Acórdão nº 487/14.4TTPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Julho de 2016
Magistrado Responsável | ANA LUÍSA GERALDES |
Data da Resolução | 07 de Julho de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I – 1. AA Intentou a presente acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, contra: BANCO BB, S.A.
Para tanto, apresentou o formulário de fls. 2, opondo-se ao despedimento de que foi alvo e requerendo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do mesmo, com as legais consequências.
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Procedeu-se à realização de audiência de partes e o Réu empregador BANCO BB, S.A. notificado para apresentar articulado motivador do despedimento veio fazê-lo, alegando, em síntese, que: O Autor foi despedido na sequência de processo disciplinar que não padece de qualquer irregularidade formal.
A postura infraccional que o Banco imputou ao Autor, a pretexto de frequentar casinos e de nestes se ocupar em reiterada violação do dever de abstenção da prática de jogos de fortuna ou azar, não se encontra prescrita, tal como também não se verifica a excepção de caducidade invocada pelo Autor.
Acontece, porém, que o Réu ao analisar as transacções que o Autor processou no âmbito da movimentação da DDA nº …468, aberta no BANCO BB, a Direcção de auditoria do Banco Réu não ficou a conhecer mais do que podia e nenhuma das suas acções configura abuso ou violação de direito e, por isso, não se verifica qualquer irregularidade ou nulidade.
O Autor, ao frequentar e utilizar casinos para se ocupar em jogos de fortuna e azar com capitais próprios ou a coberto de empréstimos de amigos, consubstancia uma culposa, grave e reiterada desobediência ilegítima às ordens emanadas do seu empregador, com prática continuada. E ao recepcionar o saco PVC selado, não observou os procedimentos a que estava obrigado, silenciando que recepcionara um saco selado e descaminhando o seu conteúdo para utilização distinta daquela a que tal remessa fora afectada, o que representa uma violação grosseira e muito grave dos deveres de zelo e diligência e do que se impunha, porquanto estava obrigado a cumprir as ordens e instruções do empregador.
Acresce que o Autor apropriou-se dos 1.600,00 USD que se encontravam dentro do envelope, no interior do referido saco, e descaminhou tal quantia.
Comportamento esse que, em si mesmo e nas suas consequências, bastava para arruinar completamente a relação de confiança, fidelidade, lealdade e respeito que é imprescindível à manutenção do seu vínculo contratual com o Banco Réu.
Mais: o Autor não observou os deveres de tratar com probidade e lealdade a sua entidade patronal, de velar pela boa utilização dos bens relacionados com o seu trabalho e, ainda, de exercer de forma idónea, diligente, leal e conscienciosa as suas funções, por conseguinte, o despedimento é a única decisão que se mostra proporcional e que se ajusta à censurabilidade da grave e culposa conduta infraccional do Autor, verificando-se a justa causa invocada.
Conclui pedindo que a presente acção seja julgada totalmente improcedente, por não provada, devendo ser decretada a licitude do despedimento e, por consequência, absolvido o Banco Réu de todos os pedidos formulados pelo Autor, com todas as consequências legais.
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O trabalhador/Autor apresentou contestação e reconvenção alegando, em síntese, que: As acusações que o R. lhe faz são falsas, pois embora o Autor seja frequentador de casinos há mais de 40 anos, sempre fez levantamentos com os cartões em causa, pelo que, tais factos, a serem passíveis de procedimento disciplinar, já estão há muito prescritos.
Argumentou, ainda, que desconhece se foi ele próprio que abriu o saco, pois o que afirmou é que recepcionou o selo do referido saco e nunca recebeu valores, pois não abre os envelopes que chegam dentro dos sacos, pelo que desconhece o que está dentro dos mesmos.
Acresce que ninguém viu os referidos 1.600 dólares (só a cliente refere tal envio), pelo que o R. não pode acusá-lo de se ter apropriado dessa quantia só porque, no dia 14/02/2013, se provou que o Autor depositou na sua conta 600 dólares.
Conclui pedindo que: a) A contestação seja julgada provada e procedente e declarado ilícito o despedimento do A.; b) Seja considerada procedente a reconvenção deduzida e condenado o R. a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, com a retractação de tais acusações nos vários departamentos do R.; c) Seja o Banco R. condenado a pagar ao A. as retribuições que deixou de auferir desde o 30º dia anterior à propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão, acrescidas de juros de mora à taxa legal, contados desde a data dos respectivos vencimentos e até integral pagamento; d) E ainda, o Réu condenado a pagar ao Autor uma indemnização por danos morais num valor não inferior a € 20.000,00.
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O Banco empregador respondeu no sentido já explicitado, com a improcedência de todas as excepções deduzidas e que seja considerado como não provado o pedido reconvencional formulado pelo Autor, absolvendo-se o Réu de todos os pedidos.
