Acórdão nº 4753/07.7TBALM.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Junho de 2016
Magistrado Responsável | MARIA DA GRAÇA TRIGO |
Data da Resolução | 23 de Junho de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG, intentaram acção declarativa contra Município de Almada, pedindo a condenação deste a reconhecê-los como rendeiros/enfiteutas/possuidores, mais se declarando judicialmente reconhecida a enfiteuse por usucapião, e subsequentemente extinta, para que a propriedade plena dos prédios radique na sua titularidade, e que, em consequência, sejam declarados os seus direitos de propriedade sobre as parcelas de terreno e construções nelas implantadas e o demandado condenado a reconhecer tais direitos.
Invocam para tanto, no essencial, ser por si próprios, e pelos seus antecessores, há mais de 100 anos, arrendatários/enfiteutas/cultivadores directos, por contrato de arrendamento verbal, por um ano, renovável, de 1 de Outubro de cada ano a 1 de Setembro do ano seguinte, de parcela de terreno integrada em prédios comprados pelo R. nos anos de 1971 e 1972, mediante o pagamento de rendas anuais, na qual realizaram benfeitorias de valor muito superior ao do terreno, mantendo-se desde então e até agora, por eles e pelos antepossuidores, na posse pública, pacífica e ininterrupta das mesmas.
O R. contestou.
Por sentença de fls. 1375/1391, foram julgados procedentes os pedidos formulados e declarou-se o direito de propriedade dos AA. sobre as parcelas identificadas, condenando-se o R. a reconhecer tais direitos.
Inconformado, o R. apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Por acórdão de fls. 1557, a apelação foi julgada procedente, revogando-se a sentença de 1ª Instância e absolvendo-se o R. de todos os pedidos.
-
Vêm os AA. recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: PRIMEIRA Deparamo-nos no presente processo com uma análise comparativa ou “bifronte” de PARECERES DE JURISCONSULTOS: 1. Da autoria do SR. PROF. MENEZES CORDEIRO, fls.; 2. Da autoria do SR. PROF. Gomes Canotilho, do SR. DR. Abílio Vassalo Abreu, fls.; e do SR. PROF. Bacelar Gouveia, fls..
SEGUNDA E, enquanto o TRLx concordou com o 2.º Parecer, o recorrente, por sua vez, e com o devido respeito, optam e acompanham a sábia posição do SR. PROF. MENEZES CORDEIRO.
TERCEIRA Os AA. Paulo António Marques e outros sentem que estão bem escudados, ancorados e seguros na sabedoria do DOUTO PARECER do SR. PROF. MENEZES CORDEIRO, que prima pela brevidade, consistência e clareza histórico-jurídica.
QUARTA Também a SENTENÇA do TJ Almada de 21-08-2013, de fls. 1375/1391, assentiu com o Parecer do Sr. Prof. Menezes Cordeiro, bem como com o ACÓRDÃO do TR Porto de 08-11-2010, in www.dgsi.pt.
QUINTA Por sua vez, os interessantes estudos referidos nos Pontos 26 e 27 dão razão aos recorrentes.
SEXTA A enfiteuse é de feição multifacetada e de natureza real tendencialmente perpétua, devendo privilegiar-se os indícios materiais, em detrimento de meras qualificações vocabulares atribuídas pelos interessados.
Veja-se, neste sentido, também o douto PARECER da autoria do Exm.º Sr. Doutor Abílio Vassalo Abreu, emitido em Coimbra, em maio de 2012, inserido na REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS, Ano 72 – Lisboa – Out/Dez 2012, Voluma IV, págs. 1247 a 1322 “A NECESSIDADE DE UMA MUDANÇA JURISPRUDENCIAL EM MATÉRIA DE ACESSO DA POSSE (art. 1256.º do Código Civil) – cfr. Doc. n.º 2.
SÉTIMA Sucessivas gerações de agricultores mais que bicentenárias da Costa de Caparica fizeram prolongada e alargadamente dos solos estéreis, das areias, das dunas, as terras francas, areno-argilosas, as atuais hortas férteis da Costa de Caparica.
OITAVA Outros querem-se apropriar delas! NONA E os AA./ora recorrentes, estes homens agricultores da Costa de Caparica exerceram e continuam a exercer largamente a sua ação produtiva naquelas terras/solos que lhe estão adstrito(s) por sucessão/transmissão de seus antecessores mais que bicentenários.
DÉCIMA Deste modo e neste contexto temporal-espacial, o A. enraizado numa sucessão hereditária mais que bicentenária foi e é enfiteuta e preencheu/preenche cumulativamente todos os requisitos legais.
DÉCIMA PRIMEIRA Consequentemente, os AA. AA e outros são proprietários das parcelas/talhões cultivados nas Terras da Costa da Caparica, como está corretamente reconhecido pela DOUTA SENTENÇA do TJ ALMADA de 21-08-2013, de fls. 1375/1391.
DÉCIMA SEGUNDA Com o documento que ora se requer a junção aos autos (Doc. n.º 1) PARECER TÉCNICO – ECONÓMICO AGRÁRIO sobre CAPITAL BENFEITORIAS EM AGRICULTURA, por Alberto de Alarcão, Investigador e Professor Coordenador fica claramente comprovada a perpetuidade da relação enfitêutica com e para além da relação contratual, porquanto o contrato não esgota nem exaure a enfiteuse. Veja-se também o Doc. n.º 2.
Na verdade, o contrato não aniquila a ENFITEUSE.
DÉCIMA TERCEIRA As normas aplicadas pela sábia SENTENÇA do TJ ALMADA de 21-08-2013, de fls. 1375/1391, não enfermam seguramente de qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade, louvando-se os AA. AA e outros no ACÓRDÃO do Tribunal Constitucional n.º 159/2007, de 06-03-2007, acessível no endereço seguinte: www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos200701159.
