Acórdão nº 1047/12.0TVPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Julho de 2016

Magistrado ResponsávelFERNANDA ISABEL PEREIRA
Data da Resolução14 de Julho de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório: AA e BB intentaram, em 23 de Outubro de 2012, a presente acção declarativa de condenação, sob o regime processual experimental do Decreto-Lei 108/2006, de 8 de Junho, contra a Sucursal em Portugal do CC, Public Limited Company, pedindo a condenação do réu a pagar-lhes: - a quantia que vier a ser determinada a título de redução do preço, pelo menos 75.000€, inerente à venda de coisa defeituosa, nos termos do disposto nos artigos 913º e 911º do Código Civil, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento; - a quantia que vier a ser liquidada, respeitante aos restantes danos patrimoniais; - a quantia de, pelo menos, 15.000€ a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

A título subsidiário, pediram a condenação do réu a pagar-lhes: - a quantia de 75.000€, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento; - a quantia que vier a ser liquidada relativa aos restantes danos patrimoniais; - a quantia de, pelo menos, 15.000€ a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Ainda a título subsidiário, agora com fundamento em enriquecimento sem causa, os autores pediram a condenação do réu no pagamento da quantia de 75.000€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Sumariamente, alegaram os autores: - No dia 29/11/2010 o réu vendeu aos dois autores, em comum e em partes iguais, uma casa de habitação com logradouro, pelo preço de 266.220€; - Nas visitas ao prédio, que antecederam a sua compra, constataram existir na parte traseira e lateral um logradouro vedado para a via pública com um muro, o qual incorporava um portão, sendo o prédio mostrado como se tivesse logradouro de 280 m2 disso se tendo os autores convencido; - Após a compra, a Câmara Municipal do Porto informou os autores, em 24/10/2011, de que uma parte do logradouro – 180 m2 –, dentro de muros, pertencia ao Município, facto de que não foram informados pelo réu, e intimou-os a desocuparem-na; - Sem essa parte o prédio fica desvalorizado em 75.000€, sendo que os autores não o teriam comprado por 266.220€ se soubessem que a área de 180 m2 não integrava o seu logradouro; - Os autores têm desgosto com a privação dos 180 m2 e terão de realizar obras para readaptação do espaço, cujo valor ainda desconhecem; Na contestação o réu conclui pela improcedência da acção, alegando, em síntese, que desconhece se o Município do Porto é proprietário do trecho de 180 m2 invocado pelos autores; no registo predial o prédio consta com a área descoberta de 100 m2 e o réu tinha-o avaliado, em 12/3/2010, em 290.000€ no pressuposto de ser essa a área do logradouro; os autores sempre souberam que o logradouro tinha 100 m2.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença com data de 26/8/2014, rectificada em 17/4/2015, a julgar a acção parcialmente procedente, condenando o réu a pagar aos autores a quantia de 61.689€ a título de redução do preço, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até pagamento, e absolvendo o réu dos demais pedidos, principais e subsidiários.

Apelou o réu, pugnando pela improcedência de todos os pedidos dos autores.

Apelaram também os autores, defendendo a condenação do réu na restituição aos autores da quantia de 90.000€, acrescida de juros desde a citação até pagamento.

Por acórdão de 12/11/2015 o Tribunal da Relação do Porto julgou a apelação dos autores parcialmente procedente e improcedente a apelação do réu, condenando-o a pagar 78.000€ aos autores, acrescidos de juros à taxa de 4% ao ano desde 7/11/2012 até integral pagamento.

Deste acórdão recorreu o réu de revista.

Na alegação oportunamente apresentada formulou as seguintes conclusões: «A) - O douto Tribunal Recorrido decidiu aplicar ao caso sub judice o regime legal da compra e venda de coisas defeituosas previsto no artigo 913º e ss, contudo, salvo o devido respeito, o aqui Recorrente considera que o regime legal aplicável in casu é o do regime da venda de bens ad corpus, previsto no artigo 888º do C.C, tal como o fez o tribunal de 1ª Instância.

B) - No douto Acórdão Recorrido vem expresso que o facto do logradouro ter uma área real de 100 m2 e não os 280 m2 que aparentava ter, conduz a que o imóvel padeça de um vício que cai na previsão do artigo 913.º nº 1 do C.C, tendo os Recorridos direito a uma redução do preço, no montante de € 75.000,00, tendo ainda condenado o aqui Recorrente a liquidar aos Recorridos uma indemnização a título de danos morais no montante de € 3.000,00.

C) - Contudo, salvo o devido respeito por entendimento contrário, o aqui Recorrente considera o facto de um terreno ou logradouro ter uma área inferior à área contratada ou à área que uma das partes contraentes pressupôs que aquele teria, tal não corresponde a um defeito intrínseco da coisa, neste sentido, vide a título de exemplo o douto Acórdão do STJ, datado de 16-09-2008, Processo nº 08A2265, Relator: Fonseca Ramos, acessível in www.dgsi.pt.