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Foi proferido despacho saneador, a fls. 110 a 112, tendo sido decidido, aquando da apreciação da excepção da prescrição invocada pelo trabalhador, que os factos imputados a este e respeitantes à frequência de casinos e à prática de jogos de fortuna e azar não serão levados em conta na apreciação que o Tribunal fará acerca da justa causa invocada pelo Banco empregador.
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Procedeu-se a julgamento, com a prolação da sentença da 1ª instância (cf. fls. 288 e segts.), cujo dispositivo é o seguinte: “Pelo exposto e tudo ponderado, julga-se improcedente a presente acção e parcialmente procedente a reconvenção, pelo que: - se declara ilícito o despedimento que a entidade empregadora BANCO BB, S.A. promoveu relativamente ao trabalhador Requerente AA por inexistência de justa causa daquele despedimento; - condena-se a entidade empregadora a pagar ao trabalhador Requerente a quantia de € 16.112,61, a título de retribuições devidas desde o 30.º dia anterior à data da propositura da presente acção até à data de hoje; - condena-se a entidade empregadora a pagar ao trabalhador Requerente as retribuições que se vencerem desde a data da presente sentença até ao seu trânsito em julgado; - condena-se a entidade empregadora a reintegrar o trabalhador Requerente no local de trabalho que tinha à data do seu despedimento, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; - condena-se a entidade empregadora a pagar ao trabalhador Requerente, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros); - absolve-se a entidade empregadora dos demais pedidos reconvencionais contra si deduzidos pelo trabalhador Requerente.
Sobre as referidas quantias acrescem juros legais, desde a data da citação e até integral pagamento”.
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Inconformado, o Réu/Banco empregador interpôs recurso de apelação – a incidir sobre a decisão proferida pela 1ª instância quanto à matéria de facto e na consequente decisão de direito, pedindo que seja julgada improcedente a presente acção, com a declaração da licitude do despedimento do Autor.
Por sua vez o A. interpôs recurso subordinado, mas apenas sobre o valor da indemnização que lhe foi fixada por danos morais, em € 5.000,00, quantia que considerou insuficiente, requerendo o seu aumento para € 20.000,00.
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O Tribunal da Relação do Porto julgou procedente o recurso de apelação principal interposto pela R. e, nessa medida: 1. Ouviu a prova toda produzida em audiência e procedeu à alteração da matéria de facto inserida nalguns pontos e aditou outros factos (ponto 10-a); 2. Considerou que existia fundamento para o despedimento do Autor com justa causa e, nessa medida, declarou a licitude do despedimento; 3. E tendo concluído no sentido da licitude e regularidade do despedimento do Autor decidiu, em consequência, que o Autor não tinha direito a qualquer indemnização; 4. Por fim, julgou improcedente o recurso subordinado interposto pelo Autor, revogando igualmente a sentença e absolvendo a R. de todos os pedidos formulados pelo Autor.
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Irresignado, interpôs o Autor recurso de revista, onde exarou, em síntese, as seguintes conclusões: A) A Relação alterou a matéria de facto dada como assente com base em presunções legais e judiciais e de acordo com as regras da experiência de vida, quando a decisão do juiz a quo, se mostrava devidamente fundamentada B) O Exmº Sr. Juiz a quo entendeu que assiste ao trabalhador o direito a ser reintegrado e a ser indemnizado pelos danos que o despedimento ilícito lhe causou, tanto mais que não se provou que a factualidade descrita nos pontos 7 a 10, levou ao descaminho pelo trabalhador Requerente do envelope com impresso agrafado a que se alude no ponto 9., aquando da recepção do saco PVC referido no ponto 10.
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Não se provou que o trabalhador Requerente se apropriou do seu conteúdo (1.600,00 USD), introduzido nesse mesmo invólucro pela CC, S.A., nem se provou que o trabalhador Requerente procedeu à afectação do parcelar montante de 600,00 USD à realização do depósito referido no ponto 18.
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O Tribunal da Relação alterou a matéria de facto dos pontos 13, 14 e 41 dos factos assentes e aditou à matéria de facto o seguinte: “aquando da recepção do saco PVC referido no ponto 10 o trabalhador AA não entregou ao destinatário o envelope referido no ponto 9, que se encontrava no interior daquele, e continha 1600 dólares aí introduzidos pela CC, S.A., tendo-se apropriado do mesmo”.
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O Tribunal da Relação alterou a matéria de facto com base em presunções legais e judiciais e de acordo com as regras da experiência de vida, como se não fosse possível o trabalhador ter tomado outra atitude, atitude de pessoa honesta, que o é.
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O art. 662° do CPC consagra que o Tribunal da Relação só pode alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem...
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