DÉCIMA QUARTA Compete agora ao Venerando STJ desempatar a análise comparativa ou “bifronte” entre 2 pareceres e 2 Decisões do TJ Almada e do TRLx.
DÉCIMA QUINTA No caso vertente está estabelecida toda a sequência de transmissão do domínio útil dos prédios rústicos e urbanos desde o bisavô até os próprios justificantes AA., com comprovação plena da invocada “posse pública, pacífica e contínua dos AA. e antecessores, com o respetivo “animus”, integrando também o alegado regime foreiro e sua extinção, radicando a plena propriedade nos AA. enfiteutas e justificantes.
DÉCIMA SEXTA E provada essa posse a ação teria de ser, como foi julgada procedente no TJ Almada, na sua parte útil e dinâmica, qual seja a do reconhecimento da propriedade dos ditos prédios, colocando os AA. na situação de plenos proprietários, radicando a propriedade plena nos enfiteutas.
DÉCIMA SÉTIMA Não foi apreciada e decidida a magna questão da legalidade/constitucionalidade profusamente abordada quer nos PARECERES juntos aos autos pelas partes, quer nos ACÓRDÃOS dos Tribunais Superiores expressamente referenciados pelo A. e pelo Réu Município de Almada, que revelam oposição frontal. Tal omissão é causa de nulidade [art. 65.º, n.º 1, al. c) do nCPC/13]. Em casos análogos, o TRLx tem desaplicado por julgar inconstitucional, à luz do art. 204.º da CRP, a norma do art. 1.º, n.º 5, alíneas a) e b) do DL n.º 195-A/76, de 16 de março, o que levou o MP no STJ a interpor recurso para o Tribunal Constitucional [arts. 70.º, n.º 1, al. a), 72.º, n.º 3 e 75.º, n.º 1 da LTC] cfr. Doc. n.º 3.
DÉCIMA OITAVA Donde, face às razões legais e constitucionais expendidas, deve decidir-se dar a revista, com as legais consequências.
O R. contra-alegou, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.
-
Por despacho da relatora a fls. 1665, e nos termos conjugados dos arts. 679º e 651º, nº 2, do Código de Processo Civil, foi admitida junção aos autos de parecer jurídico apresentado pelos AA.
-
Vem provado o seguinte: 1 – Por escrituras públicas de compra e venda outorgadas em 16.11.1971 e em 17.03.1972, o réu declarou comprar a particulares e estes declararam vender-lhe a denominada “Quinta do Cardoso”, vulgarmente conhecida por “Terras da Costa”, com a área de 67.587,75 m2 e de 270.350,00 m2, respectivamente, descritas na Conservatória do Registo Predial de Almada sob os n.ºs 757, 762, 765, 767,783, 15.467, 15.468, 790, 15.473 e 15.472, da freguesia da Caparica, concelho de Almada, conforme consta dos instrumentos de fls. 43 a 74 destes autos, de fls. 49 a 80 do processo apenso n.º 4934/07.3TBALM, de fls. 51 a 82 do processo apenso n.º 6679/07.5TBALM, de fls. 47 a 78 do processo apenso n.º 6495/07.4TBALM, de fls. 49 a 80 do processo apenso n.º 6000/07.2TBALM, de fls. 49 a 80 do processo apenso n.º 5938/07.1TBALM e de fls. 49 a 80 do processo apenso n.º 6054/07.1TBALM – al. A); ___ 2 – À data existiam explorações agrícolas nos terrenos referidos em A) – al. B); ___ 3 – Em 17 de Julho de 1972, o réu dirigiu aos cultivadores das referidas terras cartas registadas com Aviso de Recepção, para que estes entregassem tais terras em 30 de Setembro seguinte – al. C); ___ 4 – Os cultivadores não entregaram as terras por considerarem que as podiam reter até que lhes fossem pagos os melhoramentos que nelas fizeram – al. D); Processo n.º 4753/07.7TBALM ___ 5 - O autor, há mais de 40 anos, bem como os seus antecessores, há mais de 100 anos, através de acordo verbal celebrado com os anteriores donos, têm vindo a explorar e a cultivar directamente o talhão n.º 59, este inserido no Lote 2, do prédio descrito em A), com a área total de 19.540,00 m2 e com a área de construção de 129 m2 (excluindo abrigos de apoio) – art. 1º; ___ 6 – O que têm feito mediante pagamento de uma contrapartida pecuniária anual no valor de 2.600$00, no contravalor de € 12,97 – art. 2º; ___ 7 - À vista de todos, pacificamente, sem oposição de ninguém e com autorização do réu – art. 3º; ___ 8 – A parcela de terreno indicada como talhão n.º 59 confronta do Norte com talhão n.º 28, do Sul com talhão n.º 58, de Este com Arriba Fóssil e de Oeste com caminho público – art. 4º; ___ 9 – Pelo acesso às “Terras da Costa” passam bicicletas, motorizadas, camionetas carregadas de adubos e detritos orgânicos, materiais para obras e trabalhos, bem como o produto agrícola, para ser vendido nos mercados da Costa da Caparica, Almada e Lisboa – art. 5º; ___ 10 – HH, avô do autor, fez nas referidas parcelas de terreno as edificações aí existentes e plantou árvores – art. 6º; ___ 11 – Foi o autor quem, há mais de 40 anos, fez uma horta, toda irrigada, nas referidas parcelas, onde produz tomate, cenoura, nabo, couves, alface, pimento, feijão-verde, batata, cebola e milho de regadio – art. 7º; ___ 12 – Desde há mais de 40 anos que os referidos produtos agrícolas são vendidos, diariamente e durante todo o ano, nos mercados dos concelhos de Almada e Lisboa – art...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO