Acórdão nº 581/07.8TBTVR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelORLANDO AFONSO
Data da Resolução23 de Junho de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça:

  1. Relatório: Em 27.09.2007, no então Tribunal Judicial da Comarca de Tavira, AA (A) veio intentar acção declarativa comum com processo ordinário contra “BB, Compra e Venda de Imóveis, Lda” e “CC, Promociones Inmobiliarias Y Urbanismo, Sociedad de Responsabilidad Limitada” (RR), pedindo que: I - Se reconheça que o A é titular do direito de superfície sobre o prédio identificado; II - Sejam as RR condenadas a reconhecer esse direito, abstendo-se da prática de quaisquer actos lesivos daquele direito; III - Permitam ao A o acesso ao dito prédio para proceder replantação do coberto vegetal destruído.

    IV – Paguem ao A o valor anual das perdas pela falta de recolha dos frutos, multiplicado pelo número de anos que cada espécie leva a adquirir maturidade plena e que se estima no valor de € 46.701,99; V - Paguem ao A o custo integral devido pela replantação, actualmente estimado em € 41,807.

    Alegou, para o efeito e em síntese, que: Após o óbito do pai e face ao desinteresse dos demais herdeiros, começou a cuidar das árvores existentes no terreno, ampliando ainda a plantação existente, pelo que adquiriu por usucapião o direito invocado.

    Em Maio de 2007, a 1ª R destruiu o arvoredo produtivo do prédio em causa.

    A 2ª R contestou, impugnando a versão do A.

    A 1ª R também contestou, impugnando a versão do A e apresentando uma versão diferente, referindo que o prédio foi adjudicado ao irmão do A em partilha realizada em 1994, na qual aquele interveio.

    Este transmitiu o prédio para a sociedade “DD”, que o vendeu à 1ª R, que beneficia do registo de aquisição do prédio, na sequência de registos efectuados pelos anteriores proprietários.

    O A perdeu a posse com tal partilha, ou, o não ser assim, a R sempre teria melhor posse.

    Diz ainda que a posse como comproprietário (herdeiro) não se pode somar à posse subsequente à partilha.

    Invoca também a ininteligibilidade do pedido.

    Com base nos factos invocados, deduziu reconvenção, pedindo que: I - Seja reconhecido e declarado o seu direito de propriedade pleno sobre a parte do Quinto das EE objecto da acção, com ressalvo da hipoteca o favor da 2.ª R; II - Se condene o A o não praticar quaisquer actos que perturbem o direito de propriedade da R sobre a parte da Quinto das EE objecto da acção.

    Invocou ainda a litigância de má-fé do A.

    O A replicou, onde corrigiu os termos do pedido formulado e impugnou a reconvenção.

    A 1ª R treplicou.

    Foi julgada improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial e o A convidado a aperfeiçoar o pedido formulado, convite o que este correspondeu.

    Na sequência de renúncia do mandatário do A, foi determinado o prosseguimento da acção apenas para conhecimento do pedido reconvencional, o qual foi admitido.

    Foi dispensada a audiência preliminar.

    Foi julgada inadmissível a apresentação de tréplica e determinado o seu desentranhamento.

    Foram fixados os factos assentes e elaborada a base instrutória.

    A fls. 869 o A, depois de constituir novo mandatário, requereu o realização de audiência preliminar com vista à consideração do seu pedido, o que foi indeferido a fls. 1048.

    Repetindo a pretensão a fls. 1090 e sendo esta novamente indeferida, interpôs o A recurso dessa decisão.

    Tal recurso foi admitido como agravo, com subida diferida com o primeiro recurso que haja de subir imediatamente e com efeito meramente devolutivo.

    Foram apresentadas alegações de recurso nesse momento relativamente ao agravo e contra-alegações.

    Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento com observância das formalidades legais conforme da acta consta.

    Foi então proferida sentença que: I - declarou o direito de propriedade plena da R BB Lda sobre a parte da Quinta das EE objecto da acção, com ressalva da hipoteca a favor da “CC, Promociones Inmobiliarias Y Urbanismo, Sociedad de Responsabilidad Limitada”; II - condenou o A a não praticar quaisquer actos que perturbem o direito de propriedade da R BB Lda sobre a parte da Quinta das EE objecto da acção.

    III - absolveu o A do pedido de condenação como litigante de má-fé.

    Inconformado com a sentença, o A (referindo que não prescinde do recurso anterior) interpôs recurso contra a mesma tendo o Tribunal da Relação não conhecido do agravo e julgado improcedente a apelação.

    Do acórdão da Relação recorre o A alegando, em conclusão, o seguinte: A. A presente Revista tem por objecto o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora era 10.09.2015, o qual confirmou a declaração do direito de propriedade plena a favor da Recorrida BB sobre o coberto vegetal existente na Quinta das EE, e, por conseguinte, confirmou a condenação do ora Recorrente a não praticar actos que perturbem tal direito.

  2. Está em causa, porém, a necessidade de reconhecimento ao Recorrente da aquisição por este, por via do instituto da usucapião, de um direito de superfície sobre a aludida parcela de terreno.

