Acórdão nº 2356/14.9JAPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução09 de Novembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

RECURSO PENAL[1] Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO 1. Por acórdão proferido no processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, nº 2356/14.9JAPRT, da Comarca do ... –Instância ...– ... Secção ..., J..., foi o arguido, AA, condenado, pela prática, em concurso real: -de um crime de abuso sexual de crianças, previsto no artigo 171.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, agravado pela circunstância prevista na alínea a), do n.º 1, do artigo 177.º do Código Penal na pena de 9 anos de prisão; - de um crime de abuso sexual de menor dependente, previsto no artigo 172.º, n.º 1, agravado por força do disposto no artigo 177.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão; - de um crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2 do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão; - em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, na pena unitária de 12 anos de prisão.

Foi ainda condenado na pena acessória de inibição do poder paternal durante o período de 12 anos.

  1. Inconformado com esta decisão do tribunal de 1.ª instância, dela interpôs o arguido recurso para o Tribunal da Relação do Porto, impugnando a matéria de facto e a medida da pena aplicada.

  2. Admitido o recurso, o Tribunal da Relação do Porto, em 20.04.2016, proferiu acórdão, que julgou improcedente o recurso interposto pelo arguido, confirmando, na íntegra, o acórdão recorrido.

  3. De novo inconformado com este Acórdão da Relação de Porto vem, agora, o arguido AA interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: « I. Recorre o Arguido do Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que negou provimento ao recurso por si interposto para aquele tribunal e confirmou a decisão proferida em Primeira Instância que condenou o Arguido nas penas parcelares de nove (9) anos de prisão [pela prática do crime de abuso sexual de crianças], de cinco (5) anos de prisão [pela prática do crime de abuso sexual de menor dependente] e dois (2) anos e seis meses de prisão [pela prática do crime de violência doméstica] e, em cúmulo jurídico, na pena unitária, de doze 12 anos de prisão.

    1. Embora, em princípio, o Supremo Tribunal de Justiça apenas possa conhecer e apreciar questões de direito, casos há em que os poderes de cognição são mais vastos, podendo, conforme previsto no artigo 410.º n.º n.º 2 al.s a), b) e c) do CPP e n.º 3, abranger matéria factual, e conquanto se respeitem os requisitos aí erigidos.

    2. Nesse âmbito, crê-se que o Tribunal a quo, ao sufragar na íntegra a decisão proferida em Primeira Instância, incorreu também em erro notório na apreciação da prova [artigo 410.º n.º n.º 2 al.s c)].

    3. Do confronto do teor dos factos provados sob as alíneas a), b), s), v), hh) e, doutra parte, da alínea uu), concluiu-se que se consideram como provados factos contraditórios e que reciprocamente se excluem.

    4. Com efeito, dos mesmos se extrai que o agregado constituído pelo Arguido, aqui Recorrente, pela sua esposa e pela filha de ambos, ofendida nos presentes autos, sempre residiu no mesmo local ao longo de todo o período temporal relatado nos autos, a dizer, na Rua ....

    5. Todavia, e de modo inconciliável, reconhece-se também na decisão recorrida que, durante o relatado período de tempo, tiveram, afinal, várias residências [vide.

      alínea uu) dos factos provados].

    6. Releve-se, o esclarecimento de tal contradição assume especial relevo no presente caso.

    7. Por um lado, os direitos de defesa do arguido apenas se poderão dar por salvaguardados se os factos que lhe são imputados estiverem, espacial e temporalmente, circunstanciados; o que não sucede, se os factos são, em si contraditórios. IX. Doutra parte, a confirmar-se o vertido na alínea uu) dos factos provados, tal teria a virtualidade de afastar qualquer imputação ao arguido dos episódios de abuso sexual pretensamente ocorridos durante a infância da menor [aos 5 e 7 anos], pois que todos esses se reportam à casa sita na dita Rua ...., para a qual apenas se mudaram no decurso do mês de Fevereiro de 2012.

    8. Em conformidade, impor-se-ia assim a absolvição do arguido quanto ao crime de abuso sexual de menores p. e p. nos termos conjugados dos artigos 171. n.º 1 e 2 e 177.º n.º 1 al. a) CP.

    9. A circunstância de o Acórdão referir [alínea t) dos factos provados] que também terão ocorrido episódios de abusos na casa dos avós maternos da menor BB, sita à Rua ... é insusceptível de abalar a conclusão supra, pois que, quanto a esses – que, em todo o caso, não se admitem - não se divisa a data da pretensa ocorrência.

    10. Crê-se, ainda assim, que o suprimento de tais vícios apenas poderá ser assegurado por via de [novo] julgamento em primeira instância.

    11. Em crimes de cariz sexual, como aqueles pelos quais vem condenado o Arguido, o depoimento das pretensas vítimas não será suficiente, de per si, para fundar um juízo de condenação do Arguido.

    12. A fazê-lo no caso concreto, o tribunal a quo em muito extravasou o Princípio da Livre Apreciação da Prova previsto no artigo 127.º CPP e, correlativamente, desrespeitou o Princípio do in dubio pro reo, uma das vertentes do Princípio da Presunção da Inocência previsto no artigo 32.º n.º 2 da CRP.