D) - Para que se possa aplicar o regime do artigo 913º do C.C é necessário que a coisa padeça de um defeito essencial, seja porque impede a realização do fim a que a coisa se destina, seja porque a desvaloriza na sua afectação normal ou porque a priva das qualidades asseguradas pelo vendedor.

E) - In casu, nenhum destes pressupostos se encontram preenchidos, a moradia destina-se a habitação e cumpre na íntegra o fim a que se destina e se, muito embora, na douta Sentença proferida em 1ª instância o Tribunal “ a quo” deu como provados que a área de 180 m2 fica por exemplo “impedida a possibilidade de colocar ou construir uma piscina no logradouro, bem como a possibilidade de colocar ou construir um parque infantil”, certo é que ainda na referida sentença vem expresso na página nº 14 que, muito embora desse como provada aquela constatação, certo é que (…)” também não ficou provado que os autores ali pretendessem construí-la)”. (Sublinhado e negrito nosso).

F) - Ademais, não resultou provado que o aqui Recorrente ou a empresa imobiliária por si contratada para o representar, promoveram a venda do imóvel aqui em litígio, assegurando qualidades que na realidade não se verificam.

G) - Pelo exposto, o aqui Recorrente defende que o caso sub judice não é enquadrável no regime de venda de bens defeituosos, mas sim, deverá aplicar-se o regime da venda “ad corpus”, tal como o fez o Tribunal de 1ª Instância, contudo, o aqui Recorrente diverge desta douta instância quanto à interpretação que esta fez do artigo 888.º nº 2 do C.C. e que conduziu à condenação do aqui Recorrente a pagar aos aqui Recorridos a quantia de € 61.689,00.

H) - Aliás, casos idênticos ao caso sub judice, têm-se deparado perante a nossa jurisprudência, tendo sido dado por esta, o mesmo tratamento jurídico que foi dado aqui pelo douto Tribunal “ a quo”; Ou seja, tem sido aplicado o regime da venda ad corpus, previsto no artigo 888.º nº 1 do C.C. Neste sentido, vide a título de exemplo, o Ac. do STJ, Processo nº 453/07.6TBAMR.G1.S1, datado de 07-04-2011, Relator: Salazar Casanova; Ac. do Tribunal da Relação do Porto, Processo nº 0827414, Datado de 17-02-2009, Relator: José Carvalho e Ac. do STJ, Processo nº 07B698, datado de 26-04-2007, Relator: Gil Roque, todos acessíveis in www.dgsi.pt; I)- Ao caso dos autos, foi fixado o preço GLOBAL de € 266.220,00 pela aquisição do prédio aqui em litígio, tendo por base a globalidade do bem; J) - O douto tribunal de Primeira Instância considerou que, quer do contrato promessa, quer do contrato prometido, não consta a referência às áreas do imóvel, mas ainda na sua fundamentação, encontramos expresso que, “estando assim assente que se trata da aplicação do disposto no art. 888 do código civil (os autores, confiando na entidade vendedora e na área que lhes foi exibida compraram um prédio com uma área de logradouro inferior à “contratada”; K) - O aqui Recorrente entende que, para que se aplique o disposto no artigo 888.º nº 2 do C.C, TERÁ DE TER SIDO DECLARADO NO CONTRATO uma determinada quantidade e esta terá de divergir da quantidade real/ efectiva em mais de um vigésimo; neste sentido, vide Acórdão do Supremo tribunal de Justiça, Processo nº 453/07.6TBAMR.G1.S1, Relator: Salazar Casanova, datado de 07-04-2011, acessível in www.dgsi.pt).

L) - Ficou provado que, na escritura pública de compra e venda relativa ao imóvel em litígio, houve indicação do número de descrição predial, bem como do artigo da matriz urbana respeitante ao imóvel; M) - Também ficou provado que, quer na descrição predial, quer na matriz urbana, consta que o imóvel em litígio possui uma área de logradouro/ descoberta de 100 m2 e NÃO de 280m2; N) Quer a certidão predial do imóvel em litígio, quer a cópia da matriz urbana, foram documentos que integraram a escritura pública de compra e venda onde se deu a transacção do imóvel em causa, tendo-se dado às partes a possibilidade de os consultarem; O) - Ficou provado na Sentença recorrida que, o imóvel em litígio, possui um logradouro cuja área se estima, sensivelmente, em 100 m2; P) - O aqui Recorrente partilha a opinião de alguma jurisprudência, nomeadamente, do douto Ac. do TRP, datado de 17-02-2009, Processo nº0827414, Relator: José Carvalho, (acessível in www.dgsi.pt), onde se defende que, a referência/ declaração da área do prédio, pode-se fazer por remissão para a consulta de documentos, maxime, da certidão predial e da matriz urbana.

Q) - Posto isto, concluímos que, a área que foi declarada e a área efectiva / real, coincidem, e representa 100m2. Foi esta a área que legalmente foi declarada e foi vendida pelo Recorrente aos aqui Recorridos e não os 280m2. O que, consequentemente, conduz a que não se aplique o disposto no artigo 888.º nº 2 do C.C, pois para tal, seria necessário que houvesse uma divergência entre...

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