Acórdão nº 603/12.0GAVVD.G1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Julho de 2016

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução07 de Julho de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

* Acordam no Supremo Tribunal de Justiça No âmbito do processo supra referenciado da comarca de Braga – ... Secção Criminal, ... – o arguido AA, com os sinais dos autos, foi condenado como autor material, em concurso real, de um crime de violência doméstica e de um crime de abuso sexual de menor dependente agravado, respectivamente, nas penas de 2 anos e 6 meses de prisão e 7 anos e 6 meses de prisão, sendo em cúmulo jurídico condenado na pena conjunta de 8 anos e 6 meses de prisão.

Mais foi condenado a pagar à demandante BB indemnização montante de 25.000,00€, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora desde 13 de Julho de 2015, data em que a decisão foi proferida.

Na sequência de recurso interposto pelo arguido para o Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 17 de Dezembro de 2015, foi integralmente confirmada a decisão impugnada.

O arguido recorre agora para este Supremo Tribunal de Justiça.

É do seguinte teor o segmento conclusivo da respectiva motivação[1]: I.

Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de ... que, erroneamente, porque se limitou a confirmar o acórdão proferido pela ... secção Criminal do Tribunal judicial de ..., Instancia Central – ..., decidiu negar provimento ao recurso.

II.

Entende o Arguido AA que se trata de um erro judiciário persistente grave, perigoso, e por isso profundamente injusta e inaceitável.

III.

A prova dos factos objecto de julgamento poderá ser decorrente de prova direta ou, ao invés, de prova indireta. O uso da prova indireta reclama do julgador uma particular cautela, a fim de evitar erros judiciários cujas consequências serão tão mais devastadoras quanto maior for a gravidade da conduta e da consequência jurídica aplicada.

IV.

Do acervo probatório produzido em audiência de julgamento não resulta nada que pudesse criar a convicção inequívoca de que o Recorrente cometeu o crime pelo qual foi condenado ao contrário do que se entendeu no douto Acórdão recorrido.

V.

A convicção do tribunal quanto aos factos provados e não provados tem de resultar da análise crítica e conjugada da prova produzida em julgamento, a saber, prova documental, verbal e pericial realizadas em audiência de julgamento e não foi isso que sucedeu nos presentes autos.

VI.

Como se sabe, a prova em processo penal não se basta, para suportar uma condenação criminal, com indícios e muito menos com indícios que na sua conjugação não são unívocos, pelo que um "non liquet" tem de se traduzir inevitavelmente no favorecimento do Arguido nos termos do princípio do in dúbio pro reo, como emanação do princípio constitucional da presunção de inocência - v. nesse sentido o Ac. da Rel. de Lisboa de 1/2/2011 pro 153/08.

VII.

Por isso a fundamentação da convicção do tribunal é muito escassa no que respeita ao Recorrente, quando era aí que competia ao julgador fundamentar em que meios de prova direta e principalmente indireta, baseou a sua convicção e não bastava remeter para o depoimento da ofendida, era necessário justificar porque razão isso foi determinante.

VIII.

Avaliada a fundamentação do douto Acordão do Tribunal de Guimarães não parece resultar uma sustentação de prova, validamente justificada, resumindo-se tudo ao vertido naquele acórdão que se passa a citar: “ Ora tratando-se de saber se o arguido cometeu ou não o crime de abuso sexual da menor, pela própria natureza das coisas, terá de se atender de forma essencial ao depoimento da vitima, porque este é, por excelência, o crime que se comete sem testemunhas.” IX.

Consequentemente houve erro na valoração de prova produzida.

X.

É hoje entendimento generalizado que um sistema de processo penal inspirado nos valores democráticos não se compadece com decisões que hajam de impor-se apenas em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz.

XI.

O douto Acordão em crise é vago em fundamentação, deixa de se pronunciar sobre questões que devi pronunciar-se, escolheu aquelas que melhor deram jeito para justificar que tinha de ser feito á luz da razão.

XII.

Trata-se de uma medida privativa de liberdade de um pai de família com filhos menores para criar, snedo ele o sustento da casa.

XIII.

Não se pode proferir uma decisão sustentada em indícios, provas indiretas e sobretudo apenas e só na livre apreciação da prova e na declarações da ofendida, sem que se sustente, sobretudo nestas questões de penas privativas de liberdade, a razão que lhes subjaz, de forma cabal e fundadamente.

XIV.

Parece que todo o esforço argumentativo do arguido em provar a sua inocência deixa de ter sentido em face da facilidade com que se tiram ilações sem apreciar e sem haver pronuncia sobre fatos que se reputam essenciais como infra se verá.

XV.

Não houve, inequivocamente, qualquer prova produzida donde se pudesse retirar sem qualquer dúvida de que o Recorrente cometeu o crime de abuso sexual de menor dependente agravado nos termos dos arts. 171.º,.n.ºs 1 e 2, 172.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, al. a), todos do Código Penal do Código Penal.

