Acórdão nº 27/16.0YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelANA LUÍSA GERALDES
Data da Resolução24 de Novembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça 1. AA, Juíza ..., veio interpor recurso impugnando a deliberação do Conselho Superior da Magistratura, tomada em sessão plenária de 15 de Março de 2016, que lhe aplicou a pena de advertência registada, pela prática de uma infracção disciplinar pela violação dos deveres de zelo e de prossecução do interesse público (especificamente, na vertente de actuar no sentido de criar no público a confiança em que a Justiça repousa), prevista nos artigos 82.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais e 73.º, n.ºs 1, 2, alíneas a) e e), 3 e 7 da Lei 35/2014, de 20 de Junho, e punível com pena de multa (artigos 85.º, n.º 1, alínea b), 87.º e 92.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais).

  1. A Recorrente concluiu, imputando à deliberação do Conselho Superior da Magistratura os seguintes vícios: “VOTAÇÃO NOMINAL a) A deliberação impugnada do Plenário do C.S.M., de 15/3/2016, que mantém a pena de advertência à Recorrente, envolve um juízo de valor sobre o seu comportamento e qualidades, e por não ter sido tomada por escrutínio secreto, violou o art° 31°, nº 2, do CPTA, o que a torna anulável.

    NULIDADE DA FALTA DE AUDIÊNCIA b) A arguida vinha acusada de atrasos na prolação de decisões e de não controlar omissões do escrivão. E de o ter feito de forma deliberada, livre e consciente, aproveitando-se da conjuntura de não estar a ser objecto de qualquer inspecção nem de qualquer outro tipo de controle para assim proceder, o que não foi provado, pela prova do contrário.

    1. Foi condenada por tais atrasos e faltas de controle serem devidas às suas características profissionais e modo de gestão de processos e serviços, matéria que não constava da acusação e sobre a qual não pôde pronunciar-se, o que constitui patente nulidade de falta de audiência, nos termos do art° 124°, nº 1 do E.M.J., que torna a deliberação impugnada nula.

      MATÉRIA DE FACTO d) Atentas as férias, os atrasos de 186 e 103 dias levados ao nº 17 dos factos provados estão errados, devendo reduzir-se para 135 e 45 dias respectivamente.

    2. Igualmente, por força das férias e inoperacionalidade do CITIUS, os atrasos de 275 e 287 dias, constantes do nº 18 dos factos provados devem ser corrigidos para 190 e 115 dias respectivamente.

    3. Deve eliminar-se no nº 66 dos factos provados, correspondente ao art. 42° da acusação, a expressão "de forma livre", provinda desse artigo da acusação, pela mesma razão que na transposição dos arts. 40° e 41° da acusação para os nºs 64 e 65 dos factos provados se eliminou idêntica expressão.

    4. A matéria do nº 67 dos factos provados é vaga e conclusiva, sendo que são aí abstractamente referenciadas características profissionais e modos de gestão de processos e serviços que não foram levados à acusação, devendo por tudo isso ser eliminado este nº 67.

    5. A matéria do nº 68 dos factos provados é vaga e conclusiva, pelo que deve ser eliminada.

      QUANTO AOS FACTOS NÃO PROVADOS DA DEFESA i) A matéria dos itens III e IX é conclusiva e por isso esses itens devem ser eliminados.

    6. A matéria do item V devia ter sido dada por provada, face aos quadros de fls. 1043 a 1053 e de fls. 1055 a 1064, levados aos nºs 51 e 52 da matéria provada.

    7. A matéria do item VI tem de se dar por provada face ao provado nos pontos 57 e 58 dos factos provados.

    8. No item VII deve suprir-se o lapso, substituindo "extinção do 1° Juízo Cível" por "extinção do 3° Juízo Cível" e, consequentemente, dar-se por provado tal item para não haver contradição com o provado nos nºs 58 a 60 dos factos provados.

      VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM m) A Recorrente vinha acusada por atrasos nas decisões de Agosto de 2010 a Março de 2015, mas o processo foi arquivado quanto aos atrasos ocorridos até 4/9/2013, em virtude da deliberação do Conselho Permanente de 26/9/2013 considerar que tais atrasos não consubstanciavam infracção.

    9. Ora atrasos posteriores a essa data ocorreram exactamente nas mesmas circunstâncias dos imediatamente anteriores.

    10. Por isso, por igualdade de razão, não devem ser considerados infracções esses atrasos posteriores, sob pena de utilização de dois pesos e duas medidas para factualidade substancialmente igual e temporalmente sequente.

      PRESCRIÇÃO p) Dado que o inquérito foi instaurado em 28/4/2015, encontram-se prescritas as infracções disciplinares ocorridas até 28/4/2014, uma vez que as infracções disciplinares prescrevem no prazo de um ano após a sua prática (art. 6°, nº 1 do Estatuto, aprovado pela Lei 58/2008 e art° 178°, nº 1, da Lei 35/2014) .

      ATRASOS NAS DECISÕES q) No período de 3/8/2010 a 25/8/2014, a Recorrente teve uma pendência inicial de 984 processos e uma distribuição de 3.116, ou seja, uma distribuição anual média de 779 processos, isto é, um volume anual médio de 825 processos.

    11. O ... Juízo... de ..., hoje Juiz ..., é uma unidade de Média e Pequena Instância ..., sem execuções.

    12. E para essas unidades o Desp. do Min. da Justiça nº 9661/2010, de 14/6, D.R. II Série, nº 113, pág. 32316, apresenta um Valor de Referência Processual - VRP - de 550 processos.

    13. Por sua vez o Estudo sobre Contingentação Processual, de Julho de 2011, publicitado no site do CSM, aponta em relação às mesmas unidades para um VRP de 800 processos, o que o Relatório de Acompanhamento, de Fevereiro de 2012, publicitado também no mesmo site do CSM, valida como patamar máximo entre 600 e 800 processos, vindo o Plenário do CSM, na sua reunião de 13/3/2012, a aprovar esses VRP.

    14. No período de 1/9/2014 a 9/3/2015, a pendência inicial foi de 1143, com entrada nesse meio ano de 398 processos, com a perspectiva de uma entrada anual da ordem dos 800 processos.

    15. Por sua vez, a Port. 164/2014 de 21/8, emitida ao abrigo do D.L. 49/2004, que regulamenta a Lei 62/2013 – LOSL - estabelece no seu Anexo, nos critérios quantitativos, para uma Instância .... que não tramite execuções, como é a da Recorrente, um VRP de 700 processos.

    16. Ou seja, a Recorrente foi sempre sobrecarregada com volume de processos bem superiores aos Valores de Referência Processual, excesso este que originou os atrasos, pois os VRP são os indicadores do volume de trabalho que é possível exigir de um Magistrado.

    17. Atrasos estes que foram potenciados com a sobrecarga de 325 processos a mais que, para correcção de desigualdades de distribuição, foi determinado lhe fossem retirados em Outubro de 2014 para os outros juízes e só o foram um ano depois - (cf. nº 60 dos factos provados e certidão de 9/11/2015, junta pela Recorrente ao processo em 10/11/2015).

    18. Além disso, a volumosa carga processual urgente afectou a celeridade de tramitação dos processos não urgentes, estes os únicos onde houve atrasos.

    19. Acrescem reactivações de processos em arquivo, que não entram na estatística e são muito frequentes neste juízo que é o mais antigo da comarca.

      aa) Por isso, atribuir os atrasos, não ao excessivo volume processual, mas a uma postura negligente da arguida, que não se diz qual seja em concreto e de que factos se extrai, constitui uma incongruência e erro intolerável de apreciação.

      ACTA bb) O facto de a Recorrente não se ter apercebido que o escrivão não elaborou e disponibilizou uma acta, num total de 1396 actas feitas no período a que se reporta a acusação, constituiu um acontecimento isolado, ocorrido em 2011, e não contemporâneo dos atrasos na prolação de decisões, que está dentro dos limites da falibilidade humana, não podendo ser havida como omissão negligente, de falta de zelo e de prossecução do interesse público.

      PROCESSOS EM PODER DO ESCRIVÃO cc) A Recorrente não se apercebeu que o escrivão tinha 39 processos sem movimentação porque o serviço fluía normalmente, não tinha razões para suspeitar da prestação do escrivão, inspeccionado em 2011 e com a classificação de Bom com Distinção, e ignorava que havia mecanismos no Citius que permitem detectar tal falta de movimentação.

      dd) Aliás, estando o controle dos atrasos da secretaria também directamente afectos ao Presidente do Tribunal (art. 162°, nº 5, do CPC), tendo o escrivão hierarquia própria e sendo a função fundamental do Juiz julgar, isto é, proferir decisões e presidir a julgamentos e diligências, só será de lhe exigir actuação quando soar qualquer campainha de alarme, que foi o que fez quando a nova escrivã lhe deu conhecimento dessas retenções, não cometendo, por isso, qualquer ilícito disciplinar neste âmbito.

      IMAGEM DA RECORRENTE E DA JUSTIÇA ee) A imagem da Justiça, a ter sido afectada pelos atrasos, não o foi por culpa da Recorrente, mas da Orgânica judiciária, que lhe canalizou ao longo dos anos, um volume de serviço superior aos VRP adequados e não lhe retirou de Outubro de 2014 a Março de 2015, fim do período dos autos, a sobrecarga de 325 processos que teve de tramitar e deviam ter ido para outros Juízes.

      ff) Aliás, só contraditoriamente é censurada a Recorrente pelos atrasos, pois de um bloco de atrasos, no período de 2010 a 2015, por que vinha acusada, o CSM, na sua reunião de 26/9/2013, considerou não serem infracção disciplinar os ocorridos até 3/9/2013, não se vendo motivo para lhe continuarem a ser imputados os atrasos restantes desse bloco.

      gg) Uma imagem para a Justiça pela omissão da acta e retenção dos processos, a ter existido, é censurável ao seu autor e não à Recorrente, que pôs cobro à situação quando dela se apercebeu e antes até do próprio Presidente do Tribunal a quem essa tarefa está também directamente atribuída - (art. 162°, nº 5, do CPC).

      hh) A deliberação impugnada fez errada interpretação dos arts. 117º nº 1 e art. 124º, nº 1, do EMJ, dos arts. 3°, nº 1 e nº 2, als. a) e e), do Estatuto Disciplinar, aprovado pela Lei nº 58/2008 e arts. 73º, nº 1, nº 2, als. a) e e), nº 3 e 7 da LGTFP, aprovada pela Lei 35/2014, de 20/6 e do art. 31º, nº 2, do CPA.”.

  2. O Conselho Superior da Magistratura, na qualidade de Recorrido, respondeu e rebateu cada um dos argumentos apresentados, concluindo pela improcedência do recurso contencioso, conforme fls. 135 e segts.

    Fê-lo nos seguintes termos...

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