Acórdão nº 362/11.4TBCNT-Q.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Julho de 2016

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução14 de Julho de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

R-553[1] Acordam no Supremo Tribunal de Justiça A Massa Insolvente de AA, S.A.

, deduziu, em 21. 9.2012, Oposição à Execução, pendente no 2º Juízo do Tribunal da Comarca de Cantanhede, agora Comarca de Coimbra, Coimbra – Inst. Central – Secção de Comércio – J2, contra si instaurada pela Senhora Advogada, Dr.ª BB, no valor de € 53.260,35 alegando, em síntese, que a nota de honorários que serve de título executivo reporta-se a serviços prestados antes da instauração do processo de insolvência, sendo, por conseguinte, um crédito sobre a insolvência e não sobre a Massa, pelo que deveria ter sido reclamado oportunamente no processo de insolvência; ademais, a dívida reclamada não foi aprovada pelo Senhor Administrador da Insolvência.

Conclui, pedindo pela sua absolvição da instância, por não ser este o processo próprio para a Exequente fazer valer o seu crédito.

Notificada da oposição, veio a Exequente defender a improcedência da mesma, alegando, em suma, ter a dívida sido reconhecida por quem detinha a administração da Massa, sendo que o senhor Administrador da Insolvência não só conhecia o facto de a Exequente ter prestado inúmeros serviços jurídicos àquela, como lhe comunicou que iria proceder ao pagamento da quantia em causa, o que nunca fez; acresce, que conforme o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido nos autos, a quantia exequenda configura-se como dívida da massa insolvente e não da devedora insolvente, sendo, assim este o meio processual adequado para obter o pagamento em causa.

Pede a condenação da Executada como litigante de má-fé, na multa processual e numa indemnização a favor da Exequente em quantia não inferior a € 5.000,00.

*** Findos os articulados, o Ex.mo Juiz, conheceu de mérito, tendo julgado a oposição parcialmente procedente, ordenando que a execução prosseguisse para pagamento da quantia de € 48.097,49 acrescida de juros moratórios.

*** Inconformada, a Executada/Oponente recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra, que por Acórdão de 16.2.2016 – fls. 151 a 158 – julgou procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e considerando extinta execução.

*** Inconformada, a Exequente recorreu de revista para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formulou as seguintes conclusões: 1. Dúvidas não restam – nem mais se pode discutir – que, nos termos da decisão sumária proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, desde logo, em 24.09.2013 – aliás, há muito, já transitada em julgado – foi consignado que resulta da análise da “nota de honorários que titula a obrigação exequenda datada de 19.6.2011 e enviada à administração da insolvente, [que] os serviços prestados pela exequente foram-no no decurso do processo de insolvência e por causa dele, e alguns deles foram até realizados posteriormente à declaração de insolvência (p. ex., reuniões para preparação do processo e do plano de insolvência, todas elas em datas posteriores à referida declaração)”.

  1. Pelo que, decidiu a Relação de Coimbra que se trata “pois, de despesas e encargos que resultam da actuação da administração da insolvente [art. 51º/1-c)], cujos administradores o são agora da massa insolvente, conforme sentenciado”.

  2. Mais concluindo, “então, que não estamos na presença de uma acção executiva de cobrança de dívida da sociedade insolvente […] mas antes perante execução para cobrança de dívida da própria massa insolvente, instaurado fora do período de carência fixado no art. 89º/1 e que deverá correr por apenso ao processo de insolvência (nº2 de art. 89º.)”.

  3. Ora, no Acórdão de que se recorre, o único fundamento do Tribunal a quo que releva para impedir o pagamento dos honorários devidos pelos serviços prestados pela Recorrente à Massa Insolvente Recorrida é o simples facto de “a Exequente conhecer a declaração de insolvência, razão pela qual atento este conhecimento, não existe uma situação de boa-fé a tutelar”, como, de forma tabelar e crua, conclui – o que, ressalvado o respeito devido, não pode colher.

  4. Na verdade, admitir-se tal asserção como correcta seria o mesmo que dizer que o advogado que desenvolve todo o trabalho de preparação da insolvência, requer a mesma mandatado pelo administrador da insolvente, continua a desenvolver o seu trabalho mesmo após a insolvência, a pedido do administrador da massa insolvente (e em benefício desta), anterior administrador da insolvente, não está, de acordo com o Acórdão recorrido, de boa-fé, porque conhece a situação de insolvência. Não cremos que assim possa ser.

  5. Resulta, ainda, dos autos, designadamente do doc. nº3 da contestação à oposição à execução, o expresso reconhecimento do mandato forense por Administrador da Insolvência nomeado com a declaração de insolvência, e que entrou em exclusividade de funções a partir de 20.06.2011.

  6. E-mail através do qual não só reconhece o relacionamento da maior colaboração entre o próprio, como administrador da insolvência, e a Recorrente mandatária da insolvente, como expressamente refere que não colocou neste processo qualquer entrave ao pagamento de honorários à Recorrente.

  7. Contudo, entendeu o Acórdão ora em crise que “o AI não deu o seu consentimento à assunção da obrigação”, de modo que “o reconhecimento pelo administrador da devedora da obrigação, sendo válido entre as partes, é no entanto, ineficaz relativamente à massa insolvente; como a Exequente conhecia a declaração insolvência, não existe uma situação de boa fé a tutelar”.

  8. Em primeiro lugar, não se vislumbra de que forma pode o Tribunal da Relação exceder o limite imposto pelas conclusões do recurso interposto da sentença pela ora Recorrida Massa Insolvente, e fixar, como provada, matéria de facto sem que tenha sido impugnada a decisão de primeira instância sobre a mesma.

    10. Não obstante, e ainda que assim não fosse, não vislumbra, ainda, a ora Recorrente em que fundamentos pode estribar-se o Tribunal recorrido para concluir o seguinte: “Na petição inicial, a Oponente alegou que o Administrador da Insolvência não foi ouvido previamente sobre esta obrigação nem deu o seu consentimento; a Exequente não impugnou este facto, pelo que considera-se “admitido por acordo”que o AI não deu o seu consentimento à assunção da obrigação (art. 574º, nº2, do Código de Processo Civil).

  9. Na verdade, e muito pelo contrário, não só a aqui Recorrente impugnou especificadamente tal facto – o alegado desconhecimento e falta de autorização do Sr. AI relativamente aos serviços prestados pela mesma à Massa Insolvente e à obrigação de pagamento dos mesmos – conforme resulta, desde logo, do teor expresso dos artigos 1.º e 2.º da contestação à oposição junta aos autos.

  10. Como ainda, sobre tal facto, discorreu longamente na mesma contestação, designadamente nos artigos 29.º a 34.º e 37.º a 50.º, acima transcritos.

  11. Assim, para além do facto em apreço ter sido impugnado pela Recorrente, na contestação à oposição à execução, está, ademais, em manifesta oposição com a defesa considerada no seu todo, razão pela qual nunca poderia concluir-se pela sua admissão por acordo, nos termos do preceito invocado na decisão recorrida (artigo 574º, nº2, do Código de Processo Civil), nem tão-pouco, consequentemente, ser o mesmo dado como provado na decisão em crise.

  12. Na verdade, e bem pelo contrário, resulta ad nauseam do acima exposto que a Recorrente sempre defendeu a existência de conhecimento e consentimento do Sr. AI à prestação dos seus (da Recorrente) serviços à Massa Insolvente, não tendo sido produzida prova que o infirmasse, antes constando do processo elementos documentais que apontam, justamente, no sentido inverso, i.e., do assentimento do AI à intervenção da Recorrente nos autos.

  13. Em segundo lugar, importa sublinhar que o proémio do nº2 do artigo 226º do CIRE é expresso e claro, quando prevê a locução “sem prejuízo da eficácia do acto”, entendendo a mesma doutrina que o Acórdão cita, que “a eficácia dos actos do devedor na administração da massa insolvente só se justifica para tutelar a boa fé de terceiros, pelo que devia ser limitada aos casos em que ela se verificasse”.

  14. Não obstante, mais adiante, conclui que “porém, a comparação do texto adoptado com o que resultava do Anteprojecto, […] e também o cotejo com o que se determina na parte final do nº4, parece excluir a possibilidade de a eficácia do acto ser afectada”. [Vide Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Carvalho Fernandes e João Labareda, 2009, Quid Juris, pág. 751.] 17. Sem embargo, nos presentes autos, resulta mais do que evidente e notória a boa-fé da Recorrente, na medida em que desenvolveu todo o trabalho preparatório de um processo desta envergadura, assumiu todas as despesas inerentes ao mesmo, custeou todos os encargos com terceiros com vista à preparação de um plano de insolvência, promoveu todo o trabalho, através de si e da sua equipa, na salvaguarda dos interesses da massa insolvente e liquidou impostos incidentes sobre valores que ainda não lhe foram pagos pela Recorrida! 18. Repugna o nosso sentido de justiça “condenar” a Recorrente a ficar sem receber honorários pelos serviços prestados e despesas que adiantou, só porque, como mandatária que é, tem conhecimento da insolvência, como se isso fosse um índice de falta de boa-fé da sua parte, não sendo, por isso, merecedora da tutela do direito, nos termos e para os efeitos no nº2 do artigo 226º do CIRE! 19. A assim ser, arriscamos dizer, então nenhum mandatário aceitará jamais patrocinar uma apresentação à insolvência de um qualquer seu cliente, pois sempre seria um trabalho pro bono. E muito menos, jamais, na sua boa-fé, custearia despesas desse mesmo cliente, se soubesse que as mesmas nunca lhe seriam reembolsadas.

  15. Pergunta-se, quem é que não está de boa-fé a merecer a tutela do direito numa situação destas: a Recorrente, que acompanhou, desde sempre e após a declaração de insolvência, o processo, com todo o desvelo e dedicação, devotando-lhe horas e horas trabalho, adiantando despesas de monta, reunindo diversas vezes com o...

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