Acórdão nº 89/14.5YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelHELENA MONIZ
Data da Resolução23 de Junho de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

No âmbito do processo n.º 89/14.5YFLSB, o Ministério Público veio a 28.05.2014 (cf. fls. 3), ao abrigo do disposto no art. 437.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, interpor, para o pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, recurso extraordinário para fixação de jurisprudência com fundamento em oposição de acórdãos da Relação — o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 19.03.2014, proferido no âmbito do n.º 383/09.7eaprt-A.P1, e transitado em julgado a 05.05.2014 (cf. fls. 36), e o acórdão do mesmo Tribunal da Relação do Porto, de 26.03.2014, prolatado no âmbito do processo n.º 46/07.8FBPVZ-A.P1 e transitado em julgado a 04.04.2014 (cf. fls 39).

Em síntese, alega que os acórdãos estão em oposição sobre a mesma questão de direito relativa à entidade competente, na fase de inquérito, para ordenar a destruição dos objetos apreendidos, tendo em conta o disposto no art. 116.º, Lei do Jogo (Decreto Lei n.º 422/89, de 02.12, com as sucessivas alterações: Decreto-Lei n.º 10/95, de 19.01, Lei n.º 28/2004, de 16.07, Decreto-Lei n.º 40/2005, de 17.02, Lei n.º 64-A/2008, de 31.12, e Decreto-Lei n.º 114/2011, de 30.11), — no acórdão recorrido considerou‑se como sendo o juiz de instrução a entidade materialmente competente para ordenar a destruição, e no acórdão fundamento foi confirmado o despacho do juiz de instrução que se considerou materialmente incompetente para ordenar a destruição da máquina de jogo.

2.

Em conferência, por acórdão de 19.03.2015, foi decidido que o recurso devia prosseguir por se verificar oposição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito, em situações factuais idênticas, e no domínio da mesma legislação.

  1. Após o cumprimento do disposto no art. 442.º, n.º 1, do CPP, a Senhora Procuradora Geral-Ajunta apresentou as alegações e as seguintes conclusões: «1. A direcção do inquérito cabe ao Ministério Público e nesta fase, apenas relativamente a determinados actos se prevê a competência exclusiva de um juiz, designadamente nos casos expressamente previstos na lei que se prendem com a defesa dos direitos, liberdades e garantia dos cidadãos.

  2. Entre os actos cuja competência incumbe ao juiz de instrução criminal, na fase de inquérito, encontra-se a de declarar a perda a favor do Estado, de bens apreendidos, quando o Ministério Público proceder ao arquivamento do inquérito nos termos dos artigos 277.º, 280.º e 282.º.

  3. À luz das disposições dos Código Penal e do Código de Processo Penal, artigos 109.º e 178.º, respectivamente, compete ao juiz, tal declaração quando se mostre necessário decretar a perda de objectos a favor do Estado.

  4. Com o trânsito em julgado da decisão que determinou a perda a favor do Estado dos objectos apreendidos, extingue-se o direito de propriedade do respectivo proprietário sobre os mesmos.

  5. A Lei do Jogo estabelece no seu artigo 116.º, um regime específico quanto ao destino a dar ao material e utensílios de jogo apreendidos, quando seja cometido o crime de jogo ilícito.

  6. A expressão mandado do Tribunal utilizado neste normativo não pode deixar de ser interpretado como decisão do órgão jurisdicional, cujo titular é o juiz.

  7. O legislador, na Lei do Jogo, optou por atribuir competência ao Tribunal para determinar a destruição do material e utensílios de jogo, mesmo na fase de inquérito, com o arquivamento deste pelo Ministério Público titular.

  8. Compulsado o Código de Processo Penal, constata-se que sempre que o legislador quis fazer depender a competência decisória para um determinado acto da fase processual em que o processo se encontra, utilizou a expressão à “autoridade judiciária”, - referindo-se ao Juiz, ao Juiz de Instrução Criminal e ao Ministério Público, relativamente aos actos processuais que cabem na sua esfera de competências, o que não sucedeu neste caso, uma vez que a expressão utilizada é mandado do Tribunal.

  9. Face à evolução legislativa que a Lei do Jogo tem sofrido, verifica-se uma vontade clara e inequívoca do legislador atribuir ao Tribunal a competência para ordenar a destruição de material e utensílios de jogo.

  10. Na redacção anterior do diploma que regulava a exploração e prática dos jogos de fortuna ou azar em casinos, estabelecia-se que todos os utensílios relacionados com a prática de jogos de fortuna ou azar apreendidos seriam imediatamente destruídos pela entidade apreensora.

  11. Verifica-se, assim, que apesar de a Lei do Jogo ter vindo a sofrer várias alterações ao longo dos anos, o legislador optou por manter inalterada a referência expressa ao “mandado do tribunal”.» No seguimento propôs que «o conflito de jurisprudência existente entre o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, no processo número 383/09.7EAPRT-A.P1 e, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do recurso com o processo número 46/07.8FBPVZ-A.P1, seja resolvido nos seguintes termos: na fase do inquérito e tendo o mesmo sido arquivado, compete ao juiz de instrução criminal mandar destruir o material e utensílios de jogo referidos no artigo 116.º da Lei do Jogo, vertido no Dec. Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, que se encontram apreendidos nos autos.» II 1.

