Acórdão nº 134/15.7YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelJOÃO TRINDADE
Data da Resolução23 de Junho de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça 1- AA, Juiz ..., imputou-se a prática, em concurso efectivo, das seguintes dez infracções disciplinares resultantes da violação dos deveres de: a) - assiduidade, previsto no artigo 73.º, n.º 1, 2, i) e 11, da Lei 35/2014, de 20 de Junho (falta ao serviço no dia 25 de Novembro de 2014), que determinou o adiamento do debate instrutório agendado nos autos de instrução n.º 218/13.6TAARC, que correm os seus termos pela 3.ª secção de instrução criminal (...) da instância central da comarca de ...; b) - correcção, previsto no artigo 73.º, n.º 1, 2, h) e 10.º da Lei 35/2014, de 20 de Junho, e bem assim os deveres deontológicos (impostos pela função de juiz) de respeito, consideração pela pessoa do arguido e de urbanidade, violação ocorrida no interrogatório judicial de arguido detido, que teve lugar em 28-11-2014 no processo 396/14.7GAVLC; c) - prossecução do interesse público e imparcialidade, previstos no artigo 73.º, n.º 1, 2, a), c), 3 e 5, da Lei 35/2014, de 20 de Junho, violação ocorrida no interrogatório judicial de arguido detido, que teve lugar em 28-11-2014 no processo 396/14.7GAVLC; d) - prossecução do interesse público e imparcialidade, previstos no artigo 73.º, n.º 1, 2, a), c) 3 e 5 da Lei 35/2014, de 20 de Junho, e deontológicos ligados à imparcialidade e ao respeito pelas funções da defesa e pelas competências do Ministério Público, violação ocorrida no interrogatório judicial de arguido detido, que teve lugar em 28-11-2014 no processo 396/14.7GAVLC; e) - lealdade, previsto no artigo 73.º, n.º 1, 2, g) e 9, da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, e , deontológicos de reserva e bem assim, como vertente do aludido dever de lealdade, dos ligados à consideração e promoção das funções de juiz, violação ocorrida no interrogatório judicial de arguido detido, que teve lugar em 28-11-2014 no processo 396/14.7GAVLC; f) - prossecução do interesse público e imparcialidade, previstos nos artigo 73.º, n.º 1, 2, a) c) 3 e 5, da Lei 35/2014, de 20 de Junho, e deontológicos de prudência, de sentido de responsabilidade e de reserva impostos ao juiz, violação ocorrida no interrogatório judicial de arguido detido, que teve lugar em 21-11-2014 no processo 389/14.4GAVLC; g) - correcção, previsto no artigo 73.º, n.º 1, 2, h) e 10, da Lei 35/2014, de 20 de Junho, e deontológicos de respeito e de urbanidade, violação ocorrida no interrogatório judicial de arguido detido, que teve lugar em 21-11-2014 no processo 389/14.4GAVLC; h) - prossecução do interesse público e imparcialidade, previstos nos artigo 73.º, n.º 1, 2, a), c), 3 e 5, da Lei 35/2014, de 20 de Junho, violação ocorrida no interrogatório judicial de arguido detido, que teve lugar em 21-11-2014 no processo 389/14.4GAVLC; i) - correcção, previsto no artigo 73.º, n.º 1 e 2, h) e 10, da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, e os deontológicos de respeito e urbanidade que se lhe impunham enquanto magistrado judicial, violação ocorrida na diligência de inquirição de testemunhas, realizada em 23-10-2014 no processo 1662/13.4TAVFR; j) - prossecução do interesse público e imparcialidade, previstos nos artigo 73.º, n.º 1, 2, a), c), 3 e 5, da Lei 35/2014, de 20 de Junho, violação ocorrida na diligência de inquirição de testemunhas, realizada em 23-10-2014 no processo 1662/13.4TAVFR e através da emissão do despacho referido em 24 do enunciado dos factos.

Infracções puníveis, a primeira delas, com multa e as demais com aposentação compulsiva, e, em cúmulo, com a sanção de aposentação compulsiva [artigos 81.º, 82.º, 85.º, n.º 1, b) e f), 87.º, 90.º, n.º 1, 96.º d), 96.º e 99.º do EMJ, e 73.º, 183.º e 189.º da Lei 35/2014, de 20 de Junho] (fls. 213 a 247).

# 2-Notificado da deliberação do Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM), de 6 de Outubro de 2015, que decidiu aplicar-lhe a pena disciplinar aposentação compulsiva ([1]), veio dela interpor recurso contencioso .

3 - Para tanto e em síntese invocou - Inconstitucionalidade dos artigos 117º e 122º EMJ na interpretação acolhida na deliberação recorrida no sentido de ser admissível que o mesmo Senhor Inspector que deduz a acusação em processo disciplinar pode intervir no processo disciplinar na fase de defesa e elaboração de relatório final, como sucedeu nos autos, por violação do artº 32º, n.s 1, 2 e 5 CRP.

- Nulidade da participação disciplinar já que a mesma foi elaborada pelo Presidente da Comarca de .... Para efeito dessa participação disciplinar foram consultados os autos de processo penal respectivos, incluindo a audição de diligências realizadas no âmbito desses autos, pelo Exmo Senhor Juiz Presidente da Comarca de ... e/ou pelo Exmo Senhor Juiz Coordenador das Secções da Comarca de ... sitas no Município de .... Ora, a consulta dos referidos autos e audição dos registos magnetofónicos de diligências realizadas no âmbito desses autos, não é da competência legal atribuída a esses Exmos Senhores Magistrados. como bem se alcança dos arts. 94º e 95º LOS]. Por outro lado, a consulta desses mesmos autos e audição de registos áudio de diligêncías processuais ofendeu o disposto nos citados arts. 88º e 89º CPP.

-Violação do direito à liberdade de expressão - Reenvio Prejudicial -Considerando que o STJ é a única e a mais alta instância que pode apreciar o caso dos autos é obrigatório reenvio prejudicial com vista a apreciar a conformidade dos artigos 82º e 96º do EMJ com o Direito Comunitário – artº 267º, al. b) TUE.

# 4- Cumprido o art. 174º do EMJ, na resposta o CSM pugnou pela improcedência do recurso interposto, nos seguintes termos em síntese: Quanto á questão da inconstitucionalidade das normas estatutárias que concedem que o mesmo instrutor deduza a acusação em processo disciplinar e assuma a direcção da defesa e a elaboração do relatório final.

O artigo 32º, 1, 2 e 5, da Constituição da República Portuguesa, que condensa os mais importantes princípios do processo penal, designadamente a estrutura acusatória do processo criminal, não estende seu âmbito de aplicação a todo e qualquer processo sancionatório.

Por isso, a propósito dos procedimentos disciplinares, a jurisprudência constitucional tem unanimemente defendido que os direitos de audiência e defesa previstos naquela norma constitucional não atraem o regime do processo criminal para todos os demais ramos do direito sancionatório e, em particular, para o processo disciplinar([2]). Embora a estrutura acusatória do processo penal vise garantir a isenção, independência e imparcialidade da decisão judicial, pressupondo que o julgador não tenha funções de investigação e de acusação, essa exigência constitucional não tem aplicação ao processo disciplinar e nem sequer ao processo contraordenacional.

A Constituição da República Portuguesa (CRP), nesses tipos de processos, tem somente em vista assegurar os direitos de audiência e de defesa do arguido[3]. E só poderá haver um juízo negativo de constitucionalidade quando qualquer tipo de sanção, contraordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra, é aplicada sem prévia audição do arguido (direito de audição) e sem lhe conferir condições para se defender das imputações que lhe são feitas (direito de defesa), apresentando meios de prova e requerendo a realização de diligências tendentes a apurar a verdade([4]).

Ainda assim, na estrutura do procedimento disciplinar dos magistrados judiciais verifica-se um corte autêntico entre a entidade que acusa e a que decide. O instrutor deduz acusação (artigo 117.º do EMJ), dirige a fase da defesa e, após a sua finalização, elabora o relatório em que propõe ao CSM a sanção que reputa adequada aos factos que tem por apurados (artigo 122.º do EMJ).

Nesse relatório, o instrutor exara os factos que considera provados, a sua qualificação e a sanção aplicável, mas a sua estrutura não tem natureza decisória. Constitui somente uma proposta que serve de base à decisão do CSM, único órgão a quem compete proferir a decisão final, emitindo a pertinente deliberação sancionatória ou de arquivamento (artigo 123.º do EMJ).

Vale por dizer que a proposta do instrutor, ínsita ao relatório final, não constitui o ato administrativo, a decisão; é apenas a proposta submetida à apreciação do órgão decisor, que poderá aceitar ou rejeitar o conteúdo explanativo ou conclusivo do relatório, pois a ele se não encontra vinculado.

Não se antevê qualquer válida razão para duvidar da imparcialidade da decisão deliberativa, proferida pelo plenário do CSM, única entidade com competência para decidir o resultado final do procedimento disciplinar – o arquivamento ou o sancionamento. O instrutor não tem capacidade decisória autónoma, limitando-se a emitir parecer/proposta que o órgão decisor aceita, rejeita, arquiva ou aplica diversa sanção disciplinar, sem sustentabilidade do apontado juízo negativo de constitucionalidade.

No que concerne à nulidade da participação disciplinar considera o recorrente que é nula porque o Senhor Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de ... e o Senhor Juiz Coordenador das secções da comarca sedeadas no município de ... consultaram os processos penais sem que estivessem legitimados a fazê-lo. Tratando-se de actos submetidos ao regime de publicidade previsto nos artigos 88º e 89º do CPP, não houve participação disciplinar de qualquer dos intervenientes nos actos.

Não é seguro, por não resultar dos autos, que o Senhor Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de ... e o Senhor Juiz Coordenador das secções sedeadas no município da ... tenham acedido aos inquéritos em causa para obter as informações e os elementos ínsitos ao processo disciplinar. Aceita-se, contudo, que o eventual acesso aos processos para documentar a participação disciplinar não está expressamente previsto nas competências do juiz presidente da comarca e do magistrado judicial coordenador, mas é inquestionável que o Ex.

mo Senhor Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de...

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