Acórdão nº 154/15.1JDLSB.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Julho de 2016
Magistrado Responsável | SOUSA FONTE |
Data da Resolução | 13 de Julho de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça 1. Relatório 1.1.
O arguido AA, nascido em [...], respondeu, no processo em epígrafe, perante o Tribunal Colectivo da Secção Criminal da Instância Central da Comarca de ..., sob a acusação de ter praticado, em autoria material e na forma consumada, um crime de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos arts. 171º, nº 2 e 177º, nº 1, alínea b), do CPenal.
A final, foi condenado, além do mais, «pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de trato sucessivo de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos artigos 14º nº 1, 26º, 171.º, n.º 2 e 177.º, n.º 1, alínea b) do C. Penal na pena de 8 (oito) anos de prisão».
1.2.
Inconformado, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, cuja motivação culminou com as seguintes conclusões que transcrevemos (fls. 478 e segs.): «I.
O arguido confessou a quase totalidade dos factos constantes na acusação pública.
II.
Tendo o arguido sido completamente colaborante com a justiça.
III.
O arguido mostrou-se arrependido, aceitando que praticou actos que lhe eram proibidos e portanto, punidos por lei.
IV.
Apesar do grande número de condenações, nenhuma foi por crime de idêntica natureza.
V.
Pelo que o arguido não se conforma com a medida da pena, por manifestamente exagerada e desajustada à situação de facto provada.
VI.
Pelo que, entende o arguido/recorrente que, devidamente ponderados e valorados todos os factos e razões invocadas, o douto acórdão violou os artigos 40º e 71º do Código Penal no que na determinação da medida da pena diz respeito.
VII.
A pena de prisão de oito anos ao arguido mostra-se desproporcionada e deve ser alterada por uma de duração inferior.
VIII.
A pena aplicada apresenta um forte carácter punitivo, revelando maior aptidão para satisfação de um fim imediato de punição do que para a prevenção.
IX.
Pelo que deverão V. Ex.as aplicar ao arguido uma pena de prisão, mas em duração inferior aos oito anos aplicados pelo tribunal “a quo”.
PELO EXPOSTO E PELO MAIS QUE FOR DOUTAMENTE SUPRIDO POR V. EX.ªS, DEVE CONCEDER-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO DO ACÓRDÃO CONDENATÓRIO, FAZENDO-SE ASSIM, A VOSSA COSTUMADA JUSTIÇA!».
1.3.
O recurso foi recebido, tal como interposto, pela Senhora Juíza do Tribunal a quo, pelo despacho de fls. 496.
1.4.
A Exma Magistrada do Ministério Público do mesmo Tribunal respondeu e conclui que a pena aplicada é «justa e adequada», razão por que o acórdão recorrido deve ser confirmado (fls. 499 e segs.).
1.5.
Recebido o processo no Tribunal da Relação de Évora, a Senhora Procuradora-geral Adjunta emitiu o parecer de fls. 516 em que concluiu pela improcedência do recurso.
1.6.
Pelo Despacho de fls. 522, o Senhor Desembargador-relator, considerando que o Arguido «apenas vem recorrer em matéria de direito de acórdão proferido em 1ª instância por tribunal colectivo, ao pretender, exclusivamente, que lhe seja aplicada pena em medida inferior à pena de 8 anos de prisão em que vem condenado», ordenou a remessa do processo ao Supremo Tribunal de Justiça, «por ser o competente para conhecer do presente recurso face ao disposto no art. 432º nºs 1 c) e 2 do CPP».
1.7.
Recebidos os autos no Supremo Tribunal de Justiça, a Senhora Procuradora-geral Adjunta emitiu o parecer de fls. 527 em que concluiu pela competência deste Tribunal para julgar o recurso, «por força do que dispõem os arts. 434º e 432º, nº 1, al. c), ambos do CPP».
Quanto ao mérito do recurso, entende que lhe deve ser negado provimento, porquanto: «… São muito elevadas e exigentes as necessidades de prevenção geral neste tipo de crime, que provoca uma profunda e manifesta reprovação social, [impondo-se], por isso, uma forte e proporcional reação judicial de reafirmação das normas jurídicas violadas e de proteção dos bens jurídicos em causa.
A culpa do arguido e a ilicitude dos factos são elevadíssimas, a merecer expressiva reprovação.
As necessidades de prevenção especial são também muito exigentes, já que o arguido não interiorizou a gravidade da sua culpa e da ilicitude dos factos praticados, desculpabilizando-se com circunstâncias externas, mas sem fundamento, como seja, entre outros, o facto de a mãe da menor não lhe prestar muito apoio.
A pena de 8 anos de prisão fixada tem total apoio no disposto nos arts. 40º, 71º e 77º, do CP…».
1.8.
Cumprido o disposto no artº 417º, nº 2, do CPP, o Recorrente nada disse.
Tudo visto, cumpre decidir.
2. Da competência do Supremo Tribunal de Justiça para conhecer do recurso Prescreve, na parte que nos interessa, o artº 432º do CPP: «1 – Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: … c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito» … 2 – Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no nº 8 do artigo 414º».
Pois bem.
