Acórdão nº 31/14.3T8PNF.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelANTÓNIO LEONES DANTAS
Data da Resolução17 de Novembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1 - AA participou ao Ministério Público junto da comarca de ... - Secção de Instância Central do Trabalho – ..., um acidente de trabalho, ocorrido em 29 de novembro de 2010, quando se deslocava para a sua residência, do seu local de trabalho - o Centro Hospitalar do ..., E.P.E., onde desempenhava as funções de enfermeira graduada.

A ação instaurada prosseguiu seus termos e veio a realizar-se a tentativa de conciliação que se frustrou, porque a empregadora, embora aceitando o acidente como de trabalho, o nexo de causalidade entre este e as lesões sofridas, a retribuição da sinistrada, bem como o grau de desvalorização que lhe foi atribuído pelo perito médico do tribunal, não aceitou reparar o acidente, por entender que a responsabilidade seria da Caixa Geral de Aposentações.

Seguidamente a sinistrada, representada por mandatário judicial, apresentou a petição inicial contra o referido Centro Hospitalar, pedindo a condenação deste a pagar-lhe € 409.208,00, a título de indemnização pelo acidente de trabalho, € 11.649,00, a título de prestação por pessoa a cargo, € 160.447,03, a título de subsídio por situação de alta incapacidade permanente, € 187.222,84, a título de subsídio por assistência a terceira pessoa, € 57.600,00 por força do pagamento do acompanhamento médico psiquiátrico, e € 120.960,00, por força do pagamento do programa de reabilitação neuropsicológico diário.

Alegou a Autora, em síntese, que sofreu um acidente de viação em 29.11.2010, quando se deslocava do local de trabalho para casa, e que, à data, exercia as funções de enfermeira especialista no serviço de bloco de partos, em regime de contrato de trabalho em funções públicas, mediante a retribuição anual de € 2.236,98 x 14 + € 7.662,32 x 1 (total anual de € 38.980,04) e que em consequência do acidente ficou afetada de incapacidade de 100% com IPA e foi fixada a data da alta em 29.11.2013.

Citado o Réu, contestou, excecionando a incompetência absoluta do tribunal, em razão da matéria, invocando que é uma pessoa coletiva pública integrada na administração indireta do Estado, estando os trabalhadores que nela exercem funções públicas sujeitos à disciplina do DL 503/99, de 20 de novembro, pelo que o tribunal competente para julgar uma ação administrativa interposta por um trabalhador com contrato de trabalho em funções públicas contra o Centro Hospitalar, por virtude de incapacidade resultante de acidente sofrido no exercício de funções, seria o tribunal administrativo.

A ação prosseguiu seus termos e no despacho saneador o tribunal conheceu da questão da competência do tribunal, tendo julgado procedente essa exceção e, em consequência, absolveu o Réu da instância. Inconformada com essa decisão, dela apelou a A. para o Tribunal da Relação do ..., que veio a conhecer do recurso interposto por acórdão de 2 de maio de 2016, que integrou o seguinte dispositivo: «Nos termos supra expostos, acordam conceder provimento ao recurso e em consequência revogam a decisão recorrida, ordenando o normal prosseguimento dos autos no tribunal recorrido.

Custas pelo recorrido».

Não satisfeito com o assim decidido, veio o Réu recorrer de revista para este Supremo Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: «1. O Centro Hospitalar ..., E.P.E., ora recorrente, é uma Entidade Pública Empresarial, isto é, uma "pessoa coletiva de direito público de natureza empresarial dotada de autonomia administrativa e patrimonial”, nos termos do regime jurídico do setor empresarial do Estado e das empresas públicas; 2. Assim, sendo uma pessoa coletiva pública integrada na administração indireta do Estado os trabalhadores que nele exercem funções públicas estão sujeitos à disciplina emergente do DL 503/99, de 20/11; 3. A Autora, ora recorrida, exercia funções de enfermeira ao serviço do recorrente ao abrigo de contrato de trabalho em funções públicas, encontrando-se inscrita na Caixa Geral de Aposentações; 4. O regime aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas é o constante da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, e demais legislação referente ao vínculo de emprego público, entre as mesmas o DL n.º 503/99, 20/11; 5. Acresce que a A. estriba a causa de pedir da ação na ocorrência de um acidente de serviço, no período em que a A. desempenhava as suas funções profissionais ao serviço do Recorrente, litígio que emerge do contrato de trabalho em funções públicas; 6. Aos tribunais administrativos "compete o conhecimento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas" (seu art.º 212.º/3), normativo que foi vertido para a legislação ordinária pelo ETAF onde se dispôs que "os Tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais." (seu art.º 1.º); 7. É da competência destes resolver, entre outras, a "A apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público;" [seu art.º 4.º/N.º3/b)], conjugado com os arts. 1.º, 2.º e 4.º do DL 503/99, de 20 de novembro; 8. Pese embora, a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, excluir do seu âmbito de aplicação objetivo as entidades públicas empresariais, determina que é aplicável subjetiva-mente aos detentores da qualidade de funcionário ou agente que exerçam as suas funções públicas em entidades excluídas do âmbito de aplicação objetivo; 9. Isto porque, com a transformação dos Hospitais, anteriormente abrangidos pelo Setor Público - Administrativo, cujos trabalhadores estavam sujeitos ao regime jurídico-laboral público, em Sociedades Anónimas, e posteriormente em Entidades Públicas Empresariais, operou-se uma mudança no paradigma da contratação de recursos humanos que passou a estar vinculada ao regime jurídico-laboral privado; 10. Mas, os trabalhadores que à data mantinham uma relação laboral pública viram salvaguardados os seus legítimos interesses e, portanto, continuaram e continuam a usufruir do seu estatuto de trabalhadores em funções públicas, com todos os direitos e obrigações inerentes, ou seja, regime remuneratório, carreira, poder disciplinar, não haverá que ser diferente em matéria de acidentes de serviço; 11. A não ser assim, coexistiriam trabalhadores que exercem funções públicas abrangidos pelo D.L. n.º 503/99 e outros não, em violação do princípio constitucional da igualdade; 12. Sabendo que, a Autora à data do acidente, exercia funções de enfermeira ao serviço do Recorrente, Centro Hospitalar do ..., EPE, ao abrigo de contrato de trabalho em funções públicas; 13. O Centro Hospitalar, ora Recorrente, é uma pessoa coletiva pública integrada na administração indireta do Estado, e, nessa data, o regime jurídico dos acidentes de trabalho ocorridos ao serviço das entidades empregadoras públicas era o estabelecido no DL 503/99, de 20/11; 14. A competência para julgar esta ação cabe aos Tribunais Administrativos, impondo-se concluir pelo acerto da decisão tomada em 1.ª instância, sendo os Tribunais Administrativos competentes, em razão da matéria, para conhecer e julgar a presente ação, cuja causa de pedir se funda em acidente de serviço.» Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido.

A autora respondeu ao recurso interposto, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: «I - A competência material dos tribunais deve ser aferida em função do pedido deduzido pelo Autor na sua petição inicial, devidamente enquadrado pela causa de pedir; II - Nos presentes autos, a Autora não interpôs a ação contra a Caixa Geral de Aposentações - que aliás declinou a sua responsabilidade em comunicação à Autora, reiterando a aplicação da lei laboral e a inerente responsabilidade do Réu - mas apenas contra o Réu, reclamando deste a proteção infortunística que a lei laboral concede para o acidente que qualificou de trabalho, qualificação que o Réu aceitou na fase conciliatória dos autos; III - Na petição inicial, a Autora alegou estar no regime de contrato de trabalho em funções públicas e invocou, precisamente, que era indiferente este regime para a definição da competência, pois o regime aplicável é o de acidentes de trabalho previsto no Código do Trabalho; IV - O Réu é uma entidade pública empresarial, como decorre do DL 326/2007 que o criou e aprovou os respetivos estatutos; V - Aos trabalhadores que exerçam funções em entidades públicas empresariais é aplicável o regime de acidentes de trabalho previsto no Código do Trabalho; VI - Quanto às entidades públicas empresarias, é indiferente que os seus trabalhadores exerçam ou não funções públicas, pois em quaisquer dos casos, é-lhes de aplicar o regime de acidentes de trabalho previstos no Código do Trabalho; VII - Tal decorre do legislador no n.° 4 do artigo 2.° do DL 503/99, de 20/11, na redação do artigo 9.° da Lei 59/2008, de 11/09 não ter caracterizado as funções exercidas por aqueles trabalhadores como "públicas", significando que todas as funções desempenhadas por aqueles, seja ao abrigo de contrato de trabalho em funções públicas, seja ao abrigo de contrato individual de trabalho, têm um regime comum no tocante a acidentes de trabalho; VIII - Face ao regime jurídico das entidades públicas empresariais aprovado pelo DL 133/2013, de 3 de outubro e como decorre do regime especial estatuído para as unidades de saúde sob o regime jurídico das entidades públicas empresarias - DL 233/2005, de 29 de dezembro - e no que ao caso concreto do Réu respeita, com a sua passagem para o regime de entidade pública empresarial, por força do DL 326/2007, quis o legislador que ao Réu se aplicassem regras idênticas às que regem as empresas privadas; IX - O que torna justificada a conclusão de que...

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