XVI.

Violou-se assim, inequivocamente, o princípio constitucional da presunção da inocência com a condenação do Recorrente.

XVII.

Salvo o melhor e devido respeito, quer a ... secção Criminal do Tribunal judicial de ..., Instancia Central – ... quer o Tribunal a quo não examinaram convenientemente a matéria de facto - nos termos das alíneas a) a c) do n.º 3 do art. 412º do C.P.P., então invocada, nem procederam ao exame da matéria de direito (a que estavam obrigados).

XVIII.

Não andou bem a ... secção Criminal do Tribunal judicial de ..., Instancia Central – ... e por inerência o Tribunal da Relação ao aderir in totum áquela decisão, que limitou-se a condenar com base no depoimento da ofendida/assistente, Não fez, no nosso entendimento, a correcta subsunção do direito aos factos considerados provados. Nem andou bem o Tribunal a quo que, alertado para tais vícios, não os conheceu.

XIX.

Reputa o recorrente o acórdão recorrido como injusto e insuficiente, à luz dos princípios básicos que regem o processo penal, de lógica e de bom senso e, sobretudo, à luz de critérios elementares de justiça material ou distributiva.

XX.

Na verdade, todas as questões e perplexidades invocadas na motivação (a qual se dá por reproduzida na integra) restam, ainda, sem solução no acórdão recorrido.

XXI.

Ora, com tal decisão e com a sua fundamentação não pode o arguido conformar-se, no seu se e no seu como, porquanto a mesma não relevou, nem da prova produzida em julgamento, nem tem expressão do que resultou da investigação realizada, como se impõe inequivocamente no processo penal, enquanto corolário dos princípios que conferem legitimidade e legitimação a um Estado de Direito que se pretende democrático, nas vestes e com o monopólio do poder punitivo estadual.

XXII.

O recorrente invoca a nulidade de todo o processado, no que a si concerne, impugna a matéria de facto considerada provada, evidencia o erro no enquadramento jurídico dos factos, invoca a violação do princípio in dúbio pro reo e insurge-se contra a medida da pena encontrada.

XXIII.

Cumpre referir que, a ... secção Criminal do Tribunal judicial de ..., Instancia Central – ... baseou a sua convicção, única e exclusivamente em critérios indiretos, sustentados em todo o enredo que a ofendida criou.

XXIV.

Estes depoimentos não podiam ter o bastante valor probatório que o tribunal a quo lhe conferiu.

XXV.

Assim, viola o princípio da presunção da inocência a fundamentação exclusiva da condenação na valoração do depoimento da ofendida.

XXVI.

O Tribunal da relação devia abster-se de considerar como factos assentes e absolver o ora recorrente atenta a manifesta violação do princípio da presunção de inocência.

XXVII.

O recorrente entende muito humildemente que a sua condenação do Arguido incorre num erro judiciário persistente grave, perigoso, e por isso profundamente injusta e inaceitável.

XXVIII.

O douto Acordão agora posto em crise, na sua fundamentação, faz uma cópia fiel do Acordão do ... secção Criminal do Tribunal judicial de ..., Instancia Central – ..., ao ponto de a Ex.ma Sra Juiz Desembargadora/Relatora considerar que, passa-se a citar: “Ora tratando-se de saber se o arguido cometeu ou não o crime de abuso sexual da menor, pela própria natureza das coisas, terá de se atender de forma essencial ao depoimento da vitima, porque este é, por excelência, o crime que se comete sem testemunhas.

XXIX.

Refere aquele douto Tribunal da realção que, passa-se a citar: Assim ouvindo-a, atendendo e considerando o modo como a mesma depõe, o que relata e a forma como o faz, os pormenores que espontaneamente introduz no discurso narrativo, tudo isso e o mais que aos julgadores é dado percepcionar com a imediação da prova (os gestos, os modos, a forma como olha e se posiciona durante o interrogatório e uma miríade de outros sinais alguns dos quais de difícil tradução escrita) o tribunal forma a sua convicção credibilizando ou não o seu depoimento.

XXX.

Ou seja, apenas e só se valorou o depoimento da ofendida/assistente, e, sustentou-se a decisão na livre apreciação da prova! XXXI.

Ora, o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, como decorre da 1.ª parte do n.º 2 do art. 660.º do CPC, aplicável ex vi do art. 4.º do CPP.

XXXII.

Omitindo o tribunal esteve dever de julgamento, quando o juiz/tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, a respectiva decisão é nula – arts. 668.º, n.º 1, al. d), do CPC, e 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.

XXXIII.

O arguido entende que deveriam ser “reavaliadas” da forma possível (na ausência de oralidade, imediação e concentração) as provas concretamente indicadas relativamente aos concretos pontos de facto que o recorrente indicou como tendo sido incorrectamente julgados, avaliando se efectivamente essas provas impõem ou não uma decisão diversa da recorrida, sendo que, para a hipótese de se considerar a existência de alguma insuficiência nas...

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