  3. O Tribunal a quo, contrariando inclusivamente a própria primeira instância, que havia reconhecido a existência de uma posse efectiva do Recorrente pelo menos desde 1993, entendeu que, afinal, o Recorrente em momento algum teve posse sobre o aludido coberto vegetal.

  4. Pelo contrário sustentou o Tribunal recorrido que o Recorrente não teve posse após a partilha do imóvel, ocorrida em 1994, na medida em que apenas «exerceu o poder de facto que corresponde ao "corpus" da posse, mas sempre teve conhecimento e consciência de que o prédio seria objecto de partilha, o que veio a acontecer com a sua anuência e é desde logo incompatível com o exercício da posse no convencimento de um direito real - cfr. art. 1262° do Código Civil».

  5. E entendeu, ainda, que não teve posse no período que antecedeu a dita partilha, o qual se iniciou em 1981, com o óbito do pai do ora Recorrente, na medida em que essa posse não pode ser considerada uma verdadeira posse, mas antes mera detenção exercida por conta da herança.

  6. Tal posição mostra-se, porém, amparada em pressupostos jurídicos, quando não errados, indevidamente aplicados à factualidade dos autos, incorrendo o Tribunal a quo em confusão no que respeita ao correto enquadramento da variação dos direitos reais nos termos dos quais o Recorrente possuiu ao longo dos anos, desde 1981.

  7. O Recorrente teve, sempre, posse efectiva. Antes e depois do partilha do imóvel dos autos.

  8. Com efeito, nos autos ficou perfeitamente demonstrada (como a sentença de primeira instância bem reconheceu) «a existência de um conjunto de factos praticados pelo A. (por si ou através de terceiros à sua ordem) em relação às árvores que configuram um exercício de poderes de facto suficiente para caracterizar o corpus da posse».

    I. Ficou demonstrado nos autos o corpus possessório por parte do Recorrente, de onde o Tribunal de primeira instância naturalmente retirou a existência de uma situação de verdadeira posse do Recorrente, uma vez que o respectivo animus possidendi sempre terá de presumir-se daquele mesmo corpus, nos termos do disposto no aludido n.° 2, do artigo 1252.°, do CC, e de acordo com o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça em acórdão uniformizador de jurisprudência datado de 14.05.1996, proc. 085204.

  9. A ilisão dessa presunção cabia, naturalmente, à Recorrida, mas, como o tribunal de primeira instância também reconheceu, a Recorrida não só não logrou a ilisão da presunção de posse constante do artigo 1252.°, n.° 2, do CC, como inclusivamente não alegou quaisquer factos susceptíveis de fazer qualificar tal exercício de poderes de facto pelo Recorrente como mera detenção, por tolerância dos seus familiares.

  10. Desde logo por esse motivo, nunca o Tribunal da Relação poderia ter partido para a conclusão de que o Recorrente não teve mais que uma mera detenção, porquanto tal conclusão, além de não se mostrar possível em face dos factos dados como provados nos autos, se mostra também impossível em face da própria alegação da Recorrida, que em momento algum alegou os factos essenciais necessários para esse efeito.

    L. Ora, dos autos resulta efectivamente que o Recorrente teve posse sobre as árvores existentes na Quinta das EE, pelo menos, desde 1993 até ao final do ano de 2006.

  11. Resultou provado, designadamente, que a partir de data não concretamente determinada no período compreendido entre 1991 a 1993, o Recorrente exerceu a posse do coberto vegetal da Quinta da EE, cuidando e mantendo as plantações aí existentes, à vista de toda a gente e com o conhecimento de FF, sem oposição de ninguém, até data não posterior a 12.11.2006, e que o fez «à vista de toda a gente e com o conhecimento de FF», «sem oposição de ninguém» (cf. factos provados 91., 92., 93., 94., 95., 96., 97., 98. e 99.).

  12. Pelo que, tendo sido realizada a partilha da herança de GG em 24.03.1994, foi feita demonstração nos autos da posse do Recorrente durante a totalidade do período subsequente a essa partilha.

  13. Tal posse é uma posse não titulada e exercida por referência a um direito de superfície, de forma pacífica, pública e de boa-fé, como resulta dos factos provados.

  14. Totalmente improcedente se mostra, por conseguinte, o entendimento vertido no acórdão recorrido de que o Recorrente somente teve o corpus da posse, tendo agido sem animis, na medida era que «sempre teve conhecimento e consciência de que o prédio seria objecto de partilha».

  15. Pelo contrário, como se disse, o animus possidendi do Recorrente referia-se ao direito de superfície sobre o coberto vegetal dos autos (e não a qualquer direito de propriedade, esse sim, objecto de partilha), e esse animus, conforme ficou demonstrado, presume-se do correspondente corpus.

  16. Mostra-se igualmente destituída de sentido a afirmação de que a anuência do Recorrente para com a partilha do direito de propriedade da Quinta das EE é incompatível com o exercício da posse no convencimento de um direito real, porquanto, in casu, o direito real em causa é o de superfície, e esse direito é, por natureza, sempre compatível com o direito de propriedade titulado por terceiros.

  17. Pelo que...

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