O acórdão recorrido foi proferido pelo Tribunal Colectivo que aplicou uma pena de 8 anos de prisão.
Resta verificar se o recurso visa exclusivamente ou não o reexame da matéria de direito.
São as conclusões que encerram a motivação que definem o objecto do recurso: artº 412º, nº 1, do CPP, conjugado com o artº 635º, nº 4, do CPC.
O Arguido/recorrente, logo no início da sua motivação, no seu nº 2, restringiu o objecto do seu recurso à medida da pena, com a qual diz não se conformar.
Certo que no nº 15 da motivação requer o Tribunal ad quem «a reapreciação da matéria de facto …». Não se trata, todavia, do pedido de reexame da decisão do Tribunal Colectivo sobre a matéria de facto, que de todo não discute, mas antes do pedido de reponderação do que alegou anteriormente, em ordem a «aferir da proporcionalidade da pena aplicada ao arguido/recorrente».
De resto, a redução daquela pena, em função da valoração que pretende seja dada aos factos julgados provados, é, de facto, a única questão suscitada nas conclusões.
O Supremo Tribunal de Justiça é, pois, o tribunal competente para o julgamento do recurso interposto pelo Arguido.
3.
Posto isto, vejamos a decisão do Tribunal Colectivo sobre a matéria de facto.
É do seguinte teor (transcrição): «2. FUNDAMENTAÇÃO: 2.1.
FACTOS PROVADOS: Com interesse para a decisão da causa, provaram-se os seguintes factos: 1. Desde data concretamente não apurada, mas nunca depois do ano de 2012, que o arguido viveu em condições análogas à dos cônjuges com BB na Avenida ....
2.
Do agregado familiar faziam ainda parte: CC, nascida a ... de 2004, filha de BB; DD, nascida a ... de 2014, filha comum do arguido e BB; EE, mãe de BB e FF, filho desta última.
3.
CC, embora actualmente conte 11 anos de idade, apresenta um défice cognitivo acentuado, correspondendo a sua idade mental à faixa etária dos 5 anos.
4.
A menarca de CC ocorreu aos 10 anos de idade.
5.
À data dos factos, AA exercia a profissão de mecânico, por conta própria, numa garagem situada na Rua ....
6.
O arguido mantinha uma boa relação familiar com CC, que o tratava por “pai”, assumindo muitas vezes a função de cuidador da mesma e de figura masculina de referência, designadamente no que respeitava às rotinas de aprendizagem, alimentação e higiene diária.
7.
Dado o relacionamento de grande proximidade entre AA e CC era frequente aquele fazer-se acompanhar desta quando ia para a dita garagem.
8.
Pelo menos desde o final do ano de 2013, e na sequência da gravidez da companheira e ausência de contactos de cariz sexual com aquela, o arguido formulou o propósito de manter relações sexuais com Ana Margarida.
9.
Em concretização de tal desiderato, durante cerca de um ano e três meses, entre o final de 2013 e Março de 2015, o arguido praticou diversos actos libidinosos com CC, em número concretamente não apurado, mas não inferior a cinco, na garagem da Rua....
10.
Nessas ocasiões, numas usando preservativo, noutras não, AA manteve relações sexuais de cópula completa com CC, introduzindo o pénis erecto na sua vagina e aí ejaculando.
11.
Para além dos referidos actos de cópula completa, no sobredito intervalo temporal e sempre no mesmo local, CC, a pedido e após prévia explicação do arguido, manuseou o pénis daquele, com movimentos rítmicos de “vai e vem”.
12.
AA proibiu sempre CC de contar a quem quer que fosse o que se passava entre os dois, ao mesmo tempo que lhe dizia que ela era “mais melhor” que a mãe.
13.
Ao actuar pela forma descrita, livre, voluntária e conscientemente, prevalecendo-se da confiança que CC depositava em si como figura familiar cuidadora, AA quis e conseguiu manter relações sexuais de cópula completa e outros actos sexuais de relevo com a menor, com vista a satisfazer os seus instintos libidinosos, conhecendo a idade de CC e o seu défice cognitivo e estando ciente de que esse défice a impedia de entender o verdadeiro alcance dos actos praticados e, bem assim, de os denunciar.
14.
AA sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei, sendo capaz de a orientar de harmonia com esse conhecimento.
Mais se provou que: 15.
O arguido nasceu em .../1961 e é solteiro.
16.
AA, natural de ..., é o mais velho de uma fratria de três irmãos e desenvolveu-se num contexto familiar aparentemente estruturado em que o pai, nacional de Portugal, trabalhava como instrutor automóvel e mecânico, e assegurava sozinho os encargos familiares.
17.
A mãe era ... mas não exercia actividade, dedicando-se aos filhos e às tarefas caseiras.
18.
Viviam em casa própria e segundo o arguido com boas condições de vida.
19.
Iniciou a escolaridade em idade regular e, aos 12 anos, optou por ingressar na escola industrial mas não chegou a completar o ano lectivo devido á instabilidade política do País, que obrigou os pais a deixarem Angola, para virem para Portugal em 1974.
20.
Ficaram inicialmente a residir junto de familiares do progenitor e tiveram algumas dificuldades de adaptação, até o...
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