Acórdão nº 752-F/1992.E1-A.S1 -A de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Julho de 2016

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução05 de Julho de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, no Pleno das Secções Cíveis: 1.

AA, na qualidade de administrador da massa falida de BB, intentou contra CC Lda., DD e EE e FF acção de condenação, invocando que o 2º R. marido adquiriu por escritura pública de compra e venda realizada no dia 28/06/2001, no 4º Cartório Notarial de Lisboa, perante o 4ºR., na veste de notário, para o casal que constitui com a 2ª Ré mulher, determinado prédio rústico, apreendido para a massa falida; de tal escritura constava que a 1ª R. teria a qualidade de encarregada de proceder à venda do referido bem, o que não correspondia à verdade, já que era mero auxiliar do administrador da falência, sendo essencial a intervenção deste no negócio , à face da lei então aplicável (cfr. os arts. 1211°, n.° 2, e 1248°, do C. P. C); sucede que o A. não recebeu o preço de 40.500. 000$00 que, na dita escritura, consta ter sido pago pelo 2º R. marido à R.CC, Lda.

A A. termina a petição, formulando os pedidos de declaração de ineficácia, em relação a si, da venda pretensamente titulada pela dita escritura pública de compra e venda, em que a 1ª Ré outorgou invocando a qualidade que não tinha de encarregada da venda, devendo, em consequência, os 2°s RR. serem condenados a restituir o prédio em causa à A. livre e desocupado de pessoas e bens.

Os RR. DD e EE contestaram, impugnando a factualidade alegada e invocando que o A. bem sabia que a CC vinha realizando escrituras de venda dos imóveis apreendidos para a massa falida, pelo que a presente acção constituiria um reprovável a venire contra factum proprium, envolvendo manifesto abuso de direito, nos termos do artigo 334° do Código Civil.

A outorga de escritura, por parte dos R. R., foi celebrada de boa-fé, mediante documento/certidão exarada pelo Tribunal onde corria o processo de falência, de onde constava a qualidade de encarregada da venda, sem que qualquer dúvida tivesse sido levantada.

O liquidatário judicial, bem sabendo ser a primeira R. quem outorgava as escrituras em representação da massa falida, nunca alertou os segundos R. R. para qualquer possível irregularidade, nem antes, nem após a celebração por estes, da escritura de compra e venda.

Na sequência de tal negócio, efectuaram o pagamento do respectivo preço, como consta da escritura de compra e venda, no valor de € 202.013,15 (antes PTE 40.500.000$00), bem como a quantia de 10% sobre tal valor (acrescida de IVA), a título de comissão de agência, conforme condições lidas na altura do leilão.

Atendendo a que, no mínimo, só por negligência grosseira do liquidatário judicial no controle das vendas as mesmas poderiam ter acontecido nos termos em que se verificaram, requereram a intervenção principal provocada do Estado Português, representado pelo Ministério Público, bem como do próprio liquidatário judicial, AA – sendo tal requerimento admitido no âmbito da intervenção acessória.

Não se tendo logrado efectuar a citação pessoal da R.CC, Lda., foi ordenada a respectiva citação edital, sem que tenha sido apresentada contestação.

O Estado Português, notificado do incidente de intervenção acessória deduzido, contestou, aderindo à contestação dos RR.

A massa falida, representada pelo seu actual liquidatário - GG — notificada da contestação apresentada pelo Estado Português, replicou e ampliou o pedido, de modo a nele incluir o cancelamento do registo de aquisição , pugnando pela procedência da acção.

Foram entretanto habilitados como herdeiros do interveniente acessório AA, HH e II, prosseguindo estes autos com estes sucessores/habilitados na posição que era ocupada pelo falecido .

Finda a audiência, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente.

2. Inconformada, apelou a A./massa falida, tendo a Relação julgado procedente o recurso, considerando improcedente a excepção de abuso de direito e revogando a sentença recorrida, em função do que: a) declarou a ineficaz em relação à A. a venda titulada pela escritura pública de compra e venda, realizada em 28/06/2001 no 4º Cartório Notarial de Lisboa, que teve por objecto o prédio rústico descrito no nº 2 da exposição da matéria de facto e em que a 1ª Ré outorgou invocando a qualidade que não tinha de encarregada da venda; b) condenou os 2°s RR. a restituir o prédio em causa à A. livre e desocupado de pessoas e bens; c) ordenou o cancelamento da inscrição da propriedade dos AA concretizada pela inscrição G-l e ficha n000437/250604 da conservatória do Registo Predial de Coruche (Ap. 16/250604); As instâncias fixaram o seguinte quadro factual, subjacente ao litígio: 1- BB foi declarado falido por sentença proferida em 23 de Outubro de 1992 proferida nos autos apensos e transitada em julgado.

2- Para a massa falida de BB foi apreendido, entre outros, identificado como verba n.° 1, o prédio rústico, sito em Foros da Branca Pelados, com a área de 16,975 há, inscrito na matriz sob o artigo 18 da Secção BC e descrito na Conservatória do Registo Predial de Coruche, sob a ficha n.° 02982 da freguesia de Coruche.

3- No apenso da liquidação da massa falida o seu administrador -AA- foi encarregado, por despacho proferido a fls. 696 deste apenso de proceder à venda dos bens que a integravam por negociação particular.

