Acórdão nº 1129/11.5TBCVL-C.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Julho de 2016

Magistrado ResponsávelANA PAULA BOULAROT
Data da Resolução05 de Julho de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I Por apenso aos autos de insolvência de W, LDA, veio o Sr. Administrador da Insolvência apresentar a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos.

A sociedade credora P, SA, veio, ao abrigo do preceituado no art. 130º do CIRE, impugnar a existência, quantificação e qualificação do crédito reconhecido a J, sustentando no essencial, que o mencionado credor não tem direito ao crédito por si reclamado, dado não ter provado a sua existência e limitando-se a fazer uma mera alegação de serviços de advocacia prestados à insolvente e que, a existir tal crédito, o que não concede, o mesmo não deve ser reconhecido como crédito privilegiado, pois não estamos perante uma situação de incumprimento definitivo do contrato promessa de dação em cumprimento, mas antes perante mora no cumprimento do contrato a que se aludiu. Por outro lado, o mencionado credor não tem direito de retenção sobre a fracção objecto do referido contrato promessa, devendo além do mais, o negócio causa datado de Outubro de 2010, ser resolvido, por consubstanciar um negócio feito com intuito de prejudicar a massa insolvente. Concluiu pedindo que o dito crédito reclamado, no montante que em concreto resultar da prova a produzir, seja qualificado como crédito sujeito a “condição suspensiva” e que, em caso de recusa do cumprimento do dito contrato pelo Exmo. Administrador de Insolvência, o crédito deverá ser reconhecido como comum.

O credor J apresentou resposta à impugnação, concluindo pela improcedência da mesma.

Os credores/reclamantes A e a sociedade comercial C, Lda apresentaram impugnação à referida lista sustentando, no essencial, que o BPN não liquidou, como devia, a garantia bancária a que se encontra adstrito, o que deve ser tido em consideração no rateio final. Acrescentam que o contrato promessa celebrado com a sociedade insolvente foi definitivamente incumprido, pelo que os créditos reconhecidos não podem ficar sujeitos a condição suspensiva, conforme vem referido na lista do Exmo. Administrador de Insolvência.

Na tentativa de conciliação, os credores P, S.A. e J fixaram, por acordo, o valor do crédito reclamado por este último no montante de € 75.000,00, posição subscrita pelo Sr. Administrador de Insolvência e sem oposição da Comissão de Credores; quanto ao demais, designadamente à natureza do crédito J, não foi possível a obtenção de acordo; o credor A informou já se encontrar pago por força do accionamento da competente garantia bancária, tal como a credora “C, Lda”, tendo a instituição bancária pago a totalidade dos valores em causa a ambos, tendo sido determinada a exclusão de tais créditos da lista definitiva de credores apresentada pelo Sr. Administrador de Insolvência.

Foi homologada a transacção a que se aludiu, na exacta medida do seu conteúdo, ou seja, na fixação do montante do dito crédito.

Proferido despacho saneador foram julgados reconhecidos, nos termos do artigo 136º, nº 4 do CIRE, os créditos incluídos na lista de credores apresentada pelo sr. Administrador de Insolvência e não impugnados, relegando-se para sentença a sua graduação, atento o disposto no nº 7 do mesmo normativo legal.

Proferida a sentença sobre a verificação e graduação de créditos, nela foi decidido a verificação dos créditos tidos como impugnados, com a subsequente graduação de todos os créditos reconhecidos.

Dessa sentença interpôs recurso a sociedade Parvalorem, SA, o qual veio a ser julgado improcedente, com a confirmação da sentença recorrida.

Inconformada com o Acórdão da Relação de Coimbra, recorreu a sociedade P, SA, agora de Revista excepcional, por oposição de julgados, a qual veio a ser admitida por decisão singular de fls 423.

Apresentou a seguinte síntese conclusiva: - O presente recurso vem interposto do Acórdão que julgou improcedente o recurso interposto pela Credora P, SA e confirmou a Sentença recorrida, a qual reconheceu como privilegiado o crédito de € 75.000.00 reclamado por J por gozar de direito de retenção sobre o bem imóvel identificado na verba 11 do Auto de Apreensão.

- O Tribunal de 1ª instância julgou verificados os créditos identificados na lista de créditos elaborada pelo Sr. Administrador de Insolvência e reconheceu como privilegiado o crédito de € 75.000,00 reclamado por J, por gozar de direito de retenção sobre a verba nº11 do auto de apreensão de bens. Por dela não concordar, a Credora P veio interpor recurso de apelação pugnando pela falta de verificação da qualidade de consumidor do promitente comprador à luz do entendimento perfilhado no Acórdão Uniformizador nº 4/2014.

- 0 Tribunal a quo entendeu, no entanto, que o Credor J reveste a qualidade de consumidor nos termos previstos no nº1 do artigo 2º da Lei nº24/96, de 31 de Julho.

- Salvo o devido respeito e melhor entendimento, a Credora Reclamante não pode deixar de discordar com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, a qual vai ao desencontro com a decisão chegada por outros julgados, razão pela qual interpõe o presente recurso, uma vez que o crédito reclamado pelo Credor J não beneficia de direito de retenção nos termos previstos no artigo 755º, nº1, al F) do CCivil.

- O direito de retenção invocado pelo Credor J vem previsto no artigo 755º, nº1, ai. f) do CCivil segundo o qual são pressupostos do reconhecimento do direito de retenção: a existência de uma promessa de transmissão ou constituição de direito real; a entrega da coisa objecto do contrato-promessa; a titularidade, por parte do beneficiário, de um crédito sobre a outra parte decorrente do incumprimento definitivo do contrato promessa.

- Foi alvo de uma acesa discussão jurisprudencial a questão de saber se, no âmbito de um processo de insolvência, a recusa de cumprimento do contrato promessa de compra e venda com eficácia obrigacional pelo Administrador de Insolvência, no exercício do seu direito de opção, constituía ou não um ato ilícito, verificando-se a tradição da coisa, uma vez que esta hipótese não se mostra contemplada no Código de Insolvência.

- 0 Supremo Tribunal de Justiça proferiu Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº4/2014, de 20 de Março de 2014, o qual fixou a seguinte jurisprudência: «No âmbito da graduação de créditos em insolvência, o consumidor promitente-comprador, em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve cumprimento do negócio por parte do administrador de insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no artigo 755º, n.º1, ai. f) do CCivil».

- Para o Supremo Tribunal de Justiça, a omissão na lei relativamente ao tratamento jurídico do contrato promessa com eficácia meramente obrigacional e com tradição da coisa é ultrapassado com recurso à conjugação dos artigos 106º, nº2 e 104º, nº1 do CIRE, pelo que o promitente comprador poderá exigir o cumprimento do contrato, sob pena de o respectivo incumprimento originar o direito de retenção a que se reporta o artigo 755º, nº1, al. f) do CCivil.

- Contudo, e partindo da fundamentação sustentada no AUJ nº4/2014, no caso do contrato promessa com eficácia obrigacional e com tradição da coisa, o reconhecimento do direito de retenção em processo de insolvência ocorre, para além da verificação dos pressupostos previstos no artigo 755º, nº1, ai. f) do CCivil, exclusivamente quanto ao promitente-comprador que seja simultaneamente consumidor.

- O entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal de Justiça assenta nas várias alterações legislativas que consagraram o direito de retenção previsto no artigo 755º, nº 1, al. f) CCivil «O DL nº 236/80 de 18 de Julho veio reforçar a posição jurídica do promitente-comprador nomeadamente no âmbito das transacções de imóveis para habitação, conferindo-lhe em caso de incumprimento da outra parte e em alternativa ao direito ao sinal em dobro, também o valor da coisa desde que a mesma lhe tivesse sido transmitida encontrando-se pois em seu poder. Tal desiderato surge corporizado na alteração então introduzida ao nº2 do artigo 442º do Código Civil. Por seu turno, o DL 379/86 de 11/11, além de haver modificado o normativo em análise veio ainda, coerentemente com tal alteração, elencar no âmbito dos titulares do “direito de retenção” a que se reporta o artigo 755º do Código Civil, o do beneficiário da promessa de transmissão ou constituição do direito sobre a coisa a que se reporta o contrato prometido, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte de harmonia com o artigo 442º (então modificado). O Diploma de 1986 explica as razoes que estiveram na base da alteração introduzida. A opção legislativa no conflito entre credores hipotecários e os particulares consumidores, concedendo-lhes o “direito de retenção” teve e continua a ter uma razão fundamental: a protecção destes últimos no mercado da habitação; na verdade, constituem a parte mais débil que por via de regra investem no imóvel as suas poupanças e contraem uma divida por largos anos, estando muito menos protegidos do que o credor hipotecário (normalmente a banca) que dispõe regra geral de aconselhamento económico, jurídico e logístico que lhe permite prever com maior segurança os riscos que corre caso por caso e ponderar uma prudente selectividade na concessão de crédito. Justificou-se destarte que na linha de orientação que vinha já do DL 236/80, a que acima fizemos referência, o mais recente Diploma que alterou o regime do contrato-promessa. tenha vindo balizar o âmbito e o funcionamento do “direito de retenção” nestes casos».

- As razões subjacentes à decisão tomada pelo Supremo Tribunal de Justiça em proteger o promitente comprador consumidor, concedendo-lhe direito de retenção, assentam na necessidade de proteger o consumidor no mercado da habitação, sendo a parte mais débil no contrato promessa de compra e venda.

- A alteração ao Código Civil, com a inclusão do direito de retenção previsto no artigo 755º, nº1, al. f), visa a protecção do consumidor que adquire um bem para habitação, de...

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