outro meio de reação contra o enriquecimento.

Com a revista, a Recorrente pretende a sua absolvição do pedido.

Contra-alegou o A., no sentido da improcedência do recurso.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Neste recurso, está em discussão a verificação do enriquecimento sem causa de um dos membros da união de facto dissolvida.

II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Pelas instâncias, foram dados como provados os seguintes factos: 1. O A. viveu com a R., desde os inícios de maio de 1997 até aos princípios de março de 2008, partilhando a mesma mesa e habitação, passeando, saindo juntos e auxiliando-se reciprocamente, no seu dia a dia, e relacionando-se afetiva e sexualmente.

  1. Dessa união nasceu em 18 de dezembro de 1997, o filho de ambos, CC, que criaram e educaram.

  2. Viveram como se fossem marido e mulher e, assim, sendo reconhecidos e tratados, principalmente pelas pessoas com quem mais se relacionavam.

  3. Assim sucedeu ininterruptamente até que a R. abandonou a habitação que partilhavam.

  4. Durante todo o tempo sempre o A. exerceu uma profissão remunerada, em regra a de ..., no ramo da construção civil.

  5. Por escritura de justificação e compra e venda, de 22 janeiro de 1999, DD e EE declararam: “que são donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, do prédio rústico - FF- mato, com a área de 6300m2, sito no lugar de Tapados, freguesia de Valadares, concelho de Baião, (...) omisso na Conservatória do Registo Predial de Baião; inscrito na matriz respectiva em nome do justificante varão sob o artigo 5..., com o valor patrimonial de 852$00 e o atribuído de 1.100.000$00. Que, em data imprecisa de 1974, este prédio lhes foi doado, verbalmente, por GG e mulher, HH, (...) não tendo sido outorgada a respectiva escritura de doação, nem a podendo outorgar agora por terem falecido os doadores. Assim, não têm título suficiente da sua aquisição. Que, porém, há mais de 20 anos de forma pública, pacífica, contínua e de boa fé, ou seja, com o conhecimento de toda a gente, sem violência nem oposição de ninguém, reiterada e ininterruptamente, na convicção de não lesarem quaisquer direitos de outrem e ainda convencidos de serem titulares do respectivo direito de propriedade e assim o julgando as demais pessoas têm possuído aquele prédio roçando o mato, fazendo benfeitorias, pagando os impostos ao Estado; pelo que tendo em consideração as referidas características de tal posse o adquiriram por usucapião; estando, por isso, impossibilitados de comprovar a referida aquisição pelos meios extrajudiciais normais”.

  6. Essas declarações foram confirmadas por II, JJ e KK.

  7. Na mesma escritura, os outorgantes referidos em 6. declararam ainda que “pelo preço de 1.100.000$00, que já receberam, vendem à 3.

    a e ao 4.

    o outorgantes, em comum e partes iguais, o retro identificado prédio”, que a R. e LL declararam aceitar.

  8. Na Conservatória do Registo Predial de Baião, encontra-se descrito, sob o n.º 98…/19990322, o prédio urbano, sito no lugar de ..., freguesia de Valadares, com a área de 6300 m2, sendo a coberta de 251 m2 e a descoberta de 6049 m2, composto de edifício de rés-do-chão e logradouro.

  9. Pela apresentação n.º de 2, de 22/03/1999, foi registada a favor da R., LL e MM, a aquisição desse prédio, por compra a DD e EE.

  10. Na Repartição de Finanças de Baião, encontra-se inscrito em nome da R. e de LL um prédio urbano, sito na freguesia de Valadares, com o artigo matricial 93... provisório.

  11. No dia 29/12/1998, na Repartição de Finanças de Baião, foi emitido termo de declaração, do qual consta que LL, por si em como gestor de negócios da R., declarou “que pretende pagar a sisa que for devida com referência a 1.100.000$00, preço por que contratou comprar a DD e esposa EE (...), o seguinte: prédio rústico denominado Tapado..., também conhecido por Tapado do ... ou C..., sito nos limites do lugar de ..., sitio dos ..., freguesia de Valadares, deste concelho, inscrito na matriz sob o artigo 56...

    (...)”.

  12. Na sequência dessa declaração foi liquidada a sisa, no valor de 88 000$00.

  13. O Cartório cobrou, pela realização da escritura referida, o valor de 49 730$00.

  14. O registo do prédio, a favor da R. e de LL, importou em € 51,25.

  15. O custo do projeto (que abrangeu também a casa/fração de LL) ascendeu a € 500,00.

  16. No prédio referido em 6. foi construída, em...

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