4- Este administrador foi autorizado no mesmo despacho a ser coadjuvado na venda dos bens por uma agência de leilões especializada, a 1ª ré "CC, Lda.".

5- Como coadjuvante do administrador e por encargo deste a 1ª ré realizou um leilão particular dos bens que integravam a massa falida em 24 de Novembro de 2000, como acto integrante da negociação particular e no sentido de se encontrar, para esses bens, o melhor preço.

6- Nesse leilão, esteve presente o administrador da falência.

7- Nesse leilão foi objecto de licitações o prédio urbano apreendido sob a verba n° 1, identificado em 2.

8- A maior licitação para aquisição deste bem foi feita por DD, 2.° réu, que ofereceu 40.500.000$00 (quarenta milhões e quinhentos mil escudos).

9- Por despacho proferido a fls. 672 do apenso de liquidação do activo, o administrador foi autorizado a adjudicar os imóveis pelas ofertas mais elevadas obtidas no leilão realizado.

10- Na sequência desta autorização o administrador da falência deu instruções à 1ª ré "CC, Ld.ª" para que fosse preparando a escritura, trabalho que envolvia a recolha de toda a documentação necessária juntos dos serviços públicos, contactos com o promitente comprador e marcação da escritura no notário.

11- O administrador da falência requereu nos autos de liquidação do activo a passagem de certidões judiciais para outorga das escrituras de compra e venda dos imóveis apreendidos, tendo sido emitida, designadamente, a que consta de fls. 77-78, nos termos da qual é escrito o seguinte, após breve resenha dos autos de falência n.° 752/92, do 2º Juízo Cível, do Tribunal da Comarca de Santarém: "É quanto me cumpre certificar em face do que consta nos mencionados autos aos quais me reporto em caso de dúvida e do que me foi ordenado, destinando-se a presente certidão a outorgar a escritura de venda dos prédios a seguir indicados, pela encarregada da venda nomeada nos autos "CC, Lda.»: (...) 6º - Prédio rústico, inscrito na matriz sob o art° 18 da Secção BC e descrito na Conservatória do Registo Predial de Coruche sob a ficha n.° 02982 da freguesia de Coruche. (...) Santarém, 06 de Fevereiro de 2001".

12- Em faxes enviados pelo administrador da falência à 1ª ré, datados de 25 de Junho de 2002, 28 de Junho de 2002, 27 de Julho de 2002, 23 de Outubro de 2002 e 15 de Janeiro de 2003, aquele insistia para que a 1ª ré diligenciasse no sentido de obter toda a documentação necessária e marcasse a data da escritura de compra e venda no Cartório Notarial.

13- A estes faxes a 1ª ré respondeu dizendo ainda não ter marcado a escritura em causa por falta de documentos ou disponibilidade do comprador.

14- Iam sendo realizadas outras escrituras dos imóveis apreendidos.

15- Em faxes datados em 5 de Fevereiro de 2003, 6 de Março de 2003, 28 de Maio de 2003, 5 de Junho de 2003, 18 de Junho de 2003 e 26 de Junho de 2003 o administrador intimou a 1ª ré a proceder à convocatória imediata das escrituras em falta.

16- Em faxes datados de 23 de Maio de 2003 e 26 de Junho de 2003 a 1ª ré respondeu justificando a não realização da escritura com a dificuldade de obtenção de documentos necessários e com as dificuldades financeiras do comprador, anunciando que a escritura teria lugar em 11 de Julho de 2003.

17- A escritura pública de compra e venda do imóvel apreendido sob a verba n.° 1, não se realizou no dia 11 de Julho de 2003.

18- Por escritura pública realizada em 28 de Junho de 2001 no 4.° Cartório Notarial de Lisboa, perante o Licenciado FF, Notário do cartório, aqui 3.° réu, o réu DD já havia adquirido para si e sua mulher, a 2ª Ré mulher, com quem era casado em comunhão geral de bens, o prédio rústico identificado em 2.

19- Na referida escritura de compra e venda consta que a 1ª ré tinha a qualidade de mandatária judicial e que fora encarregue de proceder à venda.

20- A autora nunca recebeu o preço de 40.500.000$00 (quarenta milhões e quinhentos mil escudos = €202.013,15) que da escritura consta como pago pelo 2.° réu DD à 1ª ré "CC Lda.".

21- Além do valor do prédio o réu DD pagou €159,73 de registo, €2.368,04 (474.750$00), de escritura e €16.161,05 de imposto municipal de sisa.

22- O réu DD registou esta aquisição a seu favor pela Ap. 16/250604.

23- A 1ª ré "CC, Lda." já tinha celebrado outras escrituras tendentes à liquidação da massa falida e desse facto deu conhecimento ao seu administrador, enviando-lhe o preço por si recebido, ainda no ano de 20021.

24- Designadamente, por escritos de 05.02.20032 e 02.09.20033, o Sr. Administrador da falência 752/1992, da comarca de Santarém, instou a R.CC, Lda. a informá-lo sobre as escrituras já realizadas.

25- Da celebração dessas escrituras não resultou qualquer prejuízo para a massa falida pois o administrador da falência...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT