Acórdão nº 8507/12.0TBVNG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Julho de 2016

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução14 de Julho de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. AA (A.) intentou, em 02/10/2012, no então designado Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, contra BB (R.) ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, alegando, em resumo, que: .

  1. e R., irmãos e herdeiros de seus pais, CC e DD, já falecidos, procederam à partilha da herança destes mediante inventário que correu termos no Tribunal da Comarca do Porto; .

    Tal partilha foi homologada por sentença transitada em julgado em 18/06/2010, tendo sido adjudicados os depósitos de que os falecidos pais da A. e do R. eram titulares nos Estados Unidos da América, descritos sob as verbas n.ºs 28, 30 e 31, na proporção de ½ para A. e ½ para o R.; .

    Tais depósitos encontram-se em exclusivo na posse do R. e apenas por ele podem ser movimentados: .

    Porém, o R. tem-se recusado a entregar à A. a parte do dinheiro que lhe foi adjudicada em cada um desses depósitos bancários, o que constitui um claro incumprimento do acordo de partilha, bem como da respetiva sentença homologatória; .

    Perante tal recusa, a A. viu-se forçada a interpor ação executiva, na qual o ora R. deduziu oposição, tendo sido ali decidido que os juízos de execução portugueses eram incompetentes, em razão da nacionalidade, para a entrega de coisa e bens situados em países estrangeiros; .

    Por apenso a essa execução, a A. instaurou procedimento cautelar de arresto de bens pertencentes ao R. situados em território nacional, o qual foi julgado procedente, sendo arrestados bens do mesmo R. consistentes em depósitos, em moeda nacional, em contas bancárias do Banco EE e no Banco FF e carteiras de títulos existentes nesses bancos; .

    O R. vive e sempre viveu nos Estados Unidos e apenas tem como património situado em Portugal os bens que foram arrestados; .

    O R. está radicado nos Estados Unidos da América, trabalhando e residindo aí há vários anos, sem que, no momento, tenha qualquer ligação com Portugal e, para além disso, tem nacionalidade Argentina, o que torna difícil a cobrança do crédito da A..

    Concluiu a A. a pedir que o R. fosse condenado: a) - no cumprimento do acordo de partilha homologado por sentença transitada em julgado no processo de inventário n.º 2312/08.6TJPRT do 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca do Porto; b) - e, em consequência, a indemnizar a A., pagando-lhe a quantia de 206.206,98 dólares EUA, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, a contar da citação.

    1. O R. contestou a ação, invocando a exceção de inadequação do meio processual empregue para a concretização da divisão dos bens e, em sede impugnação, sustentou que: .

      Posteriormente à partilha, num processo que pendia no Tribunal dos EUA/Ohio, ambos repartiram de comum acordo as verbas ali existentes, mas não todas, na proporção de ½, nomeadamente as verbas agora peticionadas pela A.; .

      Por isso, o R. não incumpriu qualquer acordo de partilha e muito menos se apropriou do que não era seu, sendo a A. quem agora pretende receber metade dos saldos que couberam ao R.

      Concluiu pela procedência da exceção com a consequente absolvição do R. da instância e, subsidiariamente, pela improcedência da ação.

    2. Findos os articulados, foi proferido saneador a fixar o valor da causa e a julgar improcedente a exceção deduzida, procedendo-se, seguidamente, à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova (fls. 217-220).

    3. Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 271-298, datada de 20/01/2015, a julgar a ação procedente e por consequência: a) – declarando-se que o R. incumpriu o acordo de partilhas efetuadas no processo de inventário n.º 2312/08.6TJPRT que transitou pela 1.ª secção do 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca do Porto; b) – condenando-se o R. a indemnizar a A., pagando-lhe a quantia de 206.206,98 dólares EUA, acrescida de juros moratórios à taxa legal a contar da citação.

    4. Inconformado com essa decisão, o R. recorreu para o Tribunal da Relação do Porto que através do acórdão de fls. 372-392, datado de 15/09/ 2015, julgou a apelação procedente, revogando a sentença recorrida e julgando a ação improcedente com a consequente absolvição do R. do pedido.

      6.

      Desta feita, inconformada a A. recorreu de revista, formulando as seguintes conclusões: 1.ª- O recurso de apelação interposto pelo R., por ter sido apresentado extemporaneamente, deveria ter sido imediatamente rejeitado pelo Tribunal da Relação do Porto; 2.ª - Na apelação interposta para o Tribunal da Relação do Porto, o recorrente não impugnou a matéria de facto com base nos depoimentos gravados, pelo que o acórdão recorrido, que decidiu pela tempestividade da apelação, foram violadas as normas ínsitas nos artigos 638.º, n.ºs 1 e 7, e artigo 640.º, n.ºs 1 e 2, al. a), do CPC; 3.ª - No acórdão recorrido, o tribunal “a quo” fez incorreto e mau uso dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 662.º do CPC no que concerne à alteração da matéria de facto; 4.ª - O facto dado como provado no ponto s) na sentença proferida pela 1.ª instância correspondia à alegação feita pela A. no art.º 33.º da petição inicial, o qual não foi impugnado pelo R. e, por isso, foi admitido por acordo, pelo que ser dado como provado face à confissão feita pelo R.; 5.ª- Nem o tribunal de 1.ª instância nem qualquer das partes abordaram no processo a possibilidade de aplicação da Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Estrangeiras em Matéria Civil e Comercial e respetivo Protocolo Adicional; 6.ª- O Tribunal “a quo” veio decidir o pleito, utilizando esta questão de forma absolutamente inopinada sem prévia audição das partes e apartada de qualquer aportamento factual ou jurídico para enveredar por tal solução; 7.ª- Pelo que não tendo as partes configurado a questão na via adotada pelo tribunal recorrido, cabia-lhe dar a conhecer previamente às partes a solução jurídica que pretendia vir a assumir para que as partes pudessem contrapor os seus argumentos, em sede de audiência prévia.

      1. - Pelo que o acórdão recorrido é nulo por ter proferido uma decisão surpresa em violação do princípio do contraditório e da imparcialidade do julgamento.

      2. - A referida Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Estrangeiras nunca se poderia aplicar ao caso vertente pelo facto de estar em causa, sem sombra de dúvidas, matéria sucessória, cuja competência e jurisdição estão arredadas pelo artigo 12.º dessa mesma Convenção, razão pela qual a decisão ínsita no acórdão recorrido é claramente ilegal; 10.ª- Está provado que os saldos bancários domiciliados nos EUA adjudicados à A. já não existem e deixaram de estar por qualquer meio na disponibilidade da A., que não tem nem nunca teve acesso a eles, por culpa do R.; 11.ª - A A. nunca conseguiu nem nunca conseguirá obter nos EUA o cumprimento do acordo de partilhas homologado em Portugal, na medida em que a lei americana exclui da herança as verbas domiciliadas nos EUA, que considera pertencerem exclusivamente ao Réu, face à circunstância de aquele ser o contitular sobrevivo das respetivas contas bancárias; 12.ª - O acordo de partilhas celebrado pela A. e R. constitui uma transação – contrato tipificado no artigo 1248.º do CC -, razão pela qual o seu incumprimento gera responsabilidade contratual, nos precisos termos em que o tribunal de primeira instância decidiu; 13.ª - O R. incumpriu o contrato que celebrou com a A., cujo cumprimento tornou, aliás, impossível – artigo 801.º, n.º1, do CC; 14.ª - Na impossibilidade de obter, por um lado por via da entrega e par outro lado por via da execução, as verbas (saldos bancários) que lhe caberiam fruto da partilha, a A. tem o direito a ser ressarcida, mediante a reconstituição do seu direito, que se traduz na fixação de uma indemnização, a qual corresponde, grosso modo, às quantias que a Autora deveria ter recebido nos termos da partilha, mas não recebeu devida ao comportamento culposo do R.; 15.ª - Ao direito sucessório português estão associados princípios gerais constitucionalmente aceites, nomeadamente o direito à transmissão por morte do direito à propriedade privada, o princípio da sucessão familiar, o princípio da igualdade de parentesco e um princípio de unidade e universalidade da herança; 16.ª - O acórdão recorrido, ao decidir remeter a A. para os tribunais americanos, viola estes princípios constitucionais, ao decidir que as verbas adjudicadas à A. não constituem o acervo patrimonial do de cujus e, por isso, são insuscetíveis de partilha, pelo que se recusa a reconhecer legitimidade ao Estado Português para decidir o destino daquelas concretas verbas; 17.ª - O acórdão recorrido, face aos factos julgados como provados, conduz a uma desproteção da aqui A. e, portanto, viola o princípio do Estado de Direito e do direito fundamental de acesso ao direito e à via judiciária - artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa; 18.ª - O R. deve ser condenado no pedido de indemnização formulado pelo facto de ter propositadamente e por acto seu ter tornado impossível o cumprimento do contrato celebrado com a A., causando-lhe prejuízos.

    5. O Recorrido apresentou contra-alegações, a sustentar a confirmação do julgado, rematando com o seguinte quadro conclusivo: 1.ª - A questão da extemporaneidade do recurso de apelação suscitada pela A. junto deste Tribunal, é extemporânea, pois deveria ter sido sindicada em sede de contra-alegações de recurso ou quando muito, deveria ter reagido à admissibilidade do Recurso pelo Tribunal da 1.ª instância, o que não fez, pelo que se de algum vício padecia, o que não se aceita, o mesmo foi já sanado.

      1. - A este Tribunal está vedada a apreciação da matéria de facto, pois é o que verdadeiramente pretende a Autora/Recorrente e não um correto ou incorreto uso dos poderes do Tribunal da Relação, no tocante à alteração ou modificação da matéria de facto.

      2. - Não estamos perante uma qualquer decisão surpresa pois não só a questão possibilidade de execução da sentença no estado do Ohio foi...

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