    13. Ainda que fosse de aceitar o juízo condenatório do Arguido, aqui Recorrente, nota-se que as penas parcelares aplicadas aos crimes de natureza sexual e, consequentemente, a pena unitária, em cúmulo jurídico, que daí decorre são manifestamente excessivas.

    14. Da prática forense é possível concluir que, em idênticas circunstâncias, as penas são inferiores àquelas aplicadas no presente caso.

    15. Sendo semelhantes os fundamentos que presidiram à determinação das medidas concretas das penas parcelares aplicada pela prática dos crimes de natureza sexual, não se percebe, considerando as respectivas molduras, por que razão essas se cifram em diferentes medidas.

    16. Em respeito pelo teor dos artigos 71.º e 77.º do Código Penal e, bem assim, 13.º n.º 1, 18.º n.º 2 da CRP, sempre deveriam reduzir-se as penas parcelares aplicadas aos crimes de natureza sexual e, em decorrência, a pena unitária aplicada ao arguido.».

      Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente, revogando-se, em conformidade, o Acórdão recorrido.

  4. O Exmº Senhor Procurador-Geral-Adjunto, no Tribunal da Relação, respondeu, sustentando que: « 1.º O arguido, ora recorrente, foi condenado, por douto acórdão deste Tribunal da Relação, de 20/4/16, que lhe foi notificado em 22/4/16, na pena unitária de 12 anos de prisão, como autor de um crime de abuso sexual de crianças, de um crime de abuso sexual de menor dependente, e de um crime de violência doméstica.

    1. O primitivo mandatário do recorrente presumiu-se notificado em 27/4/16.

    2. O presente recurso acabou por ser interposto pelo novo defensor oficioso do arguido apenas em 13/7/16, com o pagamento da multa de € 51,00.

    3. Tal aconteceu porque, em 27/5/16, último dia do prazo normal para interposição do recurso, o primitivo mandatário do arguido veio renunciar ao mandato.

    4. Só que o arguido, em 25/5/16, tinha anunciado ao Tribunal a sua intenção de interpor recurso, para o que tinha dirigido requerimento à SS para concessão de apoio judiciário.

    5. O dito requerimento para concessão de apoio judiciário deu entrada na SS em 25/5/16, pelo que, na data da suspensão, restavam dois dias do prazo para interposição do recurso.

    6. O novo defensor nomeado foi notificado da sua qualidade em 7/6/16.

    7. Só em 13/6/16 veio requerer a prorrogação do prazo para interpor recurso 9.º Prorrogação essa que lhe foi concedida, por 20 dias, por douto despacho que foi proferido em 15/6/16.

    8. E de cujo teor se presume notificado em 21/6/16.

    9. Ora, tratando-se de uma prorrogação do prazo legal dos 30 dias, dos quais restavam apenas 2 dias ao novo defensor oficioso do arguido, quando este foi notificado da sua nomeação, em 7/6/16, o prazo prorrogado, teve o seu termo final, a nosso ver, em 29/6/16, podendo ser praticado o ato, com multa, até 4/7/16.

    10. Como o recurso foi interposto apenas em 13/7/16, parece-nos claramente intempestivo.

    11. É que o recorrente considerou a prorrogação do prazo como a concessão de um novo prazo para recorrer, procedendo à contagem do mesmo desde a data em que foi notificado do despacho que concedeu tal prorrogação - 21/6/16.

    12. Mesmo que tal venha a ser considerado correto, se forem contados 20 dias desde o dia 22/6/16, o último dia desse "novo prazo" foi o dia 11/7/13, pelo que, entrando o requerimento de interposição do recurso no segundo dia útil após esse último, teria de ser paga a multa de € 102,00 e, não, a de € 51,00 que foi efetivamente paga.

    13. Não obstante considerarmos que o recurso interposto é extemporâneo, o que é certo é que o mesmo foi admitido, pelo que nos cumpre responder às alegações do recorrente.

    14. Nas conclusões da motivação, suscita o recorrente a questão do erro notório na apreciação da prova de que padeceria o douto acórdão recorrido, já que acolheu sem qualquer desvio toda a matéria dada como provada na primeira instância.

    15. Esse erro notório consistiria no facto da decisão sobre a matéria de facto ter assentado em factos que foram dados como provados nos pontos identificados sob as alíneas a), b), s), v) e hh) para na alínea uu) serem dados como provados factos que claramente contrariam os primeiros.

    16. Mais concretamente, nas alíneas a), b), s), v) e hh) deu-se como provado que a ofendida, CC, nascida em ..., é filha do arguido e de DD e até ao dia ... residiu com o pai e a mãe numa habitação sita na Rua ...; que foi nesta mesma habitação que o arguido, até 9/4/14, manteve com ela relações sexuais de cópula completa; tendo sido nessa habitação que ocorreram os episódios de sexo oral com a menor; e que a arguida viveu sempre com o arguido, debaixo do mesmo teto, nessa habitação da Rua ....

    17. Ao passo que, na alínea uu) se deu como provado que o arguido viveu em casa própria, sita na Rua ...; aos 2 anos da menor, ou seja, em 2001...

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