    A decisão, tomada na secção criminal por acórdão de 19.03.2015, sobre a oposição de julgados, não vincula o pleno das secções criminais. Por isso devemos reapreciar a questão.

    2.1.

    No presente caso, o acórdão recorrido foi proferido a 19.03.2014 e transitou em julgado a 05.05.2014 (cf. fls. 36).

    O recurso foi interposto 28.05.2014, pelo que se encontra cumprido o prazo de 30 dias após o trânsito em julgado do acórdão recorrido, conforme o disposto no art. 438.º, n.º 1 do CPP.

    O acórdão fundamento do Tribunal da Relação do Porto foi proferido a 26.02.2014, e transitou em julgado a 04.04.2014 (cf. fls. 39).

    Por tudo isto, considera-se tempestivo o recurso interposto.

    Ambos os acórdãos proferem decisões ao abrigo do disposto no art. 116.º, da Lei do Jogo (DL n.º 422/89, de 02.12) e do art. 109.º, n.º 3, do Código Penal — qualquer um dos dispositivos tem a mesma redação e não foi objeto de modificação legislativa entre a data da prolação do acórdão fundamento e a data de prolação do acórdão recorrido, pelo que se considera estar verificado o pressuposto do art. 437.º, n.º 3, do CPP.

    2.2.

    A questão de direito aqui relevante é a de saber qual é, na fase de inquérito, a entidade competente para mandar destruir o material e utensílios de jogo, referidos no art. 116.º da Lei do Jogo, apreendidos no âmbito de um processo crime: o juiz de instrução ou o Ministério Público? Na verdade, aquele artigo 116.º referido determina que: O material e utensílios de jogo serão apreendidos quando sejam cometidos crimes previstos nesta secção e destruídos, a mandado do tribunal, pela autoridade apreensora, que lavrará o competente auto de destruição”.

    Perante este dispositivo, no acórdão recorrido entendeu-se que quando a lei se refere a “mandado do tribunal” apenas se pode estar a referir a mandado da competência do tribunal, isto é, de um juiz ou juiz de instrução, pois trata-se de uma competência reservada ao juiz por força do disposto nos arts. 268.º, n.º 1, al. e) e 374.º, n.º 3, al. c) do CPP. E, de acordo com o art. 109.º, n.º 3, do CP, considerou que «embora a decisão de ordenar a destruição dos objectos do crime ou a sua colocação fora do comércio seja uma mera faculdade do juiz, tal ordem deve ser dada se, após ponderar o grau de perigo típico dos mesmos, o juiz concluir que a simples declaração de perda a favor do Estado não acautela suficientemente a protecção da comunidade visada pelo n.° 1 do art. 109° do Cód. Penal.

    No entanto, se o juiz se limitar a declarar a perda a favor do Estado, por considerar esta medida suficiente para alcançar a finalidade visada pela norma legal em causa, já compete, então, ao Ministério Público, em representação do Estado, para cuja esfera patrimonial passaram os objectos declarados perdidos, dar-lhes o subsequente destino, podendo estes ser vendidos, destruídos ou ser-lhes dado outro destino, conforme o caso concreto.

    Portanto, há que distinguir a ordem de destruição dada pelo Ministério Público, em representação do Estado, para cuja titularidade passaram os objectos declarados perdidos, por considerar que os mesmos não têm valor venal, e a ordem de destruição dada pelo juiz, atento o perigo típico desses mesmos objectos.

    » Porém, considerou que a situação já é diferente quando estamos perante um caso de destruição de material e utensílios ao abrigo do disposto no art. 116.º, da Lei do Jogo, pois de acordo com esta norma estes são sempre destruídos. Pelo que, «a ordem de destruição deixou de ser uma mera faculdade do tribunal, a ponderar face ao grau de perigo ínsito aos objectos apreendidos, mas uma imposição legal, face ao grau de perigo presumido, atenta a natureza do material e utensílios destinados ao jogo ilícito.» Ou seja, há por parte do legislador uma presunção de perigosidade destes objetos e por isso a competência definida no art. 268.º, n.º 1, al. e), do CPP, tanto abrange a declaração de perda a favor do estado como o mandado de destruição, concluindo ser este da competência do juiz de instrução, mesmo na fase de inquérito — «determinando o art. 116° do Dec-Lei n.° 422/89, de 2 de Dezembro, que o material e os utensílios de jogo apreendidos e utilizados para a prática dos crimes previstos neste diploma legal sejam destruídos e competindo ao juiz de instrução, nos termos do art. 268°. n.° 1. al. e), do CPP, declarar a perda dos objectos a favor do Estado, no caso de o inquérito ser arquivado, compete-lhe igualmente dar a ordem de destruição prevista naquele preceito, conforme, aliás, aí se prevê, expressamente, a qual visa prevenir o perigo presumido de que aqueles objectos venham a ser utilizados na prática de novos crimes, o qual só desta forma é devidamente acautelado.

    Ora, se o Ministério Público não pode dar outro destino a tais...

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